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A fazenda leiteira flutuante custará 2,5 milhões de euros e acolherá 40 vacas em uma espécie de jardim natural de 1.200 metros quadrados (Foto: Beladon Building Behavior)

 

Pense em 800 vacas pastando em uma fazenda flutuante em pleno centro de uma cidade. Esta é a ideia que será concretizada no final deste ano no maior porto marítimo da Europa, em Roterdã. Aliás, a origem do nome da cidade, Rotterdam (“dam” significa represa e “Rotte” é um pequeno rio), sugere bastante esse tipo de empreendimento.

A intenção desse conceito inédito criado pela empresa holandesa Beladon é trazer para mais perto dos consumidores a produção, integrando o campo à cidade, e evitar o transporte de bens de consumo. “Setenta por cento do mundo é água, então por que não usar isso para produzir alimentos frescos e saudáveis perto dos consumidores? Dessa forma, também reconectamos o cidadão à produção de alimentos”, justifica o diretor de marketing da Beladon, Minke van Wingerden.

A fazenda leiteira flutuante custará 2,5 milhões de euros e acolherá 40 vacas em uma espécie de jardim natural de 1.200 metros quadrados. A meta é produzir 800 litros de leite por dia, parte dele transformado em queijo e iogurte na própria fazenda. As vacas comerão produtos reciclados da cidade, como restos de grama e de restaurantes. Durante oito meses por ano, os animais terão acesso a uma pastagem próxima.

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Quase autossuficiente, a fazenda será autônoma em eletricidade, graças a painéis solares, e quase tudo será automatizado. Apenas três pessoas serão mobilizadas para supervisionar as operações. A agricultura urbana poderá se tornar uma necessidade diante de um horizonte, em 2050, em que 70% da população mundial deverá estar morando nas cidades. “Produzir na água é estar produzindo de maneira adaptativa ao clima. Isso nos obriga a ser inovador. Na água você está ‘fora da grade’ e isso significa que você tem de cuidar de sua própria comida, energia, água e resíduos”, ressalta van Wingerden.

Ecossistema holandês

Segundo maior exportador mundial de produtos do agro, a Holanda país investe em clusters de alta tecnologia (Foto: thinkstock)

 

Vista da ilha de Itamaracá, de 1637, é um dos únicos quadros da Mauritshuis (Casa de Maurício), o principal museu de Haia, que remete o visitante ao tempo do domínio holandês no nordeste do Brasil. O óleo sobre tela, de Frans Post, passa quase despercebido frente às obras-primas do museu – A moça do brinco de pérola (Vermeer) e A lição de anatomia do Dr. Tulp (Rembrandt) –, mas retrata uma paisagem que o conde João Maurício de Nassau, o dono da casa, se acostumou a ver entre 1637 e 1644, durante sua estada no Brasil.

Nesse período, Nassau governou o Brasil holandês, contratado pela Companhia das Índias, multinacional que detinha o monopólio da navegação e do comércio com as Américas e a África Ocidental. Enquanto Nassau administrava a nova colônia nos trópicos, dois arquitetos flamencos construíam seu imponente palacete no melhor bairro de Haia, capital da Holanda.

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Nassau teria bancado sua casa não apenas com os salários recebidos do seu empregador, mas com toda a sorte de recursos que pôde arrecadar no Brasil. Demitido pela multinacional holandesa em 1644, sob a acusação de gastar mais do que arrecadava, prática usual no Brasil desde os idos de 1500, o conde teria cometido outros deslizes, como aceitar favores dos senhores de engenho em troca de apoio ao setor açucareiro nordestino. Não à toa, a Casa de Maurício ficou conhecida pejorativamente como “Palacete do Açúcar” entre o pessoal da Companhia das Índias.

 

Há quem diga que toda essa história não passa de “fake news”. A crise com os patrões teria sido resultado da discórdia de Nassau com a política da Companhia das Índias de pressionar os produtores de açúcar com impostos abusivos; e a “gastança” do governador holandês, causada pelos investimentos na melhoria da infraestrutura de Recife, com a construção de pontes e canais, a criação do Jardim Botânico, de museus e de um zoológico.

Tradição comercial

Quase quatro séculos depois, o açúcar brasileiro ainda chega à Holanda por um grande porto, situado a menos de 30 quilômetros da Casa de Maurício. Roterdã recebe do Brasil não apenas açúcar, mas também soja, celulose, madeira, sucos, carnes, café, frutas, cacau e centenas de outros produtos agrícolas. Entre janeiro e agosto deste ano, as exportações brasileiras à Holanda somaram mais de US$ 8 bilhões, ou 5% do total exportado pelo Brasil, sendo US$ 3 bilhões de produtos do agronegócio. A maior parte dos produtos que os holandeses importam do Brasil são reexportados.

