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Michel Gasper, Olthon Britus, Fabienne Altide, Ronie Altide e Cristamene Lauradir (Foto: Sergio Ranalli)

 

*Publicado originalmente na edição 412 de Globo Rural (fevereiro/2020)

Olthon Britus, de 28 anos, é casado com Ronie Altide, de 25. Os dois têm sorrisos largos e olhos tristes. São expressões que sintetizam o contraste de emoções: a gratidão pelo acolhimento no Brasil, a esperança de ter um bom futuro e a saudade do filho, Robenthon, de apenas 5 anos, que ficou no Haiti, terra natal deles.

Lá, ele trabalhava como agricultor nas terras da família. Com a produção de cebolas, mandiocas, batatas e bananas-da-terra, conseguiu juntar o equivalente a R$ 7 mil para, em 2014, imigrar para o Brasil, na onda da promessa de prosperidade com a Copa do Mundo de futebol.

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“Todo haitiano sonha em morar no Brasil”, diz ele, que encontrou trabalho no agronegócio em Medianeira (PR), no oeste do Paraná, município de 46 mil habitantes, de acordo com estimativa para 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Colonizada na década de 1950 por migrantes gaúchos de ascendência italiana, a cidade também tem em suas origens influências de imigrantes alemães e poloneses. Agora, no século XXI, Medianeira ganhou uma colônia de imigrantes haitianos.

Quase todos os adultos vindos do Haiti estão empregados em uma das duas grandes cooperativas agroindustriais com sede no município, a Frimesa e a Lar. “Percebemos que aqueles que chegam primeiro chamam parentes e amigos e vão se acolhendo. Identificamos, em pesquisa feita em 2017, que o objetivo de vida deles é trabalhar e ajudar a família”, ressalta Silvia Biesdorf Sangaleti, assistente social da prefeitura de Medianeira.

 

Com Olthon foi assim. Primeiro trabalhou em Itajaí (SC), numa indústria de alimentos. Ao juntar dinheiro, trouxe a esposa para o Brasil. Depois, chegou Fabienne Altide, de 22 anos, irmã de Ronie. Hoje, os três trabalham em frigoríficos da Frimesa.

Fora da câmara fria, onde trabalha, Olthon gosta de jogar futebol nas tardes de sábado. Ele é o zagueiro nas partidas que reúnem funcionários da cooperativa. A renda do haitiano e da esposa, que trabalha no  setor de desossa da Frimesa, não permite gastos supérfluos.

Só de aluguel os dois pagam pelo menos R$ 1 mil por mês. O dinheiro que sobra vai para o Haiti. O filho Robenthon, que está sob os cuidados dos avós, já frequenta a escola. E não é de graça.

Arredores de Itaipu

Olthon e Ronie moram no bairro que leva o nome de Itaipu, em referência à gigantesca hidrelétrica que está a 60 quilômetros, em Foz do Iguaçu. E eles não estão sozinhos. Outros haitianos concentram-se no bairro pelo fato de estar mais perto da Frimesa. Fica fácil ir a pé ou de bicicleta para o trabalho.

Moram no mesmo quintal de Olthon, Ronie e Fabienne, em outras duas pequenas casas, mais duas famílias vindas do Haiti. Inquilino de uma delas, Michel Gasper, de 40 anos, pede para conversar com a reportagem. Sente a necessidade de contar a sua história.

Era pedreiro quando deixou o seu país, há quatro anos. Também estabeleceu-se primeiro em Santa Catarina. Trabalhou por lá durante quase três anos, mandando dinheiro para a esposa e os cinco filhos. Quando deixou a empresa, o valor da rescisão contratual foi suficiente para comprar a passagem para a mulher, Christamene, de 38 anos.

Juntos em solo brasileiro, escolheram Medianeira para começar um grande desafio em suas vidas: uma tentativa de comprar as passagens – em torno de R$ 35 mil – para os cinco filhos, entre 4 e 14 anos de idade.

Silvia Biesdorf, assistente social da prefeitura de Medianeira (Foto: Sergio Ranalli)

 

Guismy Lambre, de 26 anos, é um sujeito que gosta de paz. Em 2014, ele se cansou dos constantes conflitos no Haiti e decidiu comprar uma passagem aérea até Quito, no Equador. Dali, embarcou em um ônibus para uma viagem de quase três dias, por via terrestre, passando pelo Peru, até entrar no Brasil pelo Estado do Acre.

Do Acre, aproveitou os ônibus disponibilizados por empresários do oeste do Paraná, que se engajaram em missões humanitárias para ajudar os muitos haitianos que chegaram ao país naquele ano, e se deslocou para Cascavel.

Em 2017, conseguiu trazer a esposa, Fenite, de 24 anos. O segundo filho do casal, Hudson, de 1 ano, já nasceu no Brasil. Recentemente, mudaram-se para Medianeira, graças a uma vaga de emprego para ele na Frimesa, na área de produção de alimentos. A outra filha deles, Germanica, de 6, está no Haiti. Planejam trazer a menina e Rose, de 9, filha de Guismy com outra mulher.

Nova vida em Palotina

Palotina, também no oeste paranaense, tem 31 mil habitantes, segundo o IBGE. Até a primeira metade da década de 1950, as terras do atual município eram cobertas por densa mata. Uma empresa colonizadora do Rio Grande do Sul abriu os lotes, atraindo, sobretudo, gaúchos e catarinenses para formar a cidade.

