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(Foto: Divulgação)

 

A informação que circulou nas redes sociais, em meados de abril, que a mais antiga fazenda do Brasil de agricultura não-convencional, um verdadeiro expoente do movimento da agricultura orgânica, deve se transformar em um empreendimento imobiliário gerou protestos no meio acadêmico e defesas para transformá-la em patrimônio cultural.

Criada em 1974 pelo empresário Pedro Schmidt, a Estância Demétria fica no município paulista de Botucatu, 225 quilômetros da capital. A propriedade rural estimulou em sua própria terra não apenas a produção agroecológica, batizada de “biodinâmica”, mas disseminou essa cultura pelo país por meio de associações de certificação de propriedades e cursos de extensão e pós-graduação reconhecidos pelo Ministério da Educação.

Por mais de 20 anos, a própria Ana Maria Primavesi, agrônoma que deixou um dos maiores legados educacionais na área da agroecologia no Brasil, ministrou diversos cursos no local. Em Itaí, município que fica a 117 km de Botucatu, Primavesi criou em 1980 um bem-sucedido experimento de agricultura orgânica. Tanto na fazenda da agrônoma quanto na Estância Demétria, o solo era extremamente degradado e levou anos para se recuperar.

A Demétria produz laticínios, hortaliças e plantas medicinais, que chegaram a ter como destino clientes importantes como a multinacional de cosméticos e medicinais Weleda. A produção, distribuída em seus 187 hectares, convive com uma mata nativa que ocupa um terço da área e reúne animais silvestres e 200 espécies de pássaros.

“A mais antiga instituição de agricultura não convencional implantada no Brasil foi a Estância Demétria”, afirma o professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) Adilson Dias Paschoal, criador da expressão “agrotóxico”, na publicação “Pragas, agrotóxicos & a crise ambiente”, de 1979, que foi relançada em agosto de 2019.

Na opinião do professor Paschoal, a Estância Demétria deveria ser tombada como patrimônio histórico. “Uma organização de tanta importância como a Estância Demétria, e tudo que nela se implantou de infraestrutura, de produção agrícola e de ensino e pesquisa biodinâmicas não pode ser relegada a plano secundário, como mero empreendimento imobiliário”, afirma.

Memória

A história da Estância Demétria surgiu a partir das memórias do empresário Pedro Schmidt, nascido em 1927 no sul da Alemanha. Ele sempre lembrava de sua mãe cuidando da horta, que era cultivada de acordo com um sistema apresentado ao mundo em 1924, na Polônia, pelo artista, esotérico e educador Rudolf Steiner, o fundador da Antroposofia: a agricultura biodinâmica.

A família Schmdit mudou para o Brasil fugindo dos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Em São Paulo, Schmdit criou com o irmão Joaquim, na década de 1950, a fábrica de cadeiras e móveis para escritório Giroflex. Quando a fábrica estava consolidada em 1961, Pedro voltou com sua família para Europa e dedicou-se ao estudo da pedagogia Waldorf.

Em 1967, Pedro Schmidt fundou a Associação Tobias, entidade destinada a desenvolver projetos sociais. Oito anos depois decidiu transferir 47% da sua participação acionária na Giroflex, bem como a propriedade rural em Botucatu, para a Associação Beneficente Tobias (ABT). A doação da fazenda foi feita no sentido de neutralizar a posse da terra, para que continuasse produzindo.

Loteamento

Em 2007, com a morte de Pedro Schmidt, a situação financeira da companhia se complicou e a ABT, que detinha 99% das ações do Grupo Giroflex em 2011, vendeu a empresa e criou a Épico Participações. A ABT repassou para a Épico também a propriedade da Estância Demétria. A Épico, por sua vez, recentemente fechou contrato com a empresa Hermes Sociedade de Participações para transformar a fazenda, exceto em uma área de 50 hectares, em um loteamento imobiliário.

No início de março, antes da quarentena em decorrência da pandemia do novo coronavírus, dirigentes da Épico e da Hermes participaram de uma reunião na Prefeitura de Botucatu para discutir a proposta de uma nova lei de zoneamento, reafirmando o objetivo de construir o loteamento na fazenda.

Representantes da Épico e da Hermes não retornaram pedidos de entrevista. José Carlos Broto, secretário de Habitação de Botucatu, afirma desconhecer o projeto a Hermes Participações. E explica que, para haver um loteamento na Estância Demétria, um novo projeto de zoneamento precisa ser aprovado, pois se trata de uma zona rural.

Protestos

“Deveria se vender alguma coisa que foi feita para não ser vendida? O ideal é que a fazenda fosse doada para outra iniciativa”, defende Pedro Jov, coordenador-executivo da Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica (ABD), cuja associação também recebe o apoio de outras entidades, como o Instituto Mahle, da empresa alemã do ramo de autopeças que promove os preceitos antroposóficos de Rudolf Steiner.

Para o agrônomo Manoel Baltasar Baptista da Costa, professor da Universidade de Araraquara (Uniara), “com certeza” a Estância Demétria deveria ser preservada em nome de sua história relacionada à agricultura biodinâmica que, apesar de algumas diferenças metodológicas, segue na perspectiva do desenvolvimento da agricultura orgânica. É uma pena”, diz ele.

O presidente da Associação de Agricultura Orgânica (OOA), Fernando Ataliba, diz que seria preciso haver um governo que tivesse o interesse em assumir a área, mas ele não acredita nessa possibilidade. “Eu tenho maior respeito, fiz curso no Instituto Elo em agricultura biodinâmica, conheço o pessoal. É profundamente lamentável que isso aconteça.

Biodinâmico

O professor Paschoal, da Esalq, destaca a Demétria a importância para o mundo da agricultura orgânica. Ele explica que em 1982, foi criado o Centro Demeter, que se mudou dois anos depois para a Estância Demétria, quando foi batizada de Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural (IBD) vinculado à Associação Beneficente Tobias (ABT).

A atividade de certificação orgânica e biodinâmica do IBD foi iniciada em 1991. Hoje, a instituição é a maior certificadora da América Latina de produtos orgânicos e a única brasileira com aceitação em todo planeta, incluindo mercados exigentes como o bloco europeu e os Estados Unidos. Em 1995, o IBD desvinculou-se da Associação Tobias, mudando seu nome para Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica (ABD).

Em 1999, a instituição se dividiu em duas: a Associação de Certificação Instituto Biodinâmico (IBD), atualmente conhecida como IBD Certificações, encarregada exclusivamente dessa função, e a Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica (ABD), que passa a realizar pesquisas, cursos e assessoria técnica a agricultores, principalmente da agricultura familiar.
Source: Rural

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