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Rubens Ricupero (Foto: Marlene Bergamo/ Folhapress)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

*Publicado originalmente na edição 418 de Globo Rural (agosto/2020)

O Brasil está indo na contramão da economia mundial. É o que pensa Rubens Ricupero, jurista, historiador, diplomata e ex-ministro do Meio Ambiente. Ricupero foi um dos 17 ex-ministros da Fazenda e presidentes do Banco Central signatários de uma carta aberta pedindo compromisso do Brasil com uma agenda por uma economia de baixo carbono.

Esse não foi o único manifesto coletivo registrado. Presidentes de mais de 40 empresas e entidades brasileiras, incluindo as de representação do agronegócio, também cobraram do governo um compromisso de desenvolvimento sustentável, o fim do desmatamento ilegal e de ações como a grilagem e as queimadas.

Em entrevista à Globo Rural, Ricupero destaca os prejuízos à imagem do país. “Todo mundo sabe o que acontece quando você trafega na contramão. Cedo ou tarde vai pegar um caminhão pela frente, vai ter um choque grande. E acho que isso já está começando a acontecer”, diz.

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Na opinião dele, embora o governo esteja somando esforços para combater as críticas internacionais à política ambiental do Brasil, a perda de credibilidade provocada pelas declarações polêmicas de membros do governo e pelo desmatamento recorde ofusca as conquistas já obtidas pelo país nesta área.

Ricupero defende uma mudança radical no Ministério do Meio Ambiente, inclusive a demissão do atual ministro, Ricardo Salles. A seguir, veja os principais trechos da entrevista

Globo Rural: Como o senhor vê as políticas ambientais adotadas pelo Brasil de dois anos para cá?
Rubens Ricupero: As políticas do governo Bolsonaro vão na contramão da tendência majoritária e crescente do mundo todo. Tanto da Europa como provavelmente dos EUA, com a perspectiva da vitória de um candidato democrata nas eleições deste ano. A tendência em toda parte é não voltar ao tipo de economia que se tinha antes da pandemia. E a preocupação é já começar a criar instrumentos, inclusive incentivos, tanto positivos, com a adoção de energia limpa e renovável e outros tipos de sistema de produção, como desestímulos, a partir da eliminação de subsídios aos combustíveis fósseis.

[Ricardo Salles, atual ministro do Meio Ambiente] É alguém que entrou no ministério com a missão clara de desmantelar tudo

 

GR:  É uma mudança de rumo em todo o mundo?
Ricupero: Não é mais só uma boa intenção, porque, no caso da União Europeia, já é uma decisão política tomada. A União Europeia decidiu que eles vão trabalhar para chegar a 2050 com uma economia de carbono zero e os países individualmente já estão adotando políticas neste sentido, o que inclusive vai requerer somas gigantescas de dinheiro. Eles consideram que essa transição toda vai requerer mais de 1 bilhão de euros, e já estão na fase de detalhar os planos, e vão ter de enfrentar problemas complicados. Os europeus se dão conta de que, se eles passarem a aplicar políticas rigorosas de descarbonização e outros países não fizerem isso, eles vão sofrer uma concorrência desleal daqueles que escolherem manter padrões menos rigorosos.

GR: Quais outras consequências isso poderia trazer para o Brasil?
Ricupero: Todo mundo sabe o que acontece quando você trafega na contramão. Cedo ou tarde você vai pegar um caminhão pela frente, vai ter um choque grande. E acho que isso já está começando a acontecer. Os produtores de maçã de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul já estão recebendo, segundo declarações das associações de produtores, indagações dos importadores europeus sobre a destruição na Amazônia. Embora uma coisa não tenha nada a ver com a outra, para o consumidor comum da Europa, que não tem conhecimento da geografia brasileira, esse é um problema real. Então eles estão já exigindo que os produtores de maçã tenham certificação de que não possuem ligação com a destruição da Amazônia.

Quem tomou a iniciativa de criar o problema foi o atual governo. Não adianta agora querer colocar a culpa nos outros. Eles que criaram esse pesadelo e, se isso continuar assim, estão colocando em perigo o sucesso do agronegócio brasileiro

 

GR: O governo tenta desvincular a produção da questão da Amazônia. Como o senhor avalia essa postura?
Ricupero: Essa resposta é ineficaz. Em primeiro lugar, porque ela não tem credibilidade. No início, a atitude do governo brasileiro foi de negação, simplesmente dizer que o fenômeno não estava acontecendo. No ano passado, o presidente Bolsonaro demitiu o presidente do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) por causa da publicação dos dados sobre desmatamento e, agora, afastaram uma coordenadora. É preciso lembrar que, antes de tomar posse, Bolsonaro queria suprimir o Ministério do Meio Ambiente e depois evoluiu para transferir as atribuições ao Ministério da Agricultura. Acabou não fazendo nem uma coisa nem outra. Depois de se conformar em mantê-lo, nomeou um ministro inadequado, alguém que havia sido afastado e processado por improbidade justamente por causa de uma questão de licenciamento ambiental. É alguém que entrou no ministério com a missão clara de desmantelar tudo.

