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Ricardo Santin, presidente da Associação Brasleileira de Proteína Animal (Foto: Divulgação/ABPA)

 

Depois de 12 anos de gestão de Francisco Turra, Ricardo Santin assume a presidência da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) tendo como uma de suas principais tarefas o fortalecimento da imagem das cadeias produtivas de aves e suínos do Brasil. Tanto no mercado interno quanto no externo, em meio à pandemia de Covid-19 e questões como a a informação de que uma carga de frangos para a China estaria contaminada com o novo coronavírus.

Em entrevista exclusiva à Globo Rural, Santin fala sobre o desafioda competitividade no Brasil e sobre a questão da Amazônia e como ela pode refletir no setor agropecuário. Sobre as relações com a China, país que tem respondido por parcela importante das exportações brasileiras de carnes de frango e de suíno do Brasil.

Globo Rural: Você assume a ABPA após 12 anos de presidência do Francisco Turra, que praticamente fundou a entidade. Qual será o foco da sua gestão?
Ricardo Santin: É um processo de continuidade, mas claro que na minha gestão de 2020 a 2021 tem dois pilares principais. O primeiro é o de melhorar e trabalhar para melhoria da competitividade das empresas. Dentro desse escopo de mudanças que o Brasil está passando, seja na reforma tributária, da previdência, mudanças regulatórias…Queremos inserir em todas as decisões do governo ações políticas que  possam melhorar a competitividade do setor. O outro pilar é o fortalecimento da imagem das proteínas, seja ela de ovo, suíno ou de frango. Tanto no mercado interno quanto externo. Fortalecer – principalmente agora nos tempos de covid – as características nutricionais, os valores nutricionais dessas proteínas e o porquê é importante consumi-las. Também os aspectos sociais que essas proteínas possuem através da distribuição de renda, o 'papel importante que essas proteínas têm no equilíbrio econômico do país quando a gente traz US$ 8,5 bilhões para a balança comercial, quando a gente distribui renda entre mais de 500 mil trabalhadores diretos na atividade e mais de 4,1 milhões nessa cadeia. Então, é isso que são os dois pilares de trabalho: a competitividade e o fortalecimento de imagem, tudo isso calcado numa base  muito sólida de continuidade do trabalho até aqui realizado, seguindo no fortalecimento da entidade.

GR: Em relação à competitividade, quais mudanças você considera importante para o setor?
Santin: Já há vários avanços – e temos que celebrar. Alguns vêm dos governos anteriores, do governo Temer. Outros do governo Bolsonaro também, muitos avanços estão acontecendo e, às vezes, são avanços pequenos, mas que refletem no final. A gente tem hoje, como uma das principais mudanças que precisam haver é a solução da reforma tributária. Uma reforma tributária que não onere o setor. Por exemplo, com a manutenção da desoneração da folha de pagamento, para que a gente não onere o produto para exportação. A reforma tributária em si, não onerando a cesta básica, mantendo emprego, dando condições de criar emprego e, acima de tudo, dando condições de competir. Aí você pode incluir a disponibilidade de melhores informações sobre as exportações de grãos e tirar alguns diferenciais que a gente tem. Por exemplo, se você comprar o grão para fazer transformação aqui no mercado interno, ele é mais caro do que o grão de exportação quando você considerar os impostos. Então, todas essas situações são preponderantes para você ganhar competitividade. Às vezes, a mera regulamentação da lei da cabotagem já daria um ganho de custo ao ter o transporte por cabotagem do Sul para o norte do Brasil para preparar algumas exportações e assim por diante. São vários os ganhos que estão tendo. Você tendo operador econômico autorizado do sistema, você tendo sistemas integrados no ministério da agricultura, no ministério da economia, no ministério da ciência e tecnologia que podem inserir inovações.

