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Cuiabá pela manhã sob névoa de fuligem.(Foto: Diogo Diógenes/Ed.Globo)

 

A cidade de Cuiabá e os outros doze municípios de seu entorno amanheceram nesta quinta-feira (12/9) sob um véu de fumaça que vem atormentando o dia a dia da população há algumas semanas. Não chove na região metropolitana do Rio Cuiabá desde 9 de maio, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ou seja, há mais de quatro meses. As temperaturas máximas têm ficado na casa dos 40º C. nos últimos dias e o que é pior: não há perspectiva de chuvas significativas até 23 de setembro, de acordo com o Centro Integrado de Múltiplas Agências (Ciman), montado para coordenar as ações de combate ao fogo em Mato Grosso.

Na última terça-feira, o governador Mauro Mendes assinou decreto de situação de emergência no âmbito do Estado em decorrência dos incêndios florestais. O governo está autorizado a adotar ações necessárias à prevenção e ao combate aos incêndios, e à manutenção dos serviços públicos nas áreas atingidas pelas queimadas.

O prefeito de Cuiabá Emanuel Pinheiro também publica decreto de situação de emergência nesta quinta-feira, por motivos semelhantes.Em razão das condições climáticas, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) prorrogou até 4 de outubro o período proibitivo para as queimadas em Mato Grosso. A proibição, que se iniciou no dia 15 de julho, por meio do Decreto 638, terminaria no dia 5 de setembro.

Mulher faz inalação em hospital da capital mato-grossense (Foto: Diogo Diógenes/Ed.Globo)

 

O forte calor, a baixa umidade do ar e os focos de fogo causam danos à saúde da população e prejuízos a atividades econômicas como o turismo. A agência Amigos de Trilhas, especializada em ecoturismo, enviou aos clientes uma mensagem na noite de quarta-feira informando que foi necessário reorganizar a programação deste próximo final de semana no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães. O parque foi fechado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade Brasileira (ICMbio) nesta quinta-feira.

Focos de calor
Mato Grosso registrou 8.030 focos de calor em agosto, um aumento de 230% em relação ao mesmo período de 2018, tendo como base os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), segundo o superintendente da Defesa Civil de Mato Grosso, tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Marcelo Augusto Reveles Carvalho. A região de Chapada dos Guimarães, situada a cerca de 60 km da capital, concentra boa parte dos incêndios.
Uma série de fatores leva a esse incremento na quantidade de focos de calor, como o longo período de estiagem, que contribui para reduzir a umidade do ar e deixa a vegetação extremamente seca, mas de acordo com o superintendente da Defesa Civil de Mato Grosso, “não existe combustão espontânea”.

Não existe combustão espontânea.Há pessoas que colocam fogo por pura maldade, mas há também aquelas que pretendiam fazer uma queima pequena e acabam perdendo o controle. "

Marcelo Augusto Reveles Carvalho, tenente-coronel do Corpo de Bombeiros

“Há pessoas que colocam fogo por pura maldade, mas há também aquelas que pretendiam fazer uma queima pequena e acabam perdendo o controle. Há também casos de máquinas que pegam fogo e podem dar início a um incêndio involuntariamente”, comenta. Ele acrescenta que estão ocorrendo casos de pessoas serem flagradas colocando fogo no período proibitivo e elas estão sendo punidas pelas Justiça, assim como donos de propriedades estão sendo multados por crime ambiental. Todos os anos são feitas campanhas para conscientizar as pessoas sobre os riscos de queimadas na época de seca, mas o tenente coronel BM Reveles reconhece que a população ainda não parece devidamente conscientizada.

Estrada para a Chapada dos Guimarães com marcas das queimadas.(Foto: Diogo Diógenes/Ed.Globo)

 

Saúde pública
Há quem alegue que sempre foi assim nesta época do ano, quando a umidade do ar chega a níveis de deserto em consequência da estiagem e das queimadas, mas, na avaliação do clínico geral Mário Francisco Bezerra, a atual temporada de seca está bem pior.  “O fluxo de pessoas que procuram a Policlínica aumentou aproximadamente 50%. Trabalho aqui desde 2016 e nunca peguei um início de setembro com tantos casos de desidratação e diarreia”, afirma o médico, entre um e outro atendimento na unidade de saúde mantida pela Prefeitura de Cuiabá no bairro Verdão.

Ele diz que as principais vítimas são as crianças com menos de dois anos e as pessoas acima de 60 anos. Numa rápida visita às dependências lotadas de pacientes, o doutor Mário conversa com Elaine Andrade, de 45 anos, que há oito dias está fazendo nebulização como parte do tratamento contra pneumonia. “O clima está pesado. Você já amanhece debaixo de cinza. E a chuva não vem”, lamenta a paciente, moradora do bairro Santa Isabel.

