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Nina Horta (Foto: Márcia Evangelista/Editora Globo)

 

A escritora mineira Nina Horta, nascida em Belo Horizonte e radicada há muitos anos em São Paulo, faleceu na noite do último domingo (6), aos 80 anos, devido a uma infecção generalizada.

Nina, que era uma das mais respeitadas cronistas de gastronomia do país, desde outubro de 2008 abrilhantava as edições de Globo Rural com a sua seção Tabuleiro, onde de maneira simples e poética escrevia sobre as coisas da vida, do campo e da culinária.

Ela era proprietária do bufê Ginger e autora do livro “Não é sopa”, lançado em 1995, e “O frango ensopado de minha mãe”, obra de 2015, com a qual foi ganhadora do prêmio Jabuti de Gastronomia. Nina deixa três filhos (Octavio, Sylvio e Dulce), três netos (Laura, Pedro e Úrsula), um bisneto (Arthur).

A última crônica de Nina Horta, publicada na edição de agosto de Globo Rural, fala sobre as delicias da refeição matinal.

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O café matinal

Tenho uma teoria de que o mundo é partido ao meio. De um lado os que gostam de comer pela manhã, do outro os que não gostam. Sou da primeira falange. Sem café não dá para começar o dia, pra levantar. No meu caso muita ascese. Pãozinho com manteiga e café preto. Está feita a festa e já não desmaio na rua.

Melhor que o pão seja gostoso, e que na mesa haja manteiga. No outro dia descobri que gosto mais da manteiga do que do pão, pois não como o primeiro, seco, sem nada e posso até comer um pequena fatia de manteiga boa.

Outros não passam sem frutas, geralmente mamão e um suco de laranja. Já não se usam no Brasil os mingaus. O ovo quente ainda tem seu lugar e, se for de galinha caipira, melhor.

Os escoceses ainda teimam um pouco e tomam seu mingau de aveia. Não com os requintes do passado, servido em tigelas de madeira, tomado com colher de osso, e só aveia com água fresca de bica. E se estiver muito frio nada contra muito uísque cobrindo a aveia quente.

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O jeito certo do verdadeiro “porridge” é deixar a aveia escorregar pelos dedos da mão esquerda, devagarinho, enquanto se mexe com a direita. Assim, quando se acaba o mingau, há várias consistências nele, e é servido em prato de sopa. Ao lado, duas tigelinhas. Uma para leite frio e outra para creme de leite. Pega-se uma colherada do mingau e mergulha-se ora num, ora noutro potinho para se ter a sensação de duas temperaturas.

Nós brasileiros já fomos grandes tomadores de mingau, mas mingau engorda, tem glúten e onde está o tempo de se mexer panelinhas cremosas pela manhã? O de fubá com um quadrado de manteiga por cima e uns cubos de queijo de minas dentro, derretendo, puxa-puxa, aquele era bom.

É conveniente ter umas flores no café da manhã que você possa observar de perto, com vagar, apreciando as cores e os formatos. Já vira um ritual para o dia inteiro, para que a gente se detenha no que é bonito.

É bom reparar mundo afora as surpresas que nos aparecem no café da manhã. Em Londres são geralmente mal-feitos em hotéis, mas não resisti jamais a pedir duas salsichas, bacon, ovo e o pão preto do lado.

No México, o melhor pão do mundo, francês, brioches, mangas dulcíssimas, nada de tortillhas ou tacos.

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E tem gente que toma sopa, outros almoçam com carnes pesadas, geralmente trabalhadores em lugares muito frios. O Brasil tem toda uma tradição de cuscuz, beiju, tapioca, mas estamos tratando aqui do café da manhã da cidade grande, apressadinho, mas do qual se pode modelar o dia. E vale tudo.

Tínhamos uma empregada, palavra que é proibida atualmente, porque tem muita gente burra no mundo, bem, bem, tínhamos uma secretária do lar que, chegada da Bahia, me levou para comer em bandeja uma batata-doce com farinha de mandioca. Fingi que era normal e comi. Esse ritual durou uns dois anos. Quando ela foi embora, acreditem, senti muita falta desse menu. Torradas… Com chá, então, vai tão bem! E mesmo quem não gosta de doce, uma rabanada pode ser a perfeição, a garantia de que mais nada de ruim poderá acontecer, pois papamos aquela rabanada dos deuses.

E café da manhã na cama? Café que alguém preparou para você. É um parêntese no tempo.
Sem contar que, ao abrir os olhos, meio sonolento, você sente o cheiro do café sendo feito, e o bacon numa frigideira… Pode pular da cama energizado mesmo você que não gosta de doce, pode passar um pouco de geleia amarga de laranja na torrada, que mal não faz.

 
Source: Rural

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