Socol (Foto: Divulgação)
*Reportagem publicada originalmente na edição setembro/2018 de Globo Rural
O município de Venda Nova do Imigrante, que está a 730 metros de altitude e a pouco mais de 100 quilômetros de Vitória, na região serrana do Espírito Santo, cultiva uma forte tradição italiana. Hoje com pouco mais de 20.500 habitantes, o lugar recebeu os primeiros imigrantes há mais de 100 anos, gente em busca de terras férteis e meios para melhorar de vida distante da terra natal.
Os colonos italianos deixaram para os seus descendentes traços de sua cultura, tradições e, evidentemente, os elementos de sua culinária. Um deles é o chamado socol, um embutido de carne suína temperada e curada que, durante muitos anos, foi usado apenas no consumo próprio das famílias, passando, posteriormente, a integrar a economia local.
Edines Lorenção é um herdeiro dessa tradição centenária. Lembra não contar mais de 20 anos de idade quando aprendeu a fazer o socol. Resolveu colocar a mão na massa para não incomodar mais a mãe, Cacilda, a quem cabia produzir a iguaria para a família de acordo com o ensinamento dos antepassados. Ele lembra que pegava escondido o socol que a mãe fazia e ia comer com os amigos. “Eles gostavam. Pensei ‘por que não fazer?’. E comecei”, conta Edines, que comanda a produção do embutido, principal fonte de renda no Sítio Lorenção.
A família começou a vender o socol entre 1993 e 1994. Para iniciar a produção comercial, amigos bancaram os primeiros 150 quilos de carne. Hoje, são de 600 a 700 quilos por semana, embalados em pacotes com 250 gramas e vendidos para todo o Espírito Santo.
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A propriedade, antes baseada no cultivo de café e hortaliças, hoje é uma referência do agroturismo na região serrana capixaba, com o socol e a história da família como cartões de visita. “Antes de vender nosso produto, a gente conta nossa história. O melhor do agroturismo é receber as pessoas”, garante Cacilda Lorenção, na loja onde acolhem os turistas e servem seu socol e outros itens.
Os Lorenção na loja do sítio da família, onde é vendido o socol
“Ossocolo”
A receita do socol é relativamente simples. Carne suína temperada com sal, pimenta-do-reino e alho. O preparo mais antigo leva a carne do pescoço (“ossocolo”, do qual derivou o nome socol). Atualmente, usa-se o lombo, menos gorduroso. Preparado, o corte é colocado para cura, que leva de dois a quatro meses, a depender do período do ano. Uma das formas de apreciar a iguaria é “beliscando” finas fatias.
E se, há muito tempo, o embutido preparado dessa forma simboliza a tradição das famílias italianas e representa o agroturismo em Venda Nova, neste ano ele foi reconhecido oficialmente como uma marca local. No dia 12 de junho, o produto recebeu do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) o selo de Indicação Geográfica (IG) na modalidade de Indicação de Procedência (IP).
Dessa forma, o INPI atesta que o preparo do socol resgata a cultura e conserva o conhecimento tradicional trazido pelos imigrantes, além de carimbar o município como centro de fabricação da iguaria. Restrita a produtores de uma área delimitada, a indicação pressupõe a adesão a um regulamento de uso de um selo de procedência.
Produtora analisa o produto em processo de cura e (ao lado) o socol fatiado
“O uso da IG auxilia a manter os padrões de produção. O socol de Venda Nova do Imigrante torna-se único e com repercussão mercadológica que pode tornar-se mundial”, acredita Rodrigo Belcavello Barbosa, analista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em Venda Nova. Entre as vantagens de se obter uma Indicação Geográfica, diz ele, inclui-se aumentar o valor agregado e a qualidade, estimular a demanda e os investimentos na produção, além de facilitar a presença de produtos típicos no mercado.
O Sebrae realizou os estudos técnicos que embasaram a requisição. Participaram também o Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), o governo estadual, a prefeitura e o Ministério da Agricultura. O pedido ao INPI foi feito em nome da Associação dos Produtores de Socol de Venda Nova do Imigrante (Assocol), que responde pelo cumprimento das regras.
“A partir da Indicação Geográfica, o consumidor vai saber a qualidade do que está comprando, que o produto da região é sempre igual, e vai valorizar”, acredita Edines Lorenção, ex-presidente da associação e presidente do conselho regulador.
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Segundo ele, as avaliações dos produtores estão em andamento. Quem estiver conforme o regulamento e seguir a receita tradicional receberá, além do selo, um número de rastreabilidade e um QR Code, pelo qual suas informações ficarão disponíveis para o consumidor. A expectativa é conceder as primeiras autorizações até novembro. “O controle de qualidade tem de ser rigoroso”, diz Edines.
O socol de Venda Nova do Imigrante é a quinta Indicação Geográfica reconhecida no Estado, de acordo com o Sebrae capixaba. O embutido se une ao inhame de São Bento de Urânia, ao cacau de Linhares, ao mármore de Cachoeiro do Itapemirim e às panelas de barro de Goiabeiras. Foi protocolada e aguarda o reconhecimento do INPI a IG para a carne de sol do Vale do Itaúnas.
Outros cinco processos estão em fase de estudo: o café da região do Caparaó, o café da região das Montanhas Capixabas, o conilon do Espírito Santo, a pimenta-rosa e a pimenta-do-reino do norte do Espírito Santo e o granito do noroeste do Espírito Santo.
*O repórter viajou a convite do Sebrae/ES
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Source: Rural