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Plantação de uvas em área próxima a canavial, em Ribeirão Preto (SP) (Foto: Eliane Silva/Globo Rural)

 

Por que não produzir vinho fino na capital do chope? Esse foi o desafio assumido por dois empresários do setor imobiliário e um engenheiro-agrônomo de Ribeirão Preto, cidade paulista importante na produção de cana-de-açúcar, também conhecida pela qualidade de seu chope e por seu calor intenso.

“Com o desenvolvimento da técnica de dupla poda, podemos produzir uvas para um ótimo vinho fino em Ribeirão”, aposta José Renato Magdalena, dono de uma grande construtora. No sistema de dupla poda, as videiras são podadas em setembro e em janeiro e as uvas são colhidas no inverno, entre junho e julho. Exatamente o contrário do sul do país, onde a colheita ocorre no verão.

Apaixonado por vinhos, Magdalena é produtor de cana na fazenda Terras Altas, no distrito de Bonfim Paulista, a 20 km do centro de Ribeirão. Foi em meio aos 400 hectares de cana que ele iniciou a produção das uvas há três anos junto com o sócio Fernando Horta e o agrônomo Ricardo Baldo.

Inicialmente, foram plantados quatro hectares da variedade syrah, com clones importados do Vale do Rhône, na França, e desenvolvidos no viveiro Vitacea Brasil, em Caldas (MG), do engenheiro-agrônomo Murillo de Albuquerque Regina, ex-pesquisador da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas) e introdutor da técnica da dupla poda no país.

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Baldo diz que a altitude de 850 metros (300 m acima do centro de Ribeirão) e a amplitude térmica na fazenda, que atinge 20 graus no inverno, favorecem o cultivo das uvas viníferas. “De dia, temos o calorão de Ribeirão. À noite, aqui esfria bastante e não chove no inverno. São condições ideais para uma melhor maturação da uva, que atinge um nível Brix [proporção de açúcar] mais encorpado, com teor alcoólico um pouco maior.”

Murillo Regina concorda que Ribeirão Preto, apesar de ter temperaturas mais elevadas, está dentro da faixa com condições ideais para produção dos vinhos de inverno, com boa amplitude térmica e sem chuvas de maio a agosto.

As mudas foram plantadas com espaçamento de 2,5 metros entre as linhas e 1 metro entre as plantas. Todos os talhões têm sistema automático de irrigação por gotejamento. O investimento por hectare, que incluiu uma boa preparação do solo que produzia cana, foi de R$ 125 mil, segundo Baldo.

A primeira colheita foi feita no ano passado, com produtividade limitada a 3.500 kg por hectare para garantir a qualidade da uva. “Essa antecipação da safra em um ano foi a nossa primeira surpresa”, diz Ricardo. A segunda foi a qualidade do vinho, desenvolvido pelo enólogo Christian Sepúlveda, que ganhou o nome de Entre Rios (uma das denominações que Ribeirão Preto já teve). Foram produzidas 2.000 garrafas na incubadora da Epamig.

“Nosso primeiro vinho ficou muito bom e já surpreendeu muita gente”, conta Magdalena.

Vinícola

Mais seis hectares da fazenda Terras Altas estão sendo preparados para receber neste ano duas novas variedades de uvas: cabernet sauvignon e cabernet blanc. O plano é produzir apenas vinho tinto. O projeto completo, com estimativa de investimentos de R$ 5 milhões, inclui uma vinícola de 1.500 m² com capacidade de produzir 60 mil garrafas por ano.

O prédio já foi erguido na fazenda, faltando o acabamento e os equipamentos, que serão importados da Itália e França. A construção está paralisada devido à pandemia do coronavírus, mas o plano é inaugurar a vinícola em dois anos.

Lá, os visitantes poderão conhecer o processo de produção dos vinhos por gravidade (sem bombeamento), degustar a bebida no terraço envidraçado com vista para a mata nativa e para os prédios de Ribeirão, além de levar para casa produtos artesanais como queijo, azeite e mel que serão produzidos na própria fazenda.

Foram plantadas experimentalmente 500 oliveiras de quatro variedades que devem soltar os primeiros frutos em fevereiro. Também foi iniciada na fazenda a criação de vacas jersey e de cabras para a futura produção de queijos.

Baldo afirma que muitos produtores de cana da região têm visitado a propriedade em busca de informações para também investir no plantio de uvas e diversificação das atividades. “Nosso projeto é totalmente aberto com a visão de criar uma rota de enoturismo em Ribeirão no médio prazo.”

Terroir

Os sócios apostam em um terroir bem particular para o vinho de Ribeirão pelo fato de o solo da região ser basáltico. Geralmente, a produção de uvas para vinho fino ocorre em solos graníticos.

Murillo Regina diz que o solo basáltico é realmente uma novidade, mas ainda não há estudos que comprovem efeitos regionais do solo na qualidade da bebida. O ex-pesquisador é um dos especialistas que diz ter se surpreendido positivamente com o Entre Rios. “Esperava um primeiro vinho sem acidez, mas ele tem bom equilíbrio entre álcool e acidez, riqueza de cor e maciez em boca.”

PhD em vitivinicultura e enologia pela Universidade de Bordeaux, o agrônomo mineiro trabalha atualmente como produtor de vinho, consultor e viveirista. Diz que o sul de Minas foi a região pioneira, produzindo vinhos que conquistaram prêmios nacionais e internacionais de qualidade, mas hoje há cerca de 30 produtores de vinhos de inverno espalhados também por regiões de São Paulo, Goiás, Rio de Janeiro e Bahia, todos nascidos no Núcleo Tecnológico Epamig Uva e Vinho.

A maioria usa vinícolas de terceiros para produzir suas marcas. As áreas implantadas e em implantação somam 500 hectares, com uma produção estimada de 2 milhões de garrafas por ano.
Source: Rural

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