O complexo de soja que destinou à UE US$ 4,8 bilhões em exportações pode perder espaço para concorrentes que se enquadrem e se beneficiem das novas regras (Foto: Fellipe Abreu/Editora Globo)
Voltando de reuniões em Bruxelas (Bélgica), em diferentes esferas da Comissão Europeia, trago na mala alguns chocolates e muitas preocupações, entre elas a meta de banir biocombustíveis de “alto risco de desmatamento indireto” até 2030, estabelecida pelo parlamento europeu.
O fato é que, mais do que nunca, os temas ligados à sustentabilidade e ao comércio internacional têm convergido e decisões imprecisas e arriscadas para o comércio internacional ganhado espaço, inviabilizando os avanços em diferentes esferas, ao redor do mundo.
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A impressão que fica, no que tange o banimento, é a de que muitas contradições ainda permanecerão latentes, principalmente quando a ótica está aliada, em uma primeira ou segunda intenção, a um discurso errôneo de que não é possível aliar conservação e produção agropecuária. Nesse caso pode resultar em um regime de barreiras comerciais, que favorecem setores e rotas tecnológicas internas.
Recorrendo aos números, essa argumentação ganha corpo facilmente. Note que embora a União Europeia (UE) apresente uma Diretiva de Energias Renováveis (RED), em vigor desde 2009, que objetiva uma meta de 32% de fontes renováveis de energia até 2030 – sendo 14% deste montante combustível renovável a ser utilizado no setor de transportes -, em 2015 o bloco determinou uma limitação em 7% da participação de biocombustíveis de base em culturas alimentares, tendo como justificativa técnica o risco de desmatamento indireto.
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Na prática, uma decisão como essa – em que a alegação é questionável pela falta de confiança nos modelos para a mensuração precisa de emissões – não está ligada somente à linha do politicamente correto. Neste último caso, em que uma fonte de energia é minimizada em detrimento de outra (eletricidade, por exemplo) e que culturas são banidas como uma solução alternativa, é aberto um precedente para a manutenção dos interesses locais e para a forte restrição de importações, particularmente as não agraciadas por regimes de isenção tarifária, como foi o caso do etanol brasileiro, que já era pouco importado em 2015 e ainda contou com uma queda acentuada entre 2015 e 2017, totalizando 40% de redução.
O ponto aqui levantado esbarra em um conjunto de fatores que parecem distantes e desconexos com a atividade agropecuária brasileira, porém que, em um futuro próximo, trarão uma conta salgada à nação. Um deles é o grau de arbitrariedade utilizado para definir culturas de alto risco ou o uso de modelos para a mensuração de emissões. No evento, foi possível visualizar de perto o forte lobby que alguns grupos fazem e não há dúvidas: nosso País precisa ter um discurso mais alinhado e que ressalte a relação benéfica de interdependência da conservação ambiental com a agropecuária, bem como dados atualizados quanto aos esforços promovidos em prol do combate ao desmatamento e de nossas exportações. Essa é a chance de evitarmos a proibição de matérias-primas e da criação de exceções às culturas europeias.
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Apesar da motivação para esse texto ser a iminência de eventuais barreiras para a exportação de bicombustíveis para Europa, decisões tomadas no bloco podem ter efeitos além da fronteira dos 28 países membros e do tema central. A discussão acerca de como serão atingidas as metas de redução de emissões na UE aponta quais são as tecnologias preferidas e preteridas em um mundo onde há limites para emissão de CO2. Um dos reflexos que poderiam ser sentidos é o do Japão (destino final de 45% das exportações brasileiras de etanol), que já indicou intenção de rever a participação do etanol de cana-de-açúcar na sua política energética por conta de questões de sustentabilidade.
Já o complexo de soja, principal setor exportador do agronegócio brasileiro, que destinou à UE US$ 4,8 bilhões em exportações, pode perder espaço para concorrentes que se enquadrem e se beneficiem das novas regras. É assim um risco não só para o biodiesel/óleo de soja, mas para o próprio farelo e o grão, que perdem competitividade.
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Mediante esse cenário, aceitar a rotulagem de alto risco – que incorpora o desmatamento indireto – é abrir portas e janelas para novas medidas de barreiras comerciais, para as quais não adiantará apertar os cintos, uma vez que a onda forte e sofisticada, travestida de causa ambiental, atropelará qualquer dado real e comprovado.
Logo, Você pode dizer que não sabe, mas ela está presente em nosso dia a dia mais do que pensamos: a comunicação. Ao passo que impulsionarmos nossos discursos e soubermos ultrapassar a linha da simples fala para o convencimento pelo conhecimento, os interesses poderão ser considerados e os ganhos não serão somente econômicos, mas, principalmente, ambientais e sociais. Isso sim seria o tão almejado desenvolvimento sustentável compromissado e consorciado com todo o globo.
*Marcelo Moreira é sócio da Agroicone
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Source: Rural