A competitividade não vem só das ações do governo, mas também do setor: a inserção da internet das coisas, o blockchain, de processos mais modernos de produção que vão reduzindo os custos. Não que isso já não exista no Brasil, mas é a amplificação disso. Dentro da nossa atuação na ABPA, conquistamos a ABPA Data, uma plataforma de informação que fornece mais de dois bilhões de dados aos nossos associados. A gente inseriu o nosso setor no mundo do big data para ver a competitividade lá fora, nossos competidores, e assim por diante. Essa que é a ideia, ganhar competitividade mesmo que nas coisas mais simples. A gente está vendo hoje o Ministério da Agricultura evoluir com muitas coisas positivas, vendo melhorias em processos de autocontrole sem perda da importância do papel do auditor fiscal, mas com maior papel da responsabilidade das empresas. Então, tudo isso, acaba tornando mais leve o trabalho, e ao tornar isso mais leve, dá mais competitividade, ficamos mais baratos frente aos nossos concorrentes.

GR: O Ministério da Agricultura, inclusive, anunciou mudanças no processo de fiscalização sanitária recentemente, prevendo a criação de um serviço social autônomo, o que dispensaria a realização de concurso público para a contratação de veterinários destinados ao serviço de inspeção pré e pós abate. Qual sua opinião?
Santin: Primeiro, eu vejo que a fiscalização está muito bem e ajudou demasiadamente o setor nesta pandemia – auditores fiscais, assistentes, auxiliares, de todo aparato do governo – para a gente conseguir afastar aqueles que tinham comorbidades e não parar o trabalho. Ou seja, os auditores fiscais, nesse processo, mostraram o seu valor e assumiram sua responsabilidade – garantir comida na mesa dos brasileiros. Então, isso é uma coisa que vai muito bem. Agora, a gente apoia a iniciativa do Ministério da Agricultura porque isso não é uma questão entre ter fiscais ou os fiscais supervisionando terceiros. Essa é a opção que a gente tem. É todo o agronegócio que precisa de mais auditores fiscais e um governo que está sem dinheiro pra contratar, a gente precisa ter alternativas onde não se perca a necessidade da autoridade do Ministério da Agricultura, mas se possa dar agilidade ao processo. A criação de uma organização social com supervisão do Ministério da Agricultura, e assim por diante, vai dar agilidade e conseguir, inclusive, auxiliar nos processos. Vai melhorar atuação do Ministério que por vezes tem funcionários que precisam se redobrar para fazer as tarefas que estão aí se impondo e que vão crescer cada vez mais. Eu vejo que essas iniciativas não são para serem olhadas com a lente do hoje, e sim com a lente do futuro. A gente sabe que nós vamos ter que crescer, que o Brasil vai ser chamado cada vez mais a produzir alimentos e com qualidade, sanidade e acima de tudo – que tenham o selo do Ministério da Agricultura, de uma fiscalização de um processo de produção bem garantido. E isso se dá com garantia. Às vezes, não precisa ser a presença física. A supervisão com processos de controle e autocontrole, vai bem. É bom lembrar que o autocontrole já existe, ele já é um sucesso e é um processo paulatino que vai garantindo, conforme os setores vão ganhando maturidade, a inserção de mais processos de autocontrole.

A gente tem hoje, como uma das principais mudanças que precisam haver, é a solução da reforma tributária. Uma reforma tributária que não onere o setor"

GR: Mas com o crescimento da indústria até aqui e a quantidade atual de auditores fiscais, como você avalia a situação da fiscalização sanitária no país?
Santin: É positiva porque está funcionando. É importante dizer que a situação é positiva e, agora, com essas mudanças, ela tem uma evolução positiva também – com a nova proposta do governo, da ministra Tereza Cristina, do secretário José Guilherme [Leal, de Defesa Agropecuária], eles têm trabalhado muito seriamente nisso. Mantendo qualidade da fiscalização, o dever de olhar para que o produto chegue com segurança à mesa das pessoas, mas pensando nesses gargalos. Porque a gente está vendo que tem pessoas que precisam se aposentar, e assim por diante, e uma dificuldade de contratação por força de um orçamento esgoelado, ainda mais agora depois da pandemia. Está funcionando bem. Foi uma parceria mais que positiva entre o setor privado e público para manter o abastecimento na mesa. Todo mundo enfrentando suas responsabilidade de produzir comida, de fiscalizar e fazer isso. Seria muito pior, em tempos de pandemia, se as pessoas tivessem que ficar correndo de mercado em mercado atrás de comida. Isso ajudou demais e, então, por isso que eu digo que acho que é muito positivo e que esses processos que estão aí tendem a uma evolução consistente sem perder o controle do Ministério da Agricultura, mas possibilitando crescimentos que não venham a virar gargalos no futuro.