Giovana, de 1 ano, e Ana Beatrizm de três, estão internadas após ida e volta ao hospital. (Foto: Diogo Diógenes/Ed.Globo)

 

Na enfermaria infantil, as jovens mães Jucimara de Campos Barbosa e Carla Vitorino têm mais em comum, além do fato de morarem em bairros vizinhos situados na periferia de Cuiabá, com muitos focos de incêndio: as filhas Giovana, de um ano e três meses, e Ana Beatriz, de três anos, estão internadas com diarreia, vômito e tosse. “Vim no sábado, ela foi medicada, voltou para casa e ficou ruim de novo. Voltei na segunda-feira, na terça e acharam melhor interná-la”, conta Jucimara, que não titubeia em associar os problemas da filha Giovana ao clima excessivamente quente e seco.

A sensação da maior parte dos moradores de Cuiabá é a mesma e o clima acaba dominando todas as conversas. Na opinião do pneumologista Wagner Malheiros, o corpo humano tem que “trabalhar mais para lidar” com a baixa umidade do ar (que tem variado entre 7% e 20%), o calor e o excesso de fumaça. “É um desgaste muito grande para o nosso organismo. As crianças e os idosos são os que mais sofrem, assim como portadores de doenças cardiorrespiratórias”, diz. 

O médico Mário Bezerra é mais enfático quanto aos riscos da poluição atmosférica causada pelas queimadas: segundo ele, o índice de material particulado por metro cúbico chegou a 110 em Cuiabá neste 10 de setembro, mais de quatro vezes acima do limite máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 25 microgramas em 24 horas.

Tudo isso levou a Defesa Civil do Estado a emitir um alerta de “onda de calor” na manhã de terça-feira, baseado na possibilidade de uma sensação térmica de 46º em algumas cidades mato-grossenses, com risco de morte por hipertemia. Nesta quinta-feira, segundo a previsão do Inmet, a temperatura máxima em Cuiabá deve ser de 40º (tendência estável), com umidade mínima de 15%.

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O superintendente da Defesa Civil de Mato Grosso, tenente-coronel BM Reveles,  explica que o risco  maior atinge pessoas que ficam muito tempo expostas ao calor ou à incidência dos raios solares no período mais crítico. “Estamos monitorando os focos de fogo e orientando a população a evitar exercícios físicos e a sair na rua entre 11h e 16h, a se hidratar bem e a hidratar o ambiente”, afirma. A hidratação do ambiente pode ser feita com o uso de umidificadores ou com a utilização de recipientes com água no interior da residência. A Defesa Civil também tem orientado as prefeituras para evitar a realização de serviços de limpeza e jardinagem, entre outros, em horários de maior incidência solar.

Academias
O educador físico Bernardo Chiletto, que trabalha com treinamento funcional no bairro Jardim Cuiabá, já se adaptou às condições atuais. “Não estou dando mais aulas externas devido à secura e tive que aumentar a ventilação dentro da academia, inclusive colocar umidificador”, conta. O professor optou por reduzir as aulas aeróbicas e incluir mais exercícios de musculação e alongamento para não forçar a respiração de seus alunos visando o bem-estar de todos.

A esteticista Selma Maria Donatti, que mora no bairro Despraiado, próximo à estrada para Chapada dos Guimarães (que concentra boa parte dos focos de incêndio), tenta driblar os efeitos das queimadas para não ter que vestir roupas com cheiro de fumaça. “Está difícil lavar roupa porque tem sempre fuligem caindo no quintal.  A roupa fica manchada, principalmente, se for branca. O jeito é ficar atenta e só colocar a roupa no varal quando a fuligem diminui. Mesmo assim as peças ficam com cheiro de fumaça, parece que foram defumadas”, reclama. 

Selma diz que está com muita tosse, principalmente à noite, com os olhos ardendo e coçando. “Estou assim há um mês e, apesar de estar tomando remédios, não consegui melhorar.  Sinto o cheiro de fumaça dentro de casa”, lamenta.

A diarista Clarice Rosa da Silva, que mora com o marido e filhos no bairro Altos do Parque (a cerca de 13 km do Centro da capital), conta que alguém botou fogo numa área verde no entorno de sua casa na última terça-feira. Em consequência do incêndio, vários vizinhos estão sem energia elétrica até hoje e alguns, inclusive, perderam eletrodomésticos (geladeira, máquina de lavar, etc). Segundo ela, apesar dos telefonemas feitos ao número 193 (do Corpo de Bombeiros), não houve ação humana para interromper o fogo, que consumiu toda a vegetação da área.

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O médico Wagner Malheiros defende um trabalho preventivo mais intenso por parte das autoridades estaduais e municipais. “Esse quadro se repete todo ano, com maior ou menor intensidade. O problema é que quando começa a chover, as pessoas esquecem”, argumenta.

Mas, por incrível que pareça, há também quem prefira o calor de 40º como o mestre de obras Manoel José do Carmo, cuiabano de 59 anos. “Para nós, o frio e a chuva incomodam mais. Já estamos acostumados com o calor”, afirma enquanto coordena uma obra num bairro central de Cuiabá. A turma de seu Manoel trabalha de segunda à sexta-feira, de 7 às 12h e das 13 às 17h. Ele diz que o consumo de água é grande para aguentar o tranco. “A gente toma de 6 a 8 litros por dia, cada um. Come pouco porque bebe muita água”.  Na opinião do mestre de obras, o clima está mudando: “Este ano está pior. Não tivemos chuva em agosto. Mas a gente precisa do sol para trabalhar”.
Source: Rural

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