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Samuel Faustino Romero Sanches Filho, 63 anos, produtor de soja de Jataizinho (Foto: Sergio Ranalli)

 

*Publicada originalmente na edição 419 de Globo Rural (Setembro/20)

Samuel Faustino Romero Sanches Filho, 63 anos, é um homem de palavreado calmo e decidido. Agricultor desde sempre, cultiva grãos em uma área de 290 hectares no município de Jataizinho, no norte do Paraná. No início do ano, plantou milho. Agora, prepara o solo para a soja, esperando as primeiras chuvas do começo de outubro para colocar as plantadeiras no campo.

Com a experiência de quem se entende com a oleaginosa desde a década de 1970, o produtor, formado em administração de empresas, está concentrado no uso da agricultura de precisão, para corrigir e adubar o solo talhão por talhão, de acordo com a necessidade de nutrientes. Quer ter baixo custo e boa produtividade. A combinação se traduz em boa rentabilidade.

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Para evitar surpresas na hora de fechar as contas, em fevereiro Sanches fechou contratos de troca, as chamadas operações de barter, com a Integrada, cooperativa da qual é associado. Garantiu adubo, sementes e defensivos, para pagar em soja após a colheita, travando a negociação pelo preço que a commodity apresentava na época.

Ele calcula que pagará os custos dos insumos já adquiridos com 22 sacas por hectare. Sua média de produtividade é de 66 sacas por hectare. Para aproveitar os bons preços em reais, ele já comercializou 40% da soja que ainda nem foi plantada e será colhida a partir de janeiro. O preço médio do produto vendido ficou em R$ 100 por saca.

Em agosto do ano passado, o produtor havia feito 30% de venda futura, a R$ 80 a saca. Sanches não se arrisca a aumentar a venda antecipada, pois, se não produzir, se houver algum imprevisto, será obrigado a comprar soja no mercado para honrar o contrato. “Da porteira para dentro, a Sgente se garante. Agora, temos de trabalhar, com seriedade, profissionalismo, acompanhando o mercado, o clima, a Bolsa de Chicago, a safra americana e a necessidade da China.”

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Diante do cenário atual e do otimismo com pés no chão, como o produtor Samuel Sanches, analistas de mercado e empresas agrícolas preveem que a nova safra brasileira de grãos 2020/2021, que está começando a germinar no campo, tem potencial para ser a mais rentável da história, graças, principalmente, à forte valorização do dólar. A nova safra de grãos também vai injetar mais dinheiro na economia.

Fábio Silveira, sócio-diretor da consultoria MacroSector, estima que a receita deve crescer 9,2% e passar de R$ 299,7 milhões, na atual safra, para R$ 327,4 milhões, em 2021. “Em períodos de crise, o preço normalmente cai. Desta vez, mesmo com a pandemia do coronavírus, os preços não caíram, pois houve grande procura por alimentos, especialmente pela China e Índia, devido ao sentimento de que seria necessário fazer estoque”, diz Silveira.

As primeiras projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) também apontam para esta direção. A perspectiva para a safra 2020/2021, divulgada no final de agosto, prevê que em Mato Grosso a rentabilidade do milho deve atingir 57% sobre o custo operacional e, no caso da soja, a margem líquida pode atingir até 41%. Graças aos bons preços e à comercialização antecipada, a Conab sinaliza que os produtores brasileiros devem aumentar a área plantada de soja em 2,3%, a de milho em 7,2% e a de arroz em 12,1%.

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O analista Anderson Galvão, diretor da consultoria Céleres, lembra que os custos relativamente estáveis e a valorização do dólar proporcionaram aos produtores de soja obter no último ano a melhor margem operacional das últimas seis safras. A margem foi de R$ 1.470 por hectare e receita operacional média de R$ 3.774 por hectare. O cálculo considera fatores como custo operacional, preços, câmbio e produtividade média. Sobre a safra  020/2021, Galvão prevê que o resultado deve ser ainda melhor.