GR: Você citou a reforma tributária. Com uma economia em crise e com o agronegócio sendo o único setor a apresentar resultados positivos de forma consistente no país, diversas propostas de taxação da produção agropecuária têm surgido. Como a ABPA tem se articulado diante do possível aumento ou criação de tributos sobre a produção de proteína animal?
Santin: Estamos fazendo o papel que é determinado e de acordo com o que as nossas regras de compliance determinam, que é mostrar as informações, as possibilidades e os efeitos de eventuais onerações. Não é por que a gente está dando certo que agora tem que vir onerar e, aí, fazer o setor andar pra trás. A gente tem sempre que lembrar que, quando se fala em setor de alimentos como nosso, de aves, suínos e ovos, que são básicos do dia-a-dia das pessoas e, no nosso caso, ainda as proteínas mais baratas disponíveis junto com o leite, nós levamos esse custo direto pra mesa do trabalhador, direto para a mesa do consumidor. Onerar o setor no seu processo produtivo é levar isso para a mesa do trabalhador e do consumidor. Então, o que a gente defende é que, primeiro, mantenha-se o setor que está dando certo podendo produzir riqueza, gerar emprego, sem oneração. Porque é exatamente esse, digamos, talvez, esse perfil, que se conduziu até hoje com algumas características próprias de tributação, como isenção de alguns produtos da cesta básica, inserção de alguns créditos presumidos para compensação do processo de exportação, deixando aquele produto desonerado para concorrer lá fora, faz com que, no nosso caso, tragamos uma receita de US$ 8,5 bilhões a um PIB de US$ 80 bilhões. Esse é o ponto. O setor entende que necessita de uma reforma tributária. O princípio da reforma é certo: não é diminuir a arrecadação, mas tampouco precisa aumentar. O que precisamos é de simplificação tributária. Talvez que o simples fato de simplificar uma reforma tributária já vai conseguir dar recurso e agilidade para as empresas e o investimento externo, fazendo a máquina girar mais ainda, trazendo muito mais benefícios que um eventual aumento de imposto e oneração.

Então, nós temos trabalhado com  o Instituto Pensar Agro para subsidiar os deputados e senadores, com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), com a Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), com as diversas entidades estaduais, como Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], Ocepar [Organização das Cooperativas do Estado do Paraná], todas essas entidades. Estamos trabalhando em conjunto propostas para que o agro seja mantido no que ele tem hoje e não seja onerado demais porque tem outro ponto: quando eu onero esse setor, vai direto para o preço e eu posso tirar a capacidade de compra do consumidor. É onde mora o problema. Eu estou querendo arrumar imposto aqui e para de comprar lá. Fica uma situação mais difícil. Esse é o ponto. Já conversamos com o deputado Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB), Bernard Appy, Luiz Carlos Hauly, com todos os atores que estão hoje na reforma tributária mostrando, acima de tudo, que o importante é não onerar o agro e, principalmente, a cesta básica no período de retomada da economia. O que a gente precisa é de simplificação do sistema tributário. Eessas amarras tributárias que existem hoje, elas têm um custo interno que a gente nem imagina quanto é. E as autoridades sabem o cálculo disso. Quando você libera esse custo, a atividade econômica vai ser muito melhor, eu tenho certeza, do que simples e meramente aumentar imposto.