GR: E em relação ao que tem sido efetivamente feito, como a moratória das queimadas?
Ricupero: Essa campanha pode ter algum resultado, porque, no ano passado, quando foi decretada, ajudou na área onde foi aplicada. Mas se restringiu à Amazônia, não se estendeu ao Cerrado, nem ao Pantanal, onde as queimadas continuaram e aumentaram muito. Este ano, até o mês de janeiro e final de junho, o desmatamento já subiu muito em relação ao ano passado, quando já havia dado um salto, crescendo mais de 30%. Este ano, já no primeiro semestre, superamos essa marca. Outra medida, de mandar os militares para essas áreas, não é uma ideia eficaz. Porque os militares não estão treinados e qualificados para combater esse gênero de crime. Isso exige uma alta qualificação, e o pessoal do Ibama tem mais de 30 anos de experiência. O que os militares tinham de fazer era simplesmente garantir a segurança dos fiscais, porque eles são muito ameaçados. Por isso que eu digo que o argumento do agro legal não convence. Não convence porque o problema são os criminosos. E não é que o governo não possa fazer nada, porque os caminhos e os remédios estão aí: é multar, impedir que o sujeito tenha acesso a crédito e destruir os equipamentos usados na destruição. Por que isso não se aplica? A resposta é porque esse pessoal apoiou eleitoralmente e faz parte da base de apoio do governo Bolsonaro.

As políticas do governo Bolsonaro vão na contramão da tendência majoritária e crescente do mundo todo. A tendência em toda parte é não voltar ao tipo de economia que se tinha antes da pandemia

 

GR: Há algo de positivo que o Brasil consiga mostrar ainda?
Ricupero: Eu confesso que não vejo muito o que se possa mostrar. A orientação do atual governo em matéria de povos indígenas, por exemplo, é horrenda e já está provocando uma reação muito forte lá fora. A principal adversária do Brasil no congresso americano é uma deputada indígena, do Novo México, chamada Deb Haaland. Ela propôs uma emenda para anular o status do Brasil de um dos aliados principais dos EUA fora da Otan. A ação dela contra o Brasil é, em grande parte, determinada por causa da política brasileira indigenista. Então, uma coisa leva a outra: uma política que afeta os indígenas vai acabar desencadeando, lá longe no congresso americano, uma campanha contra o Brasil num assunto que não tem nada a ver com a questão indígena. O Brasil tem hoje uma posição horrenda sobre a questão de direitos humanos. A única coisa que se pode dizer é que demos um auxílio emergencial, mas isso todo mundo deu no mundo todo. E, em matéria ambiental, não adianta muito dizer que tem um grupo fazendo tudo direitinho se ainda tem o 1% que está destruindo a Amazônia.

GR: É um dano de imagem que não tem reversão no curto prazo?
Ricupero: Tem como reverter, mas tem de mudar efetivamente. E, se quisesse mudar, por que é que não muda o ministro? E não é mudar colocando um general, como fizeram na Saúde. Teria de colocar alguém que tivesse credenciais para aplicar a legislação ambiental. Teria de mudar o ministro, dar recursos a ele, voltar a ter o Fundo da Amazônia, sem interferências políticas. O governo brasileiro agora está implorando à Noruega e à Alemanha para voltarem a dar dinheiro (para combater o desmatamento na Amazônia), mas quem é que suspendeu os repasses? Não foram eles, fomos nós. Foi o Salles que quis mudar unilateralmente o comitê que aprovava os projetos do BNDES quando todo mundo estava de acordo com o comitê. Ninguém tinha crítica nenhuma, e ele inventou que tinha muitas ONGs e precisava acabar com isso. Então, como você vê, todas essas questões continuam, pois quem tomou a iniciativa de criar o problema foi o atual governo. Não adianta agora querer colocar a culpa nos outros. Eles que criaram esse pesadelo e, se isso continuar assim, estão colocando em perigo o sucesso do agronegócio brasileiro.
Source: Rural

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