Patos "funcionários" da fazenda francesa. (Foto: Alana Fraga)
Às 9 horas da noite, o sol ainda ilumina o céu de Camarga, no sul da França, quando o produtor Bernard Poujol chega ao arrozal com um radinho de pilha. Ele pendura o aparelho numa árvore e sintoniza na France Culture, estação que transmite programas culturais. Basta ouvir a voz do locutor e os 1.200 “funcionários” do rizicultor se aproximam do aparelho, parecendo interessados no programa. É o bando de patos que trabalha pastejando a lavoura, comendo as plantas daninhas que competem com o arroz.
Desde 2011, o rizicultor francês utiliza os patos para eliminar as plantas invasoras no arrozal. Foi durante uma viagem ao Japão que o filho de Poujol conheceu o sistema, criado na década de 1970 pelo agricultor Takao Furuno. “Desde então, temos aprimorado o processo a cada ano. A complexidade está na dificuldade de obter uma eficiência na retirada das invasoras pelas aves”, explica.
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O rádio foi uma estratégia de “controle tecnológico” que ele criou e implementou na última safra de arroz para solucionar o maior problema na gestão das aves: a predação por raposas. Toda safra, Poujol perdia cerca de 50% dos patos, que são mais eficientes no arrozal quando pequenos, época em que também são mais suscetíveis ao ataque dos predadores.
“Foi uma descoberta”, conta. “Costumo ouvir rádio durante o trabalho e os patos se habituaram às vozes dos locutores. Já as raposas são afugentadas pelo barulho do rádio”, explica. Com essa estratégia, o número de aves mortas – era uma média de 30 por noite – caiu para zero, segundo o rizicultor.
Embalagens do arroz orgânico produzido por Bernard Poujol em Camarga (Foto: Alana Fraga)
Pato corredor
Poujol também construiu uma ilha artificial próxima à casa, que serve de refúgio para os patos à noite. “Tem dado certo”, comemora.
Pela raça de pato que ele utiliza (pequim), Poujol é obrigado a renovar o bando todos os anos. “Como já sabem que vou alimentá-los com grãos, eles passam a não comer mais as ervas e crescem demais. Na Ásia, utilizam patos corredores-indianos (Anas platyrhynchos domesticus)”, conta.
Essa raça de patos tem algumas vantagens sobre os comuns: são pequenos, não voam e se reproduzem muito bem com os patos selvagens. “Com eles, não sou obrigado a mandar todos ao abatedouro ao final de cada ciclo.”
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Este ano, será a vez de testar a nova raça de patos, encomendados diretamente da Ásia. Por 12 corredores-indianos, o agricultor pagou 600 euros (50 euros por pato, o equivalente a cerca de R$ 213), enquanto os anteriores saíam ao custo de 1 euro cada. “São muito mais caros, mas assim não precisarei mais eliminar os antigos e renovar o bando todos os anos”, afirma.
Com o abate dos patos, Poujol criou um ateliê de produtos à base de carne da ave, com o qual fatura cerca de 10 mil euros por ano. “Hoje, não me interessa mais esse tipo de trabalho. Quero um bando que eu possa utilizar em todas as estações do ano.”
Rotação
Poujol se destaca entre os 200 rizicultores que cultivam nas várzeas do Rio Ródano. Além da técnica dos patos para eliminar as ervas, que só é feita por ele em Camarga, Poujol testa todos os anos novas metodologias de rotação de culturas para produzir sem utilizar nenhum insumo químico e com apenas um funcionário como mão de obra.
Durante o ciclo do arroz, o combate às plantas daninhas é o maior desafio dos agricultores, obrigando-os a fazer rotação com outras culturas, como trigo, girassol e alfafa.
Responsável por 98% da produção francesa de arroz, Camarga, um delta aberto ao Mediterrâneo, oferece um ambiente propício ao cultivo do cereal, graças à abundância de água doce numa região tipicamente salina, vento e solo, além de um clima favorável. Anualmente, o faturamento com a comercialização de arroz de Camarga gira em torno de 80 milhões de euros.
Segundo o presidente do Sindicato de Rizicultores de Camarga, Bertrand Mazel, em 2018 foram produzidas 80 mil toneladas de arroz na região, plantado em 13 mil hectares. “Este ano, se as condições climáticas ajudarem e tivermos água, podemos chegar a 100 mil hectares”, estimou.
Poujol e seus patos, que ouvem rádio à noite e comem ervas do arroz de dia (Foto: Alana Fraga)
Orgânico
Quando chegou à Camarga, no final da década de 1980, Poujol chefiava uma grande fazenda de arroz e vinhas pelo método convencional. Seu caso de amor com a agricultura orgânica começou no momento em que seu então patrão decidiu converter o vinhedo nessa modalidade. “Foi um verdadeiro encontro. Paixão mesmo”, conta. “Sempre fui apaixonado por fazer descobertas de técnicas que pudessem nos emancipar dos produtos químicos.”
Em 2006, adquiriu a propriedade de 40 hectares onde se instalou com a esposa, o filho e um funcionário, cuidando ao todo de 70 hectares (outros 30 arrendados) na criação de vacas para corte e cultura do arroz. Para fazer a rotação de culturas, cultiva trigo, cevada, alfafa e lentilha, que servem de alimento para os bovinos e aves.
Na produção de arroz, ele costuma colher de 3 a 4 toneladas por hectare. “Não são resultados extraordinários, mas, como nosso arroz é muito bem vendido e esse método nos permite ter uma certa estabilidade de produção, já é um ganho enorme.”
Segundo seus cálculos, enquanto o custo com 1 hectare de arroz convencional gira em torno de 1.600 euros, seu hectare orgânico custa entre 25 e 30 euros. “Para nós, não faz sentido produzir 10 toneladas de arroz em 1 hectare se for preciso gastar 4 toneladas de combustível, comprar produtos químicos. Aqui, o solo cria a sua própria riqueza e dá as condições necessárias para produzir. Isso é genial.”
Source: Rural