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GR: Atrair investimentos externos passa também por contornar uma crise de imagem  por conta do desmatamento na Amazônia mesmo com 90% da produção concentrada no Centro-Sul do Brasil e, portanto, fora do bioma. Como lidar com essa situação?
Santin: Acima de tudo, lidar com informação. O que a gente precisa fazer é informar o que está se fazendo aqui, que o Brasil tem um Código Florestal que nos obriga, com dinheiro próprio, a ter reservas sustentadas pela iniciativa privada sem compensação nenhuma, que o Brasil tem 66% de mata nativa preservada e que nós usamos o menor índice, 6%, de áreas irrigadas, enquanto a China usa 52%, a Índia usa 42%, os EUA 17%, Europa 16%. A questão da Amazônia, e aqui vai uma colocação nossa, nós estamos fora do bioma amazônico, principalmente na produção industrial, porque a Amazônia tem produção, sim, de aves e suínos, mas para subsistência e consumo local. Para a exportação, a produção está toda fora do bioma amazônico. Independente disso, a Amazônia é um patrimônio do Brasil e nós cuidamos. Quando você começa a olhar os números, você vê que isso ocorre, lógico. E nós somos contra o desmatamento, somos definitivamente contra o desmatamento e somos contra os criminosos. Queremos que o governo seja cada vez mais severo com quem está lá fazendo grilagem e desmatando sem autorização. Isso é uma coisa. Mas existe um passivo histórico que precisa ser adequado, de pessoas que foram para a Amazônia por programas do governo e agora eles têm que ser titulados, resguardados e, acima de tudo, ter sua atuação na Amazônia fiscalizada para fazer uma produção sustentável.

Lógico que a Amazônia é um gargalo de imagem, mas há também um certo exagero. Se a gente for olhar hoje o incêndio que está tendo na Califórnia, ele é muito maior do que está acontecendo aqui. Eu não quero fazer comparações, quem é melhor para falar disso é o Evaristo de Miranda [pesquisador da Embrapa], quem tem dados científicos em relação a isso. Aqueles casos em que a Amazônia, digamos assim, tem uma área que alguém está entrando, acho que aí o governo tem que agir e espero que, com essa comissão nacional coordenada  pelo vice presidente da República [general Hamilton Mourão], aja cada vez mais severamente contra os maus brasileiros que estão prejudicando a Amazônia, mas também é necessário deixar aquele povo ribeirinho, indígena e amazônico poder viver na Amazônia de maneira sustentável. Não dá para, pura e simplesmente, dizer que, porque alguém quer, a Amazônia tem que ser intocada depois dele ter derrubado 98% das suas florestas nativas na Europa. E agora quer dizer que, na Amazônia, eu não posso viver? E as pessoas que estão lá? Elas precisam viver e de uma maneira sustentável. Acho que é isso que nós temos que fazer: conciliar o nosso discurso com informações científicas sérias e corretas, mostrando para o mundo que a gente está cuidando e preservando o Brasil. Volto a dizer, se você pegar o Código Florestal Brasileiro e fizer ele se instalar em qualquer país, acho que aquele país para. Sua atividade do agronegócio para com certeza.

GR: Essa tem sido justamente a estratégia do governo. Inclusive lançaram um vídeo ressaltando os dados de vegetação nativa preservada e distribuição geográfica da produção agropecuária. Por que a disseminação dessas informações não tem trazido os resultados esperados?
Santin: Primeiro, a gente também não pode ser tão ingênuo ao ponto de achar que as pessoas estão fazendo isso simplesmente porque só querem a proteção da floresta. Claro que não quero fazer nenhuma acusação, mas, quando incendiaram a Austrália, ninguém falou nada, e incendiou muito mais do que a Amazônia. Quando teve incêndio, ao mesmo tempo que teve as queimadas no ano passado na Amazônia, as queimadas na África eram três vezes maiores. Talvez agora ninguém enxergue na África ou lá na Austrália um grande concorrente mundial na produção de alimentos. Então, a gente tem que lembrar que isso pode também estar passando por uma politização e, em alguns casos, ideologização desse processo. E nós estamos fazendo o quê? A Apex [Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos], o Mapa e a ministra Tereza Cristina têm sido demandados a falar a verdade. Quando houver gente que estiver fazendo errado, nós somos contra mesmo. Nós, do setor de aves, suínos e ovos, não somos a favor de grilagens. Qualquer árvore derrubada ilegalmente e irregularmente não pode ser admitida. Temos que buscar esse desmatamento ilegal zero, que é o que a gente almeja, e o Brasil tem colocado isso, a ministra tem colocado. Quando comparado aos demais países, o Brasil tem um perfil conservacionista. Fomos os primeiros a fazer o plantio direto, temos um cuidado imenso com a água, com a reciclagem, tudo isso são realidades que devem ser mostradas. Às vezes, também, as pessoas não querem ver, sabe? Esse é o ponto. Acho que a gente tem que seguir trazendo as informações, os setores tem que fazer isso. Tem que apoiar essas atividades que mostram a realidade do setor e também apoiar o governo e buscar pressionar o governo para que, naqueles casos onde está havendo desmatamento ilegal, ser severo não só com multas, mas com prisões também.

