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(Foto: Divulgação)

 

No berço da biotecnologia agrícola mundial, uma decisão judicial abalou a indústria química e trouxe incertezas em relação ao uso de pesticidas para controle de plantas invasoras nas lavouras americanas.

O cancelamento do registro de três produtos com o princípio ativo dicamba, herbicida substituto ao glifosato e usado na terceira geração de soja transgênica, envolve pelo menos 60% da área cultivada com o grão nos Estados Unidos.

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A ação inédita, tomada durante uma safra em andamento, também pode abrir caminho para medidas semelhantes envolvendo outros herbicidas. A proibição envolve XtendiMax, da Bayer; Engenia, da Basf, e FeXapan, da Corteva Agroscience.

A Justiça acatou pedido feito por grupos ambientalistas sob a alegação de que a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês), órgão federal responsável pela concessão de registros, subestimou significativamente os riscos relacionados ao uso do dicamba no país.

Muitos dos argumentos apresentados pelos autores da ação foram os mesmos que os cientistas acadêmicos de ervas daninhas se preocuparam nos últimos anos

Aaron Hager, professor da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign

Hager refere-se à volatilidade do produto e às queixas frequentes relacionadas à deriva – quando o produto aplicado cai fora do alvo. Somente o Departamento de Agricultura de Illinois, Estado com a maior produção de soja do país, recebeu 725 denúncias na safra de 2019. No ano anterior foram 330 e, em 2017, outras 246 queixas.

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Reação imediata

A decisão judicial do começo do mês provocou reação imediata de entidades do setor produtivo, apoiadas pelo secretário de Agricultura dos EUA, Sonny Perdue, que encorajou a EPA a permitir o uso dos produtos comprados até 3 de junho.

Foi exatamente o que o órgão federal anunciou em 8 de junho, quando 86% da safra total de soja já havia sido semeada no país. A EPA seguiu a determinação de cancelamento dos registros, mas permitiu a aplicação dos estoques até 31 de julho.

Os produtores de todo o país investiram em sementes resistentes à dicamba com base na aprovação prévia da EPA. Milhões de acres já foram plantadas e não há como voltar atrás

Zippy Duvall, presidente da American Farm Bureau Federation

 

(Foto: Divulgação/SLC Agrícola)

 

Impasse prossegue

Para os autores da ação, a permissão do uso dos estoques é um desrespeito à Justiça, a quem eles recorreram em 11 de junho pedindo a invalidação da ordem emitida pela EPA. Na última sexta-feira (19/6), a Justiça negou o pedido e manteve a possibilidade de uso dos produtos comprados antes do dia 3 de junho.

“O governo Trump está mostrando que não respeita o Estado de Direito. Todos os usuários que continuam a usar o produto devem ser informados que trata-se de algo nocivo, com falhas e ilegal”, afirmou, em comunicado, George Kimbrell, diretor jurídico do Centro de Segurança Alimentar, um dos autores da ação.

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As queixas em torno do uso do dicamba foram aumentando nos últimos quatro anos à medida em que cresceu a área cultivada com a terceira geração de soja transgência, a Intacta 2 Xtend, desenvolvida pela antiga Monsanto, hoje Bayer. Dos 34 milhões de hectares da oleaginosa que deverão ser plantados neste ano nos EUA, estima-se que mais de 20 milhões de hectares serão com a semente resistente ao herbicida polêmico.

“Essa mudança (uso do dicamba) precisava ocorrer, mas no meio de uma estação de crescimento é muito perturbadora para agricultores e indústria de sementes”, avalia David Mies, consultor de melhoramento vegetal.

Prejuízos no campo

As reclamações recorrentes envolvem principalmente cultivos prejudicados pela deriva, como frutas e hortaliças, que ao terem contato com o químico hormonal têm seu desenvolvimento interrompido.

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No início do ano, um júri federal determinou que a Bayer e a BASF pagassem US$ 265 milhões a um pomar de pêssegos no Estado de Missouri em razão dos danos causados pela aplicação de dicamba em lavouras de grãos. Há milhares de ações tramitando na Justiça solicitando o ressarcimento de perdas causadas em culturas não resistentes ao produto.

A situação vem provocando conflitos no meio rural, gerando inimizades entre vizinhos, inclusive entre produtores de soja. Como somente as sementes Intacta 2 Xtend são resistentes ao dicamba, quando o produto atinge áreas plantadas com gerações anteriores (resistentes apenas a glifosato), o resultado é a mortandade das plantas.

Novas proibições

 

Produtor de grãos no condado de Knox, no Estado de Ilinois, Grant Strom plantou 890 hectares de soja com semente Xtend, resistente a dicamba – pouco mais de 80% da área total de 1.070 hectares.

A escolha da variedade, segundo o agricultor, se dá pela eficiência do controle da planta invasora amaranto (Amaranthus tuberculatus), que nos últimos anos criou resistência ao glifosato. Antes da decisão judicial, o agricultor já havia pulverizado 40% da lavoura e comprado volume suficiente para toda a safra.

Grant Strom, produtor de grãos em Illinois (EUA) (Foto: Joana Colussi)

 

 

O problema será para o próximo ano. O que me preocupa também é o futuro de outros produtos para proteção de culturas que são alvos de outras ações judiciais

Grant Strom, produtor de grãos nos EUA

Ele refere-se a processo que também tramita no 9º Tribunal de Apelações dos EUA, ingressado pelo mesmo grupo formado por Coalizão Nacional de Agricultura Familiar, Centro de Segurança Alimentar, Centro de Diversidade Biológica e Rede de Ação contra Pesticidas da América do Norte.

Agora o alvo é o Enlist Duo, herbicida com os princípios ativos glifosato e 2,4-D, fabricado pela Corteva. A ação alega que a EPA não conseguiu provar que a volatilidade do produto não tem efeitos no ambiente.

O uso do herbicida 2,4D é controverso no Brasil também. No ano passado, a aplicação do produto chegou a ser suspensa pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul pelo grande número de reclamações de deriva em cultivos como uvas, oliveiras e maçãs.

O que dizem as indústrias químicas

 

Bayer

A fabricante alemã que herdou esse e outros passivos judicais após a compra da Monsanto, informou que buscará um novo registro de seu herbicida XtendiMax para a safra 2021, já que o cancelado pela EPA tinha validade até dezembro deste ano.

Segundo a empresa, a terceira geração de produto à base de dicamba possui uma formulação com redutor de volatilidade, oferecendo mais segurança nas aplicações. Essa é a mesma formulação que no próximo ano será vendida no Brasil, onde a semente Intacta 2 Xtend ainda não é cultivada comercialmente.

Basf

A Basf, fabricante do herbicida Engenia, afirmou em nota que a decisão judicial “é inédita e tem o potencial de prejudicar milhares de agricultores norte-americanos”. A multinacional informou que “usará todos os recursos legais disponíveis para contestá-la” e que o dicamba “é um produto seguro quando usado corretamente, seguindo todas as recomendações descritas em seu rótulo e bula".

Corteva

A Corteva informou, por meio de comunicado, que está revendo a decisão do tribunal. Fabricante do produto FeXapan, a fabricante americana afirmou que “o dicamba é uma ferramenta eficaz para os produtores rurais no controle das plantas daninhas e que pode ser usada com segurança quando aplicada de acordo com as instruções descritas na bula”.
Source: Rural

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