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Adriano Colodeto, produtor de verduras e legumes em Tietê (SP) (Foto: Rogerio Albuquerque)

 

 

*Publicada originalmente na edição 412 de Globo Rural (fevereiro/2020)

Tem cada vez mais gente preocupada com o impacto das escolhas cotidianas na vida do planeta. Na maioria das vezes, a mudança no comportamento do consumidor começa pela comida. A busca por uma alimentação saudável, sustentável e ética é uma tendência mundial.

“Os estratos da população com renda mais alta e maior grau de instrução estão muito ligados em questões como alimentos produzidos com respeito ao meio ambiente e ao bem-estar animal”, diz Marcos Fava Neves, professor da Fundação Getulio Vargas. Ele afirma que esse segmento concentra muitos formadores de opinião, com influência sobre a mídia e, por consequência, sobre outros consumidores.

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Para o professor Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global, esse novo perfil de consumidor é mais evidente nas grandes cidades. “Em algumas capitais, os segmentos de produtos veganos e orgânicos , por exemplo, já são tão fortes quanto nos países mais ricos.” A preferência por alimentos que aliam qualidade e sustentabilidade gera novas oportunidades de negócios para produtores rurais e empresas.

“Esses segmentos estão longe de substituir os convencionais, mas vão crescer, porque refletem a inquietação de uma parte da população. As oportunidades existem, mas há muita concorrência também. Assim, investimento em inovação e tecnologia são fundamentais”, afirma Marcos.

Sucos naturais

Um exemplo de sucesso é a Green People, indústria de sucos naturais feitos com frutas, verduras e legumes que não levam açúcar, aditivos químicos nem conservantes. “Depois do nascimento do meu primeiro filho, passei a me interessar por nutrição”, conta Bianca Laufer, fundadora da empresa. “Fui estudar e me formei como terapeuta de saúde pelo Institute of Integrative Nutrition, de Nova York.” 

Durante uma viagem ao Havaí, ela descobriu o processo do suco prensado a frio e trouxe a tecnologia para a fábrica instalada em Três Rios (RJ). “Nos dois primeiros anos, tivemos problemas com o prazo de validade dos sucos, que duravam apenas três dias. Isso dificultava a distribuição e a conquista do mercado”, explica.

O problema foi resolvido em 2014, quando a empresa importou máquinas HPP (high pressure preservation), sistema que, além de extrair o suco, elimina microrganismos indesejáveis e permite que o produto dure até 45 dias conservando enzimas, vitaminas e outros nutrientes. Hoje, a Green People fabrica 6 bilhões de litros de suco por ano.

A vantagem é que os diretores são muito corretos no acordo de compra e no pagamento, sempre a preços justos

Tarcísio da Silva, um dos 20 pequenos produtores fornecedores da Green People

A Green People consome 40 toneladas de frutas e hortaliças por mês, compradas, preferencialmente, de produtores locais. Tarcísio da Silva produz verduras e legumes em Sumidouro (RJ), numa horta compartilhada com outros dois agricultores. Juntos, eles entregam 4 toneladas por mês para a Green People.

“A gente fornece para a empresa desde 2014 e a parceria é muito positiva, pois garante que nossos produtos serão aproveitados o ano todo. Isso nos deu mais segurança, e a gente planta sem medo”, afirma Tarcísio.

Bianca Laufer, fundadora da Green People (Foto: Divulgação)

 

Comida congelada

A paulista Liv Up é outra empresa criada para atender às demandas de consumidores conscientes, sem tempo ou disposição para cozinhar. A ideia surgiu a partir das dificuldades enfrentadas pelos três sócios fundadores: os irmãos Henrique e Felipe Dorizzotto Castellani e o amigo Victor Santos.

“Na correria do dia a dia, entre a faculdade e o trabalho, a gente não tinha tempo para ter uma alimentação saudável. Avaliamos o mercado e percebemos que as opções de comida pronta saudável eram poucas e caras. Vimos que essa era uma dor de muitas pessoas e decidimos atacar esse mercado”, lembra Henrique.

Depois de muita pesquisa, teste de receitas e da busca por um modelo adequado de negócio, nasceu a empresa de comida pronta congelada. Para garantir a preservação de nutrientes, sabor e textura, a Liv Up usa a técnica do ultracongelamento.

O prato sai do forno de cocção, passa por um resfriamento rápido e vai direto para o congelamento

Felipe Dorizzotto Castellani, um dos sócios da Live Up

A ideia agradou não apenas os consumidores, como também os investidores, que já aportaram na empresa, que nasceu como uma startup, cerca de R$ 100 milhões. Foi o que permitiu escalonar a produção, que hoje está em 12 mil pratos por dia, vendidos em 14 cidades, ao preço médio de R$ 20.

Para preparar o cardápio com mais de 100 receitas, a cozinha da Liv Up consome 50 toneladas de verduras, legumes e frutas por mês. Dos ingredientes, 80% são orgânicos, produzidos sem agrotóxicos nem adubos químicos industrializados.

“Só não é tudo orgânico porque ainda temos dificuldade em encontrar produtos como batata asterix, cogumelo, pimentão e palmito”, explica Henrique.

Preferência por pequenos agricultores

Preferencialmente, a empresa compra o que precisa de pequenos produtores. Filhos de agrônomos que sempre trabalharam com agricultores familiares, Henrique e Felipe decidiram que a união com os pequenos produtores seria boa para todos.