Ricardo Santin: "Queremos que o governo seja cada vez mais severo com quem está lá fazendo grilagem e desmatando sem autorização. Isso é uma coisa. Mas existe um passivo histórico que precisa ser adequado, de pessoas que foram para a Amazônia por programas do governo" (Foto: Divulgação)

GR: O atual governo tem colecionado declarações e medidas polêmicas relacionadas à questão ambiental. Essas posições não atrapalham o trabalho da ABPA e da indústria em geral para resgatar a imagem do agronegócio brasileiro?
Santin: Você pode ter, sim, alguns equívocos de manifestações que talvez, se fosse eu, não faria. Mas eu também não quero analisar fora do contexto das pessoas que o fizeram. O que importa é a realidade. A realidade é um país que cuida, que conserva e que tem que trabalhar essa imagem, tem que recuperar. Às vezes, algumas declarações feitas no passado não foram felizes. Mas também tinham o seu determinado contexto ou talvez um objetivo próprio. Agora, o que precisa ser demonstrado ao mundo é exatamente essa situação. Quando você vê os clientes que vêm pra cá, quando você vê uma missão europeia, quando vem uma missão dos EUA verificar a nossa produção, eles votam pra lá dizendo "poxa eles têm uma produção sustentável". Sabe, é isso que eu digo. Não é que a Amazônia seja pouco importante, mas o restante das coisas não pode ser contaminado por uma discussão que está tendo na Amazônia. Nós temos, sim, muitos dados  positivos da Amazônia. Temos atividades de preservação, temos preservação, temos institutos, o próprio governo com ações conservacionistas imensas. Volto a dizer, a nossa legislação do Código Florestal é uma das mais rígidas do mundo. Não estou minimizando a situação da Amazônia, ela é uma situação e de fato ela passou uma impressão ruim nesse período. A gente teve o problema das queimadas, das desinformações. Por isso que eu digo sempre, que o segredo é isso que a ministra Tereza Cristina fez e o que o nosso vice-presidente está fazendo agora. É informando. Agora, a imagem teve perdas? Teve. Mas nós estamos fazendo isso, nosso setor, nós estamos mostrando os lados positivos. Aquele filme do Ministério da Agricultura [lançado em julho] mostra um agronegócio sustentável que é a realidade do agronegócio. E quando você verifica o que está acontecendo, você tem uma coisa dicotômica. Eu até falo mal do Brasil, mas eu compro o milho do Brasil e a soja do Brasil pra fazer meus frangos lá na França. Então, esse é um ponto que a gente tem que analisar com muita parcimônia, sabe? Quando eu vejo isso, não digo que isso está sendo objeto de politização, mas é inevitável ver nisso um pouco de politização.