A projeção inicial é de  margem operacional de R$ 2.778 e receita operacional média de R$ 5.308 por hectare, mesmo considerando a possibilidade de um relativo aumento nos custos operacionais do sojicultor. “O agricultor brasileiro conseguiu bons resultados com o real se desvalorizando, pois parte expressiva do custo de produção é em reais. É o principal elemento que faz com que a rentabilidade seja melhor”, explica Galvão.

(Fonte: Céleres Consultoria/Agosto 2020)

 

Antes de começar o plantio, que depende da chegada das primeiras chuvas em setembro, a nova safra já tem um recorde garantido: o de comercialização antecipada. Segundo estimativas da Conab, em agosto 40% da soja que será colhida a partir de janeiro do próximo ano já tinha dono, ante 20% na mesma época do ano passado.

As vendas de milho, que será semeado na sequência da soja, atingiram 25%, valor também histórico. O ritmo é ainda mais acelerado em Mato Grosso, maior produtor nacional de grãos, onde em julho 50,5%da soja e 45,8% do milho estavam vendidos. “Nos últimos cinco anos, esses percentuais de venda só foram atingidos por volta de novembro”, explica Daniel Latorraca, superintendente do Instituto Matogrossense de Economia Agropecuária (Imea). 

Ele conta que os agricultores começaram a fechar mais cedo os contratos travados em dólar, aproveitando a valorização da moeda norte-americana para fazer boas trocas da produção por insumos e fertilizantes. Até a safra de soja que será plantada em 2021 e colhida em 2022 já tem  negócios firmados: quase 2% da produção.

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No Paraná, segundo maior produtor, a aposta também é de incremento das vendas  antecipadas, além de aumento de área plantada e de produtividade. Marcelo Garrido, economista do Deral (Departamento de Economia Rural), da Secretaria da Agricultura e do
Abastecimento, diz que, historicamente, os produtores paranaenses vendem com  antecedência um terço da safra. Garrido acredita que o percentual deve ficar acima na nova safra, devido aos preços compensadores.

“Em relação ao ano anterior, houve um aumento de quase 50% no valor da saca de soja. A produtividade também cresceu, atingindo 63 sacas por hectare. Esses fatores levam o agricultor a plantar mais soja, ocupando áreas de  pastagens, feijão e outras culturas”, diz ele.

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No Rio Grande do Sul, onde 25% da soja futura já foi vendida, os bons preços do grão estão empolgando os produtores, segundo Paulo Pires, presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado do Rio Grande do Sul (Fecoagro-RS).

A Fecoagro recomenda aos agricultores que façam as contas para decidir se vale a pena vender parte da produção antes do plantio. “Por exemplo, se gastar R$ 2 mil em insumos, seria interessante fazer contrato desses R$ 2 mil, assim já saberia quantas sacas de soja e milho precisaria colher para pagar a conta.”

O cenário também é positivo na avaliação da SLC Agrícola, que produz grãos e algodão em 17 fazendas em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Maranhão, Goiás e Piauí, que somam 448 mil hectares de área plantada. Aurélio Pavinato, CEO da empresa, diz que, além
do câmbio favorável, a previsão se deve ao fato de o agronegócio brasileiro ter ficado mais importante e competitivo, ao mostrar ao mundo, durante a pandemia, sua resiliência e a sustentabilidade da cadeia produtiva.

 

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A SLC segue a estratégia de comprar insumos e vender a produção futura ao mesmo tempo. Até agosto, 61,9% da soja e 44% do milho já tinham contrato. “Já garantimos preços adequados para o próximo ano.”

André Pessôa, presidente da Agroconsult, que aposta numa produção recorde de 132 milhões de toneladas de soja na nova temporada, explica que a comercialização antecipada da safra permitiu fixar  os preços da oleaginosa, em reais, em patamares elevados e os produtores ainda foram beneficiados pela queda em dólar do preço dos fertilizantes desde o ano passado.

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“A taxa de câmbio está muito favorável ao exportador. O produtor sabe que o dólar acima de R$ 5 é atípico. Por isso, alguns agricultores do Cerrado já venderam até uma parte da safra 2021/2022”, diz ele.