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Com uma longa tradição mercantil e uma localização privilegiada, a Holanda é o segundo maior exportador mundial do agro (US$ 112 bilhões), atrás apenas dos Estados Unidos e à frente da Alemanha (US$ 101 bilhões) e do Brasil (US$ 88 bilhões). Os dados são da Central de Estatística da Holanda (CBS).

Estufa de flores (Foto: Mediatheek Rijksoverheid)

 

Aula de decoração no World Horti Center, próximas ao Porto de Roterdã (Foto: Bruno Blecher)

 

Localizada no centro das três maiores potências (Alemanha, França e Reino Unido), o país é o principal “hub” do mercado europeu. O Porto de Roterdã e o Aeroporto de Schiphol, conectados a uma extensa malha de rodovias, ferrovias, aeroportos e hidrovias, dão acesso a 500 milhões de consumidores em 18 horas no máximo, o que facilita o acesso de alimentos frescos. O porto opera com satélites e rôbos e tem mais de 100 quilômetros quadrados. Recebe os maiores navios do mundo. Nos terminais, as cargas a granel ou em contêineres são transferidas para caminhões, vagões ou barcos, que seguem pelos rios para quase toda a Europa.

Nos arredores de Roterdã, o município de Westland é um “ecossistema do agro”, como descreve Herwi Rijsdijk, diretor da ABC Westland. O agricluster é formado por empresas de exportação, importação, logística, processamento, distribuição, câmaras frias, 4.500 hectares de estufas (para flores e hortifrútis.

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A ABC Westland é um parque industrial composto por empresas de quase todos os elos da cadeia de alimentos e que recebe mais de 4 mil produtos de vários cantos do mundo: abacaxis da Costa Rica, uvas da África do Sul, óleo de palma da Malásia, cacau da Costa do Marfim, bananas do Equador, batata-doce dos EUA, manga do Brasil, vegetais da Croácia, frutas do Chile. Um delicioso e colorido supermercado global. Fruta é o produto agrícola mais importado pela Holanda (cerca de 5 bilhões de euros em 2015).

 

Em Westland também está o World Horti Center, um centro de conhecimento e inovação da horticultura em estufa. Lá as pessoas se encontram para fazer negócios, estudar, trocar informações, pesquisar e criar. Nas salas de aulas, há uma preocupação constante em conectar a teoria à prática – alunos da área de agronomia aprendem a preparar pratos com os alimentos que cultivam na estufa; quem cultiva flores e plantas tem aulas de decoração.

Flores e plantas ornamentais são os principais produtos da pauta de exportação holandesa (8,3 bilhões de euros), seguidas por laticínios e carne. A Holanda tem a maior indústria de processamento de cacau do mundo. A maioria dos grãos de cacau importados, da pasta e da manteiga vem de países africanos (Costa do Marfim, Gana, Camarões e Nigéria), o que tornou o país um grande exportador de chocolate.

Ernst van der Schans, proprietário da fazenda Den Eelder, em Poeldijk (Foto: Bruno Blecher)

 

Vacas e rôbos

As famosas vaquinhas holandesas, uma espécie de símbolo do país, rendem 6,3 bilhões de euros com exportação. Com um rebanho de 1,6 milhão de vacas, o país produz 13,3 bilhões de quilos de leite, dos quais mais de 50% são transformados em queijos. O setor movimenta 10,2 bilhões de euros por ano. Desta receita, 65% vêm da exportação para países da Europa, China, Estados Unidos e Arábia Saudita. O segredo da alta produtividade é a genética apurada das holstein-friesian e a tecnologia de ponta.

Na fazenda Den Eelder, em Poeldijk, quem faz quase todo o trabalho são as 500 vacas em lactação.  Na verdade, os rôbos, explica Ernst van der Schans, proprietário. Ao buscar alimento, a própria vaca escolhe a hora da ordenha. Enquanto ela come a ração, um robô higieniza as suas tetas e instala as válvulas que retiram o leite. Investir na automação, segundo van der Schans, permitiu reduzir o custo de mão de obra e eliminar o risco de contaminação. Além de leite, a Den Eelder produz iogurte, sobremesas e manteiga.

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Com o sistema robotizado, a fazenda consegue avaliar as condições de saúde do animal e saber o melhor momento para a inseminação. Em média, cada vaca é ordenhada três vezes ao dia e produz 36,2 litros diariamente. Den Eelder é um negócio sustentável. Os 70 quilos de esterco que cada vaca produz por dia são convertidos em gás metano, que vira eletricidade, fertilizante e calor. A propriedade também dispõe de painéis solares. Tudo isso permite à Den Elder produzir hoje 75% de toda a energia que consome.

Matéria publicada na edição nº 398 da Revista Globo Rural, de dezembro de 2018.

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Source: Rural

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