Foi um processo rápido, com gente trabalhadora e organizada. Já em 1963, esses migrantes de ascendência europeia fundaram a cooperativa que hoje é a C.Vale, uma gigante que gera 10.469 empregos. Destes, 418 são imigrantes oriundos de 14 nacionalidades diferentes. Haitianos formam a maior colônia.

Robentho Exilus, haitiano que trabalha na C.Vale (Foto: Sergio Ranalli)

 

O intérprete

Robentho Exilus, de 29 anos, trabalhava como mecânico de automóveis e vendedor de autopeças no Haiti, mas viu o negócio naufragar depois do terremoto de 2010. Juntou as economias e comprou passagem para o Equador em 2013.

Depois, seguiu para o Brasil, já com visto regularizado, chegando à capital paulista falando apenas o crioulo haitiano. Procurando emprego, passou por Mato Grosso do Sul e Santa Catarina, até chegar a Palotina, em maio de 2014, conquistando vaga como auxiliar de produção.

Atualmente, domina muito bem a língua portuguesa e serve de intérprete para outros haitianos que chegam à cidade. Casado com Ilphanie, que conseguiu trazer do país natal em 2016, Robentho também já tem uma filha nascida no Brasil, Manuela, de 2 anos.

Minha esposa trabalha na cooperativa. Já temos casa própria e estamos começando a construir mais uma para ter como patrimônio. O que sobra mandamos para familiares no Haiti. O Brasil é a nossa pátria, e a C.Vale nossa segunda família

Robentho Exilus, auxiliar de produção

“Minha esposa trabalha na cooperativa. Já temos casa própria e estamos começando a construir mais uma para ter como patrimônio. O que sobra mandamos para familiares no Haiti. O Brasil é a nossa pátria e a C.Vale nossa segunda família”, exalta Robentho.

Na Frimesa, que é uma cooperativa central, reunindo cinco cooperativas filiadas, trabalham, no total, 7.971 pessoas. Destas, 273 são imigrantes, de nove países diferentes, com os haitianos formando a maior colônia.

Suhail Ahmad, imigrante paquistanês que trabalha na C.Vale (Foto: Sergio Ranalli)

 

Um gremista

Na C.Vale, além dos haitianos, trabalham cubanos, paraguaios, franceses, portugueses, venezuelanos, africanos de sete países diferentes e paquistaneses, como Suhail Ahmad, de 43 anos.

Formado em um curso de técnico em elétrica no Paquistão, Suhail Ahmad já havia morado durante oito anos na Inglaterra, trabalhando em um restaurante. Voltou para o seu país, na Ásia Central, em 2013. Abriu uma loja de instrumentos musicais, teve problemas econômicos e aproveitou a realização da Copa do Mundo para entrar no Brasil, em 2014. Gostou do que viu e resolveu ficar.

Eu tinha um amigo em Palotina. Vim atrás dele. Cheguei à rodoviária de madrugada, sem falar nada de português. Não havia táxi disponível, e um rapaz que lá estava me levou para onde eu precisava ir, de graça. Não aceitou o dinheiro que eu queria dar. Na hora percebi que era terra de gente boa

Suhail Ahmad, imigrante paquistanês

Geralmente, os imigrantes muçulmanos são contratados para trabalhar nos frigoríficos realizando o abate halal, técnica exigida por diversos países de maioria islâmica que importam carne. A C.Vale pratica o abate halal com 30 funcionários muçulmanos. Porém, Suhail tinha a intenção de conquistar uma vaga no setor de manutenção, devido à formação em elétrica. Ficou apenas três meses no abate e já conseguiu a promoção para o cargo desejado.

“Estou buscando a naturalização como brasileiro. Já me sinto filho desta terra. Respeitam a minha religião. Frequento a mesquita em Marechal Cândido Rondon, cidade próxima, sempre que possível. Respeitam até o fato de eu ter me tornado torcedor do Grêmio. Paquistão, agora, somente para passear”, finaliza, com bom humor.

No Paraná, é forte a presença de imigrantes trabalhando em agroindústrias também em outros municípios, como Matelândia e Cafelândia, ambos no oeste do Estado. Não há dados oficiais sobre o número total de imigrantes diretamente empregados no agronegócio, mas há registros em São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul.

Sem diferenças

Nivaldo Burim, gerente do abatedouro de frangos da C.Vale, conta que os imigrantes começaram a chegar à cooperativa em 2011.

“No começo, houve dúvidas de nossa parte, principalmente por causa da dificuldade da língua. Mas fizemos o possível para integrá-los. Deu certo. Hoje, para nós, são iguais aos funcionários brasileiros. Não há diferenças. Integraram-se também à comunidade local. São disciplinados e não se envolvem em confusões”, salienta Nivaldo.

Na Frimesa, Elisa Fredo, gerente de gestão de pessoas, destaca que a cooperativa viu na chegada dos imigrantes “uma grande oportunidade de trabalhar com a inclusão, a diversidade, inserir novas culturas e a prática da responsabilidade social”.

São trabalhadores muito esforçados, pois veem a oportunidade de reconstruir suas vidas. São também de fácil relacionamento. Em alguns momentos, houve dificuldade de comunicação, então a empresa ofereceu curso de português e, atualmente, os colaboradores imigrantes auxiliam os novos a se comunicar. São pessoas que vêm para somar

Elisa Fredo, gerente de gestão de pessoas da Frimesa

 
Source: Rural

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