“A gente passou a infância acompanhando  nossos pais e viu de perto os perrengues que os agricultores enfrentam com a falta de recursos e a dificuldade de vender a produção. Nós sempre acreditamos que dava para fazer melhor.”

Hoje, o negócio tem contrato com 20 famílias de Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. “Assim, a gente contorna questões como sazonalidade e clima”, observa Pedro Martins, responsável pelo setor de fornecimento.

A Liv Up consome 50 toneladas de frutas, legumes e verduras por mês

Os contratos funcionam assim: depois que a cozinha escolhe os ingredientes e determina a quantidade necessária, a área de planejamento decide o que e quanto cada propriedade vai produzir.

A empresa adianta para o agricultor o dinheiro necessário para o plantio, fornece assistência técnica, estabelece um preço fixo para cada produto e garante a compra. O produtor entra com a terra, a mão de obra e o compromisso de entregar o combinado.

Lucro na cidade e no campo

Um dos fornecedores é a família de Jefferson Parra, que cultiva orgânicos há 15 anos, em Porto Feliz (SP). “Meu pai se intoxicou com agrotóxico e quase morreu. Aí decidimos abandonar o sistema convencional”, conta. Por mês, a família entrega 60% da produção de frutas, temperos e hortaliças para a Liv Up.

“São cerca de 3 toneladas, que a gente vende ao preço médio de R$ 4 o quilo. O lucro gira em torno de 35%.” Para Jefferson, a grande vantagem da parceria está na garantia de compra, que permite planejar e investir com mais segurança. “Estamos montando uma câmara fria e uma área climatizada para guardar os produtos. E também vamos construir uma casa maior e melhor para a família.”

Adriano Colodeto é outro fornecedor satisfeito com o modelo de parceria. “A gente acerta o preço, que vale de janeiro a janeiro. Às vezes, eles pedem para aumentar a produção, mas o preço não muda. A nossa preocupação é só plantar, porque já está vendido.”

Felipe Dorizzotto Castellani, Victor Santos e Henrique Dorizzotto Castellani, sócios da Liv Up (Foto: Rogerio Albuquerque)

 

 

 

 

A horta do Adriano fica em Tietê (SP) e ocupa 10 hectares de terra arrendada. Metade da produção de verduras, legumes e temperos vai para a indústria, garantindo um lucro médio de R$ 12 mil por mês. A outra metade é vendida na forma de cestas, entregues em domicílio e para lojas da cidade de São Paulo.

Em cinco anos de parceria, Adriano construiu uma câmara fria, comprou caminhão refrigerado e trator novo. “É tudo financiado, mas a gente sabe que tem como pagar.” No final de 2019, a família realizou seu grande sonho: a compra de um sítio de 20 hectares.

“A gente tem segurança para expandir porque, para quem entregava de 5 a 10 cabeças de brócolis em 2016 e, hoje, está entregando de 6 a 7 toneladas de produtos por mês, o crescimento foi alto. E a tendência é crescer ainda mais.”

Boi ecológico

 

Ainda não é tarefa fácil suprir uma demanda de 15 toneladas de carnes por mês produzidas de forma sustentável. “A carne bovina que usamos é orgânica e vem toda do Pantanal, diz Henrique Castellani. São 5 toneladas mensais fornecidas pelo frigorífico Bio Carnes, de Campo Grande (MS).

“A empresa nasceu da necessidade de clientes e parceiros que atendem a um segmento de mercado preocupado com questões como sustentabilidade e segurança alimentar”, conta Leonardo Barros, um dos sócios do empreendimento, que abate mensalmente cerca de 300 cabeças, vindas de 19 criadores orgânicos. 

A pastagem nativa do Pantanal tem boa qualidade e, ao longo do tempo, o homem pantaneiro desenvolveu processos produtivos de criação compatíveis com a preservaçã

Leonardo Barros, um dos sócios da Bio Carnes

A carne de frango usada na preparação das receitas não é orgânica, mas segue os conceitos da sustentabilidade e do bem-estar animal. O fornecedor é a empresa gaúcha Vibra, que tem 700 integrados, 60 deles criando aves sem usar antibióticos, alimentadas com ração 100% vegetal e em granjas com certificação de bem-estar animal. É daí que saem, mensalmente, as 10 toneladas de frango compradas pela Liv Up.

Produtos orgânicos, agroecológicos, veganos, livres de lactose ou de glúten ainda representam uma fatia pequena do mercado global de alimentos, mas têm muito espaço para  crescer. Especialmente porque concentram consumidores que não se importam em pagar mais caro para ter o que buscam.  

“Hoje, o que nossos consumidores querem é uma visão muito mais completa de todo o processo de produção. Claro que qualidade e sabor são fundamentais, mas o comprador quer que você cuide de todos os elos da cadeia, que você se preocupe com o impacto que causa com embalagens, com a produção dos ingredientes. Ele quer saber de onde vem o que está no prato", diz Henrique.

A gente tentou amarrar tudo isso com refeições entregues na casa do cliente, com muita comodidade e apostando em muito tecnologia para dar escala e qualidade para uma cozinha artesanal

Henrique Castellani, sócio da Liv Up

 
Source: Rural

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