Pessôa explica que a venda antecipada é usada pelo produtor como um antídoto contra as incertezas, como a da guerra comercial entre Estados Unidos e China – que, no curto prazo, beneficiou o Brasil, mas ninguém sabe como será a médio e longo prazo. Outras incertezas são a duração da pandemia e as crises política e econômica do país. Por isso, segundo o analista, o produtor deve se concentrar em fazer bem sua atividade e aumentar a produtividade da lavoura.

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O consultor Fernando Pimentel, sócio-diretor da Agrosecurity, destaca que o produtor também foi beneficiado pela paridade de preços entre grãos e fertilizantes, que é a melhor em 12 anos e levou muita gente a investir em operações de troca. “Os insumos representam o custo mais alto para o agricultor. Com uma produtividade boa, que nem precisa ser recorde, a rentabilidade certamente será muito boa.”

Pimentel calcula, por exemplo, que um produtor de Goiás com área própria terá uma rentabilidade bruta de 37% e quem produz em terras arrendadas, de 29%. Ele lembra que sojicultores chegaram a ter 60%de rentabilidade na safra 2003/2004, com o dólar a R$ 4. “Mas a safra seguinte, com ferrugem asiática e queda do dólar, foi o maior trauma da agricultura brasileira.”

 (Fonte: Conab/Agosto 2020)

 

Os analistas recomendam que o agricultor estabeleça limites na venda futura, para não ter de comprar grãos no mercado a fim de honrar seus contratos em caso de surpresas climáticas e baixa produtividade.

Para André Pessôa, o máximo é 70%. Daniel Latorraca diz que os produtores sabem bem os riscos de comercializar antes da colheita mais de 65% da produção. Outro risco é se os negócios forem feitos com descasamento de moedas, com a dívida em uma moeda e a receita em outra.

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O agricultor também pode se arrepender de ter vendido a maior parte de sua produção antes da colheita caso o preço do grão suba muito mais no mercado internacional (possibilidade considerada bem remota), em razão de quebra em algum país que seja grande exportador.

O vice-presidente de marketing e vendas da Yara Brasil, empresa líder no segmento de fertilizantes, Cleiton Vargas, diz que o produtor está comprando antes e investindo mais em volume e qualidade de fertilizantes porque as relações de troca estão altamente benéficas. “Por exemplo, em 2011, o produtor de Rondonópolis precisava de 28 sacas de soja para comprar 1 tonelada de fertilizante. Agora, precisa de apenas 15.”

 (Fonte: Conab/Agosto 2020)

 

Vargas explica que, embora os valores das matérias primas sejam diariamente reajustados, já que 75% são importadas, o preço é o mais baixo em dólar. A estimativa de mercado é que 55% do fertilizante necessário para a safra já estão no campo. “A gente deveria estar com 70% do mercado comprado nesta época do ano, mas já estamos com 80%”, diz ele.

As vendas antecipadas não se limitam à safra 2020/2021. A Yara já tem 3% comercializados para a safra 2021/2022. Na cooperativa paranaense Integrada, o superintendente comercial João Bosco de Souza Azevedo calcula que 50% da produção esperada para a próxima safra dos associados da cooperativa foram comercializados. Desse montante, metade do volume corresponde a operações de barter (troca por insumos), com o agricultor buscando travar o custo de produção.

“A orientação que passamos para o associado é que vá vendendo de forma escalonada. E que olhe para o clima, para as condições pluviométricas, sobretudo em relação à safra na América do Sul. À medida que a lavoura vá se desenvolvendo, que a produção esteja garantida, daí sim aumentar o compromisso de vendas futuras. Se tiver de especular com alguma produção de soja, que faça com uma pequena quantidade, com o que estiver sobrando”, ressalta Azevedo.

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Com formação em ciências contábeis e experiência na área de gestão de riscos, o trader Guilherme Stringal de Souza, 28 anos, costuma dizer para os clientes da empresa na qual trabalha, a Belagrícola, com sede em Londrina, que mais importante do que saber o preço da saca é garantir a rentabilidade, com gestão de resultados.

