Skip to main content

A paranaense Marcia Piati é mais uma história de superação depois da sucessão familiar não planejada (Foto: Raphael Salomão/Ed. Globo)

 

“Tive que aprender tudo”, resume Marcia Piati, sobre a decisão que mudou sua trajetória de vida. Embora filha de agricultores, ela não imaginava ter que fincar os pés na lavoura de grãos, em Céu Azul, município com pouco mais de 11,7 mil habitantes próximo de Cascavel, no oeste do Paraná.

A família chegou à região no início da década de 1980, vinda de Santa Catarina. Os avós de Marcia fizeram a mudança de Estado. Ela é a mais velha de quatro irmãs – uma, inclusive, estudou Agronomia – e conta que, em nenhum momento, houve qualquer incentivo para ficar na propriedade, na lida com a agricultura.

“Sempre escutamos piadas pelo meu pai só ter filhas. A vida inteira, eu vi meu pai trabalhando na lavoura. Mas a gente foi incentivada a trabalhar fora da porteira. Eu saí, fui estudar e tocar a minha vida. Por eu ser mulher, não via aqui espaço para ficar e suceder”, conta.

Sempre escutamos piadas pelo meu pai só ter filhas

Marcia Piati, produtora de Céu Azul (PR)

Marcia, então, enveredou-se pelos caminhos da educação. Formou-se em Matemática e passou a lecionar. Acumulou concursos públicos no currículo. A carreira já estava encaminhada quando, em 2008, tudo mudou. Era preciso decidir o destino do pedaço de terra onde ela nasceu e foi criada.

 

  

Reviravolta em meio à dor

“Quando perdi meu pai, não se foi só o dono. Ele fazia tudo. Era administrador, gerente. Mas em nenhum momento a gente pensou em vender a fazenda. Eu larguei dois concursos públicos. Não pensei em nada disso. Era pela família”, diz.

Ezir Piati, a mãe, confirma que vender tudo nem lhes passou pela cabeça depois da morte do marido. Afinal, a produção já estava estruturada. “A gente enfiou a cara e foi fazendo", diz. É ela, junto com a filha mais velha, que toca a fazenda. As outras não estão na administração direta, mas também têm participação no negócio.

Com a mudança de rumo, veio a desconfiança, conta Márcia. Um dos desafios foi ter funcionários. Era difícil convencer que uma fazenda poderia ser tocada por mulheres, “sem o homem do lado”. “As pessoas achavam que isso não daria certo. Eu precisava de funcionários, não tínhamos um gerente”, diz ela.

De professora a aprendiz

Outro desafio foi o do conhecimento. Deixar a sala de aula e administrar uma produção agrícola demandou muito aprendizado. E a professora virou aprendiz. Era preciso entender qual a melhor semente, os insumos, a administração e a comercialização. Tudo o que envolve a tomada de decisões a cada safra.

“Eu precisava plantar soja. Mas não é só plantar soja. São inúmeras variedades que se adaptam ao solo, com fertilidade diferente. Eu nem sabia que tinha fertilidade diferente. Sem contar a parte administrativa, financeira, compra, venda, recursos humanos. Eram inúmeras funções para aprender em pouco tempo”, resume.

Levou de três a cinco anos para as Piati serem olhadas de maneira diferente, conta Marcia. Hoje, elas gerenciam uma produção tecnificada e considerada referência na região. Desde o planejamento, trabalho com o solo, passando pelo maquinário, até ferramentas de agricultura digital. Se, antes, os trabalhadores ficavam distantes, hoje tem fixos e temporários. E, se necessário, terceiriza parte da colheita.

saiba mais

A agrônoma que venceu o preconceito na política e virou ministra da Agricultura

Educação é base para fortalecer protagonismo da mulher rural

 

“Otimizamos pessoal e maquinário, mas nem sempre isso é possível”, pondera a produtora rural, destacando a importância de planejar bem para garantir a lucratividade dos negócios. “Somos organizadas em tudo. Quando está planejado, o colaborador sabe como as coisas funcionam”, argumenta.

Futuro no campo

A produção, explica ela, é custeada com recursos próprios e financiamento, além de comercialização antecipada para travar os custos. Parte da colheita é entregue na cooperativa LAR. “Tem que fazer as contas e ver o que vale a pena. No futuro, queremos ter silo próprio. É um projeto nosso”, garante.

Na safra 2019/2020, foram plantados 430 hectares com soja no verão. Foi a mesma área do ciclo anterior, mas com perspectiva de maior produtividade. A segunda safra costuma ser de milho e trigo.

No entanto, mais do que plantar, colher e comercializar, as Piati não escondem o orgulho de manter a história da família no campo. Reconhecem que ainda há o que caminhar, mas enxergam as mulheres conquistando mais espaço na agropecuária.

saiba mais

Agro é mais blindado contra ciclos econômicos, mas tem desafios, diz consultora Zeina Latif

As três irmãs que se dividem entre a lida do campo e as redes sociais

 

 

 

“A gente vê a mulher se envolvendo mais. Antes era homem de um lado e mulher do outro”, lembra Dona Ezir. “Hoje, eu e minha mãe somos vistas como iguais entre os agricultores homens”, acrescenta Marcia.

No futuro, Marcia espera poder ter uma sucessora. Sim, sucessora. Ela tem duas filhas.

*O jornalista viajou a convite da Bayer
Source: Rural

Leave a Reply