Brasil realizou primeiros embarques aos EUA no mês passado. (Foto: JBS/Divulgação)
Com o fechamento de unidades e a redução da mão de obra devido ao aumento de casos de funcionários com coronavírus em frigoríficos dos EUA, a indústria brasileira, recém-habilitada para vender carne bovina in natura para o país, observa aumento da procura dos americanos em meio a uma abrupta queda na oferta local. Desde abril, a produção de carne bovina do país encolheu 36% entre abril e 1º de maio, de acordo com relatório semanal divulgado pelo Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).
“A gente percebe um aumento na demanda e uma procura maior dos americanos. E esse é um mercado importante que a gente realmente quer trabalhar mais e que a gente tem interesse em crescer”, afirma o diretor de relações institucionais da Minerva Foods, João Sampaio. A empresa já exporta para os EUA a partir de suas unidades no Uruguai e na Argentina e se prepara para um aumento dos pedidos para o Brasil. “Claro que esta situação acelerou o processo, mas a gente já vinha enxergando os EUA como um mercado preferencial para a gente trabalhar”, lembra Sampaio.
A estratégia da Minerva soma-se a de outros frigoríficos brasileiros que já atuam no mercado americano, como a Marfrig. Segundo declarações dadas pelo diretor-presidente da companhia, Miguel Gularte, desde março a empresa produz para os EUA, com aumento dos pedidos em meados de abril. Em nota, o Ministério da Agricultura confirmou que “há indicações de que em abril foram registradas as primeiras exportações de carne bovina in natura para o mercado norte-americano”, o que deve ser confirmado pelos dados que serão divulgados este mês.
Auto-exportação
Segundo Alcides Torres, analista de mercado da Scot Consultoria, a conquista do mercado americano deve favorecer principalmente os frigoríficos exportadores com base nos Estados Unidos, caso da Minerva e da Marfrig, mas também da JBS. “Seria um viés interessante. Por isso, as empresas, principalmente as que possuem indústria nos EUA, continuam estudando o processo e avaliando realizar essa exportação”, reconhece o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Antônio Jorge Camardelli.
Tanto Torres como Camardelli descartam que a queda na produção dos EUA vá gerar impactos significativos no setor frigorífico nacional como um todo. "Um maior volume de carne exportada vai depender do trabalho comercial que as empresas farão, porque a associação de fazendeiros norte-americana é tão bem organizada quanto a europeia e deve fazer pressão para evitar que a carne brasileira chegue até os Estados Unidos", explica Torres.
Camardelli lembra que pelo perfil do rebanho brasileiro e o padrão da carne produzida nacionalmente fazem com que a maior parte das exportações do país sejam de cortes dianteiros, usados na fabricação de alimentos processados. “O Brasil vai ser um fornecedor de matéria-prima. Não vai ser exportador de cortes gourmets. Seremos provedores de matéria-prima para a indústria”, explica o presidente da Abiec.
Limitações
O aumento expressivo das exportações brasileiras para os EUA enfrenta ainda duas limitações. A primeira é a cota de 65 mil toneladas dividida com outros países. “Essa cota não é muito grande e um dos nossos pleitos é justamente de aumentar essa cota, para fornecer carne aos EUA em condições mais vantajosas. Podemos exportar além desta cota, mas seria consideravelmente mais caro”, ressalta o diretor da Minerva. A taxa sobre o volume de carne bovina acima da cota de 65 mil toneladas estipuladas pelo governo americano é de 26% sobre o valor vendido.
O outro entrave é apontado por Torres. O analista da Scot Consultoria lembra que o governo americano já tem se movimentado para evitar um possível desabastecimento no país. Na semana passada, Donald Trump publicou um decreto presidencial determinando a retomada das operações em todas as unidades de abate do país. “Por essa razão conjuntural, a tendência é que a exportação perca força [no curto prazo]", avalia.
Novos mercados
Independentemente dos volumes enviados aos EUA, a indústria brasileira também está atenta às oportunidades abertas em outros mercados após o colapso da produção americana. “Eles possuem metade do nosso rebanho, mas com uma produção alta, de animais abatidos com muito peso. Isso faz com que, apesar de serem os maiores consumidores mundiais, eles também sejam grandes exportadores e essas exportações já vinham caindo – o que abriu espaço para outros países, como Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina”, explica Sampaio, ao lembrar o forte aumento dos embarques para a China no primeiro trimestre deste ano.
No primeiro trimestre deste ano, o Brasil enviou 353,5 mil toneladas de carne bovina in natura ao mercado internacional, volume 5,1% superior ao observado em igual período do ano passado. O crescimento foi puxado principalmente para China, principal destino do produto brasileiro. Neste início de ano, o país asiático importou 142,7 mil toneladas de carne bovina in natura brasileira, praticamente o dobro quando comparado com às 74,3 mil toneladas importadas de janeiro a março de 2019.
De acordo com o analista da Scot Consultoria, a exportação para os EUA também contribui para a reputação do Brasil no mercado internacional, facilitando a entrada em novos mercados, como Japão, Coreia do Sul e Taiwan. “A abertura do mercado norte-americano diz para o mundo que a carne brasileira é de boa qualidade. Com isso, temos a possibilidade de atender países exigentes, mas que não contam com um sistema de sanidade pronto. Esses países vão na ‘cola’ dos Estados Unidos”, explica Torres.
Source: Rural