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Bloqueio nas estradas preocupa Francisco Donizete de Godoi, produtor de orgânicos em Córrego do Bom Jesus (MG) (Foto: Emiliano Capozoli)

 

Benedito Rosa, 45 anos, vive da fabricação de queijo nozinho em Cambuí, município no sul de Minas Gerais. Até março, tirava 300 litros de leite, produzia em torno de 35 quilos de queijo e tinha uma renda bruta girando em torno de R$ 700 por dia. Mas tudo mudou com o avanço da pandemia de coronavírus.

“Meu comprador de São Paulo parou de vir buscar, com medo. Não tenho mais para quem vender. Essa semana joguei fora 750 litros de leite”, afirma. Ele ainda tentou doar para o hospital e o asilo da cidade, mas o temor sobre uma possível contaminação os fez rejeitarem a oferta. “Me deu um dó de jogar fora. Se continuar desse jeito, vou quebrar”, lamenta.

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A alternativa para Benedito foi vender para uma cooperativa de Santa Rita do Sacupaí, cidade a pouco mais de 60 quilômetros de distância. “Mas eles estão pagando menos de R$ 0,70 o litro do leite. Isso não paga nem a ração”, conta. Normalmente, o leite é vendido na região por R$ 1,35 o litro.

Benedito é só um entre vários produtores preocupados com a falta de renda. Segundo João Rosa, presidente do Sindicato Rural de Cambuí, as nove grandes empresas que trabalham com leite na cidade fecharam as portas. “São em torno de 200 famílias de produtores em Cambuí e região que não têm o que fazer com a produção. Não sabemos o que vai acontecer”, diz.

Pandemia mudou a rotina para produtores em Gonçalves (MG) (Foto: Prefeitura de Gonçalves/Divulgação)

 

Sensação de abandono

A falta de informação e o descaso por parte do governo federal são as queixas mais comuns entre os produtores. A 30 quilômetros de Cambuí, na pequena e turística cidade de Gonçalves, há descrença. “Não acredito que a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, vá olhar para os pequenos agricultores”, desabafa Maristella Caneppele, sócia e gerente da feira Orgânicos da Mantiqueira de Gonçalves.

O Ministério da Agricultura diz ter garantido a “manutenção da compra da produção da agricultura familiar destinada à merenda escolar, mesmo durante a suspensão das aulas”. Mas o fato é que nem todos os produtos da região fornecem para escolas da rede pública. É o caso de Benedito. “Nós nunca fomos lembrados”, afirma.

Estradas fechadas

(Foto: Prefeitura de Gonçalves/Divulgação)

 

Outra incerteza no sul de Minas é o fechamento de acessos em mais de 65 cidades. Em muitos municípios, barreiras físicas, como manilhas e montes de terra, foram instaladas por prefeituras e até mesmo moradores. Nas rádios locais e redes sociais, a justificativa é que são medidas necessárias para conter a propagação do coronavírus.

“Todos os acessos à cidade de Gonçalves estão fechados há duas semanas”, conta o sargento Neves, da Polícia Militar da cidade. Ele ressalva, no entanto, que os produtores com suas cargas não estão sendo impedidos de passar. “Somente quem não é da região e não está identificado acaba tendo que voltar”, diz.

(Foto: Prefeitura de Gonçalves/Divulgação)

 

Francisco Donizete de Godoi, produtor de orgânicos na cidade do Córrego do Bom Jesus, também no sul de Minas, enfrentou uma dessas barreiras para entregar 540 espigas de milho e 50 quilos de pimenta cambuci em Gonçalves. “Expliquei o que levava e me liberaram”, afirma.

Mas "Seu" Chico, que também planta alho, abacate, cebola e pimentão, admite que a tensão preocupa. “Desta vez tive sorte, porque nem todo mundo conseguia passar. Vamos ver o que acontece na próxima entrega”, afirma.

Mobilidade restrita

Além da prefeitura, grupos de moradores também, por iniciativa própria, estão fechando acessos. “São ordens individuais, e ninguém mais passa”, reclama Maristela, sócia da Orgânicos da Mantiqueira, com sede em Gonçalves, que distribui semanalmente em torno de 30 toneladas de hortifrútis para 28 cidades da região.

(Foto: Prefeitura de Gonçalves/Divulgação)

 

A empresa, que movimenta mais de R$ 100 mil por semana, tem parceria com quase 40 produtores rurais pequenos e médios. “Se fecharem as estradas, a gente quebra. Ainda estamos terminando de pagar o prejuízo da greve dos caminhoneiros”, afirma Maristela.

Nova rotina

Elias Fabiano, o Elias Verdureiro, tem 42 anos e mora em Cambuí há 29. A crise exigiu que ele deixasse seu caminhão adaptado na garagem e passasse a fazer encomendas e entregas rápidas de carro. O motivo ´que as pessoas se juntavam em volta do caminhão, o que “era um perigo para o vírus”.

Os Beneditos, Franciscos e Marias vão continuar a plantar e colher nas suas terras, mesmo com as perdas e as estradas fechadas. O Elias vai entregar de porta em porta. As vacas do Benedito terão de ser ordenhadas de madrugada. Resta saber como o produto deste esforço chegará à mesa dos centros urbanos.
Source: Rural

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