GR: Ainda em relação à imagem do Brasil no exterior, além das cobranças da Europa, a indústria exportadora de alimentos também tem enfrentado aumento das cobranças da China em relação à sanidade dos alimentos após a pandemia de Covid-19. O país chegou a anunciar regras internas exigindo a testagem da carne in natura antes do processamento, medida que foi descartada pela indústria no Brasil e cujos custos, segundo analistas, seriam altos. Como estão as negociações com o país?
Santin: Nós temos que, primeiro de tudo, dizer que a parceria entre Brasil e China tem sido, nos nossos setores, cada vez melhor. Nós não temos nenhuma coisa que diga que vemos um cenário ruim adiante, muito pelo contrário. Tivemos uma reunião com o embaixador da China justamente no sentido de fortalecer as parcerias, demonstrar que a gente tem espaço pra crescer. Tem parcerias de ganha-ganha tanto para China quanto para o Brasil e consolidando ainda mais essa que é uma realidade que e a gente tem a China como maior importador dos nossos produtos de aves e de suínos.

A pandemia trouxe uma disrupção. Temos duas disrupções nessas relações. A primeira com a pandemia animal de Peste Suína Africana, que gerou uma demanda absurda de toda a Ásia, fez uma disrupção no comércio global, colocando todo mundo virado pra Ásia, que estava pagando mais que todos outros mercados. E, agora, a pandemia da Covid-19, que também gerou uma disrupção nos processos e a vida de todo mundo mudou, inclusive lá. E quando você tem um processo como essa pandemia, você pode ter algumas coisas que fogem da normalidade. Mas, quando abstraímos esse processo de pandemia, a gente vê que a relação da China era forte. A China também está baseada em ciência, em uma relação brasileira com base em ciência e numa sólida parceria. E quando você tem isso, pode andar de qualquer jeito porque aquelas coisas sem base científica não vão impor custos porque não sobrevivem. A China não vai pedir pra gente pra testar ou, como aconteceu no passado, quando um país pediu pra que a gente tivesse alarme contra a neve em nossas plantas porque no país deles nevava. É isso que a gente tem que mostrar. A China nunca pediu nada que fosse absurdo ao Brasil, e sim dentro daquelas regras normais do Codex Alimentaris e de uma relação boa. Lógico que a China, como um grande comprador, vai fazer suas exigências. Mas se ela estiver fazendo exigências que sejam impossíveis de atender ou que sejam caras demais, naturalmente ela vai ter que achar outro fornecedor.

GR: Nessa reunião com o embaixador da China, ele mencionou controle desde a origem. A indústria tem condições de garantir isso?
Santin: Ele pediu uma compreensão de reforço nos controles – e é uma coisa que a gente já faz dentro da portaria interministerial número 19 – e falou dessa possibilidade de aumento das nossas parcerias, de como nós podemos estudar se colocando à disposição para ajudar a gente a ter nossos escritórios lá na China, para ajudar a gente a fortalecer essa relação entre as entidades contra parte daqui e da China também. Então a reunião foi muito positiva nesse sentido. A gente conversou e o embaixador se colocou à disposição para ajudar a representante do Ministério da Agricultura que estava lá. Foi uma reunião muito cordial e muito positiva na visão do nosso setor.

GR: Como o setor tem feito para informar os importadores chineses das medidas de prevenção adotadas no Brasil?
Santin: Nós fizemos um filme totalmente em mandarim, legendado e com locução em mandarim para ajudar, mostrando as práticas que estamos fazendo no dia-a-dia das fábricas, que nós temos, inclusive, casos de frigoríficos que não tiveram nenhum caso de covid até hoje. Ou seja, a gente colocou a Portaria Interministerial nº 19, fez um protocolo reforçado do Albert Einstein com mais de 250 páginas para mitigação de riscos dentro das plantas, está fumegando contêineres, fazendo práticas que ajudam a minimizar os riscos. Além disso, tanto a China quanto o Brasil são signatários da OMC [Organização Mundial do Comércio] e sabem que a própria OMS [Organização Mundial de Saúde] diz que a carne não transmite covid. Então, esse é o ponto. A gente está baseando em situações de controle das embalagens porque o produto não carrega o vírus. Exatamente por isso a gente mostrou pra China, através de filme, tradução de documentos e, acima de tudo, com conversas com os próprios importadores. Mostrando aquilo que as empresas fazem no dia a dia para prevenir e que fazem não só para China, mas também para a Europa, Japão e, acima de tudo, pro brasileiro, para cuidar dos nossos colaboradores dentro da fábrica e garantir que a comida chegue bem na mesa de todos.

