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(Foto: Marcelo Min/Ed. Globo)

 

Longe de familiares, amigos e com baixa compreensão da língua portuguesa, imigrantes que atuam em frigoríficos do Sul do país têm apresentado maior vulnerabilidade à Covid-19, com índices de contaminação superiores à média registrada entre brasileiros. É o que indica uma ação de testagem em massa feito com trabalhadores de uma unidade industrial de grande porte, em Chapecó, no Estado de Santa Catarina.

O trabalho, feito em meados de junho, revelou que 1.219 dos 4.900 funcionários estavam com o novo coronavírus. Dos contaminados, 38,1% eram imigrantes de diferentes nacionalidades. Os haitianos são o grupo mais numeroso. Foram 818 trabalhadores testados, dos quais 42,79% apresentaram resultado positivo ante um percentual de 20,26% entre os 3.721 brasileiros testados.

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Entre venezuelanos, foram 275 testagens, com um índice de contaminação de 30,9%. O levantamento também apontou 39,6% de infectados entre os 48 trabalhadores senegaleses testados e 53,4% entre os 15 bangladeshianos atuando na unidade avaliada pelo Ministério Público do Trabalho.

“Há uma vulnerabilidade geral dos trabalhadores em função do trabalho em frigoríficos, que é um espaço de risco, e isso se soma às vulnerabilidades específicas dos imigrantes”, relata o procurador do trabalho em Santa Catarina, Sandro Sardá.

Segundo ele, as empresas catarinenses têm dado informações sobre a Covid-19 na língua dos imigrantes, o que ajuda na prevenção da doença entre esses grupos, mas a medida ainda é insuficiente. “Há que se ter um olhar mais atento, principalmente a partir desses dados. Ainda falta uma política específica de saúde aos imigrantes. Se houvesse acompanhamento, seria possível melhorar bastante a situação”, avalia o procurador.

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Condição degradante

 

“A própria condição do imigrante já apresenta uma vulnerabilidade intrínseca porque ele não possui núcleo familiar e muitas vezes acaba aceitando alguns trabalhos mais penosos dentro da indústria, justamente o trabalho mais duro e que precisa de mão de obra mais barata”, explica Adriano Pistorelo, advogado que atua na regularização de imigrantes no RS.

Segundo ele, muitos dos que chegam aos Estados do Sul do país foram encaminhados pela própria Operação Acolhida, do governo federal, e são empregados de forma terceirizada no abate halal, o que aumenta a vulnerabilidade desses trabalhadores.

“O que temos visto como padrão, tanto para migrantes quanto para imigrantes, é que eles não têm boas condições de vida, vivendo aglomerados em casas de um cômodo só”, explica Edna Maria Niero, médica do ambulatório de saúde do trabalhador do hospital universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Ela tem acompanhado de forma remota a situação dos imigrantes testados positivo para Covid-19 em Chapecó (SC) e relata que, em muitos casos, a doença se apresenta de forma assintomática entre esses trabalhadores. Além disso, mesmo após afastados, muitos não conseguem fazer o isolamento devido às condições socioeconômicas em que vivem.

“Esses trabalhadores que testaram positivo não têm recebido nenhum tipo de apoio ou suporte da Secretaria Municipal de Saúde, que deveria acompanhar esse trabalhador e seus contatos próximos. Isso me chamou atenção”, completa Edna.

Estigma e discriminação

 

Diante dos maiores índices de contaminação entre imigrantes, tanto o Ministério Público do Trabalho quanto entidades de defesa dos direitos do imigrante temem que esses trabalhadores sejam estigmatizados pela população local.

“É preciso ter muito cuidado com esse estigma e como isso é colocado para sociedade. Principalmente porque a gente percebe que, nesse momento de pandemia, quando o brasileiro perde o emprego, é quando há mais choque com o imigrante”, ressalta Adriano Pistorelo, ao revelar preocupação com a empregabilidade desses trabalhadores.

Eles já sofrem diretamente discriminações e é preciso ter esse cuidado para que eles não sejam ainda marginalizados e deixem de ser contratados

Adriano Pistorelo, advogado que atua na regularização de imigrantes no RS

 

Na avaliação do procurador do trabalho Sandro Sardá, o ideal seria que o próprio Estado adotasse políticas públicas de saúde para grupos específicos, para evitar a estigmatização ou mesmo medidas discriminatórias dentro das empresas.

“É um desafio, mas é possível. Acho que quem conseguiria fazer isso com muito mais facilidade e com uma contribuição relevante seria o próprio sistema público de saúde, com  acompanhamento estratégico dessas populações de forma efetiva e com menos riscos de efeitos discriminatórios”, conclui Sardá.
Source: Rural

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