“Atualmente, o preço sofre a influência da alta do dólar e da guerra comercial entre China e Estados Unidos, o que faz com que aumente o valor do prêmio pago pela soja brasileira nos portos. Isso também está puxando o preço para cima. Para o futuro próximo, vai depender de fatores como a oferta da commodity no mercado e a demanda mundial. São fatores que nós não  controlamos, mas com gestão podemos ajudar. É melhor ter resultados sempre do que acelerar muito em um ano e quebrar no outro”, ressalta o trader.

A Belagrícola, que tem como acionista a chinesa Dakang Farming, fornece insumos e compra a produção. A empresa incentiva os seus clientes a trabalhar no sistema de barter, comprando os insumos, travando o preço em sacas de soja para pagar na colheita. “Também incentivamos que faça o seguro, pagando em sacas de soja. Com esta segurança, daí é brigar no manejo, que é algo que o agricultor brasileiro faz muito bem.”

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Os irmãos Zambianco (Ronaldo, 55 anos, Almir, 59, e Ronivaldo, 51), que cultivam uma área de 1.600 hectares em Arapoti, na região dosCampos Gerais do Paraná, são associados da Capal Cooperativa Agroindustrial. Ronaldo conta que, entre março e abril, a cooperativa faz a compra antecipada dos insumos e repassa para os produtores, sem utilizar o sistema de permuta por sacas de soja. Fertilizantes e sementes são pagos em 30 de novembro.

Herbicidas, inseticidas e fungicidas serão quitados pelos produtores só em 30 de abril de 2021. Na safra passada, eles colheram, em média, 67 sacas por hectare. Para a próxima, esperam ter um incremento de 5%, chegando a 70 sacas por hectare. Na safra de inverno deste ano, semearam trigo e aveia e pretendem realizar o plantio de verão ainda no final de setembro. A soja vai ocupar 80% de toda a área. No restante, cultivarão milho e feijão, pensando na rotação de culturas.

(Foto: Conab/Agosto 2020)

 

Do que estimam colher, venderam 40% antecipadamente, aproveitando o preço da saca na casa dos R$ 100 (preço que Ronaldo considera bom). “É um valor entre 20% e 25% do que encontrávamos há um ano. Enquanto isso, compramos os insumos com aumento de 8% a 10%. Portanto, temos, sim, um entusiasmo, mas com os pés no chão, olhando para o clima e para os muitos fatores de mercado. Eu costumo dizer para os amigos que, se a gente soubesse como o preço estará no momento da colheita, não precisava nem plantar. Viveria só de especulação”, comenta o agricultor, bem-humorado.

A soja a ser colhida que não estiver comprometida com a venda futura, os irmãos entregarão para a Capal, que armazena e faz a venda, de acordo com valor estabelecido pelos produtores. Quanto será em 2021? Isso ninguém sabe. De certo mesmo, só o valor de momento, considerado bom em reais, a ponto de causar uma preocupação em Ronaldo. 

“Atrai aventureiros, gente que nem é do ramo e resolve que vai plantar soja. Como consequência, inflaciona o valor do arrendamento. No nosso caso, 50% da área em que trabalhamos é arrendada”, explica. “Mas, para a próxima safra, meus irmãos e eu estamos otimistas, com uma indicação de bons preços por parte do mercado. E com a ajuda de Deus, que sem Ele não fazemos nada”, emenda Ronaldo, sempre otimista.

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O maior risco para este cenário de céu de brigadeiro da atual safra de grãos é o clima, responsável pela forte quebra da última safra de grãos do Rio Grande do Sul. As previsões meteorológicas, no entanto, são bem favoráveis neste ano. “São Pedro vai colaborar bastante com as duas safras”, prevê o agrometeorologista Marco Antonio dos Santos, da Rural Clima.

Segundo ele, “não vai haver estiagem, como alguns estão divulgando, mas uma ou outra região podem ter oscilações”. Patrícia Madeira, diretora da Climatempo, afirma que, em geral, os produtores podem esperar uma boa safra, mas as condições não devem ser tão boas na Região Sul e no oeste paulista. “Vai depender do manejo, do plantio e do perfil de solo, mas, em novembro e dezembro, pode haver deficiência hídrica nos três Estados do Sul e em São Paulo”, alerta Patrícia.

(Foto: Mapa/Agrosat)

 
Source: Rural

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