A China também está baseada em ciência, em uma relação brasileira com base em ciência e também em uma sólida parceria. E quando você tem isso, pode andar de qualquer jeito porque as coisas sem base científica não vão impor custos porque não sobrevivem."

 

GR: Nas exportações para a China, o Brasil tem se tornado cada vez mais dependente do país, sobretudo no mercado de suínos. A indústria corre o risco de enfrentar problemas como os que ocorreram após o fechamento do mercado russo em 2017? O que o setor aprendeu com aquele episódio?
Santin: Na Rússia, a gente tinha que vender e, na China, a China quer comprar. Não só a China, mas a Ásia toda. A gente, além disso, aprendeu e está mantendo os demais mercados. Se você olhar, apesar do grande crescimento da China em carne suína, os outros mercados também cresceram. Claro que numa proporção bem inferior. Cresceu Cingapura, Vietnã, Coreia do Sul, o próprio Uruguai, Angola. A gente está mantendo esses mercados e a gente trabalha, inclusive, para abertura de mais mercados independentes.

Agora, a tal da sinodependência não é brasileira. É mundial. Cinquenta por cento das exportações de carne suína do Canadá vão para China, da Europa 46%, se não me engano, dos EUA  36%, e assim por diante. Todo mundo está vendendo para China e países da Ásia porque foi lá que ocorreu essa disrupção no fornecimento de proteínas devido à peste suína africana. Foi lá que aconteceu o desastre. Agora, o que que se fez ? Não se fechou os demais mercados. Essa talvez tenha sido a lição. Tanto na pandemia da covid quanto da peste suína africana, não existe um botão que liga ou desliga e vai acabar num clique. Elas são um processo temporal. Se a gente começar a ter a inserção de uma vacina para a peste suína africana, com a descoberta que a China disse que está prestes a anunciar, isso vai ser muito bom para o mundo inteiro e vai acelerar um pouco o processo de retomada da China, mas o Brasil tem alternativas. O Brasil vai manter alternativas.  Mesmo que você tenha uma solução como a vacina para a peste suína africana na Ásia, a retomada leva no mínimo um ano e meio, dois anos. E para isso, portanto, o Brasil está pronto inclusive para fazer sua adequações se forem necessárias.

GR: Ou seja, a maior demanda chinesa não deve durar pra sempre…
Santin: A gente trabalha com um cenário para até 2025. Hoje tanto o USDA quanto o Rabobank afirmam que a  China poderia retornar a produzir os 54 milhões de toneladas que produzia em 2018 a partir de 2025. Mas isso leva em consideração um cenário constante, sem, por exemplo, o episódio de inundações que houve numa província e que acabou disseminando novos episódios de peste suína africana. Mas tudo mais constante, a China pode conseguir voltar a produzir como antes em 2025. Mas quando chegar em 2025, ela já vai precisar de mais que 54 milhões de toneladas, talvez 56 milhões de toneladas, porque a China vai continuar crescendo economicamente, no processo de urbanização, num processo de agregação de renda da sua população e, quando agrega renda, as pessoas comem mais proteína. São muitos os cenários, mas nós trabalhamos com um cenário, digamos assim, mais de curto prazo, que é: se tiver vacina, são dois anos. Se não tiver, são cinco.

GR: Nesses últimos meses, a China também tem estreitado laços com países vizinhos ao Brasil e competidores na produção de alimentos, como a Argentina. Como você enxerga essa aproximação?
Santin: É um movimento natural e que a China tem todo o direito de fazer. Nós estamos aqui dizendo o seguinte: somos parceiros, estamos prontos pra vender se você quiser comprar. E nós temos produtos bons e de qualidade. Aí vamos dizer assim, será que o fato deles produzirem na Argentina vai tirar o espaço do Brasil? As variáveis são tão grandes que a gente pode chegar em 2025 e a China decidir que não quer mais produzir 54 milhões de toneladas, que quer produzir só 50 e importar o restante. Aí vai ter espaço pra todo mundo como tem hoje.
Source: Rural

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