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Sebastião Barbosa, presidente da Embrapa em entrevista em Brasília (Foto: Adriano Machado/Ed. Globo)

 

O engenheiro agrônomo Sebastião Barbosa, que assumiu, em outubro, a presidência da Embrapa, tem pela frente o desafio de encontrar soluções para a falta crônica de recursos que tem limitado os investimentos nos últimos anos. Pesquisador aposentado da Embrapa, onde ingressou em 1976, ele foi escolhido num processo de seleção, que contou com outros 15 candidatos, para um mandato renovável de dois anos. Sebastião aposta nas parcerias com o setor privado, principalmente as associações de produtores rurais. As parcerias hoje respondem por 20% dos gastos com projetos e pesquisa. Filho de um agricultor sem-terra da Zona da Mata mineira, Sebastião discorda de que a prioridade da entidade seja o agronegócio e diz que há “proselitismo político” nas críticas à empresa. Na entrevista, ele explica por que as despesas com pessoal representam 80% do orçamento.

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Globo Rural  O senhor é filho de um trabalhador sem-terra?
Sebastião Barbosa  Com muito orgulho, sou filho de um agricultor sem-terra. Meu pai era de uma família de cafeicultores de Guaraciaba, na Zona da Mata de Minas Gerais. Eles perderam tudo na crise provocada pelos altos estoques de café em 1937. Era uma família grande, todos analfabetos. Então meu pai foi para o município vizinho de Viçosa, onde uma grande escola estava sendo construída. Ele participou como operário braçal da construção da Universidade Federal de Viçosa, sem imaginar que um dia eu pudesse estudar e me formar lá. Todos os dias, após deixar a obra, nos finais de semana e nas férias, meu pais e tios trabalhavam em sítios de terceiros, onde cultivavam feijão consorciado com lavouras de milho.

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GR  Como o senhor vê as críticas de que a Embrapa prioriza o agronegócio?
Barbosa  A Embrapa trabalha com todos os agricultores. Com os pequenos da base familiar, com aqueles que fazem a agricultura orgânica, da agroecologia, da produção integrada, do médio ao grande agronegócio, tanto convencional como transgênico. Na verdade, a Embrapa trabalha para a agricultura, seja ela qual for. Esse conceito precisa ser revisitado, bem discutido. É preciso entender que os grandes produtores são ávidos por novas tecnologias, são organizados e vão à fonte em busca de resultados, muitas vezes financiando parte das pesquisas. Por isso muitas vezes aparecem mais.

GR  E os pequenos produtores?
Barbosa  Quando a Embrapa investe em ciência e tecnologia para gerar uma variedade nova, ela pode ser usada pelos grandes e pelos pequenos. A Embrapa é uma casa de ciência, de tecnologia e inovação. Não podemos nos guiar por ideologia e muito menos por proselitismo político. Nosso cliente é o agricultor e as pessoas de todas as classes da sociedade brasileira.

GR  Como o senhor analisa o fato de mais de 80% do orçamento da Embrapa ser com gastos de pessoal?
Barbosa  É preciso entender que na fundação da empresa havia recursos para construir as unidades físicas, equipar laboratórios. Depois da infraestrutura estabelecida, o gasto maior tem sido realmente com pessoal. Mas vale ressaltar que é um pessoal caro. São pesquisadores treinados nas melhores universidades do Brasil e do mundo. São bem pagos pela sociedade. Esse custo é alto, e temos de ser criativos para buscar apoio no setor privado, inclusive com organizações de pequenos produtores, porque há sempre alguém disposto a financiar as pesquisas.

 

GR  Qual a participação do setor privado hoje?
Barbosa   Representa 20% do orçamento dos nossos projetos e pesquisas. Precisamos aumentar ainda mais. Temos de ser criativos para sair dessa situação, porque hoje os recursos são limitados. Na cultura da Embrapa, a gente estava acostumado a preparar um projeto de pesquisa sabendo que havia recursos para a execução. Agora chegamos a uma situação em que garantir os salários e os direitos dos empregados da Embrapa já é uma grande coisa. Nós é que temos de sair e procurar recursos para garantir as pesquisas.

GR  Mas sem investimento não há renovação de infraestrutura.
Barbosa  É claro que nossa infraestrutura de laboratórios, casas de vegetação, campos experimentais, máquinas e veículos correm o risco de, com o passar do tempo, virarem sucata se a gente não voltar a investir. Infelizmente, nos últimos anos a Embrapa não tem tido orçamento para investir. Basicamente é para manutenção e custos operacionais. Precisamos voltar a investir na renovação da infraestrutura e também na capacitação continuada das pessoas. Há necessidade de os pesquisadores manterem contato com o mundo. Não podemos nos isolar.

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GR  Como o senhor vê as críticas de que a Embrapa vive dos frutos do passado?
Barbosa  Temos muito orgulho de nosso passado, que é muito glorioso. O resultado está aí. Na verdade, a Embrapa está viva e trabalhando ativamente para manter os negócios agropecuários funcionando. Temos de melhorar as condições e investir pesadamente em tecnologia para o futuro, porque nossos competidores estão de olho e investem muito mais que nós. Há um aspecto que deve ser analisado: quando a agricultura brasileira era atrasada, o impacto de uma nova tecnologia era muito grande. Depois que o país se desenvolve, as pessoas se vangloriam da agricultura moderna, mas esquecem que isso é resultado do trabalho dos pesquisadores que estão em bons laboratórios, nos campos experimentais e nas fazendas dos agricultores.

GR  E o orçamento para 2019?
Barbosa  Vai depender do novo governo, que toma posse em janeiro. Hoje, o orçamento da Embrapa está contingenciado. Teremos de trabalhar de maneira inteligente, com os diferentes órgãos do governo, para captar recursos. Vamos também procurar recursos fora, seja em entidades de classe de produtores, cooperativas e até mesmo em organismos internacionais. Há governos estrangeiros interessados em investir em áreas como a agricultura familiar. Teremos de buscar recursos extra-Tesouro.

 

GR  Existe risco de enxugamento da Embrapa?
Barbosa  Teremos um novo governo a partir de janeiro e precisamos primeiro conhecer as diretrizes. A Embrapa hoje não tem em sua agenda proposta de demitir pessoas e eliminar unidades. Mas precisamos estar atentos a uma situação nova, pois sabemos que há uma limitação de recursos e sabemos que seremos chamados para ser mais eficientes. Precisamos que cada empregado da Embrapa se comprometa a fazer uma revisão do que está fazendo.

GR  Como o senhor analisa o impacto da agricultura digital?
Barbosa  É uma transformação  que está acontecendo com rapidez em todos os aspectos da vida. Alguém já disse que mais da metade dos produtos que vão ser utilizados nos próximos 20 anos ainda não foi descoberta. Na agricultura é a mesma coisa. O que causa impacto é que com todo desenvolvimento a gente vê pessoas no meio rural na miséria, quando podiam ter acesso à tecnologia e informações para intensificar as práticas sustentáveis. Elas poderiam gerar renda, gerar empregos e viver com dignidade.

GR  E o processo de internacionalização da Embrapa?
Barbosa  Vamos manter a política atual, com os laboratórios internacionais. Temos pesquisadores trabalhando com equipes no exterior para acompanhar o desenvolvimento de tecnologias de ponta, que são repassadas aos pesquisadores das unidades da Embrapa. É um esforço importante, que precisa ser fortalecido. A empresa trabalha junto com o Itamaraty em muitos países africanos, visando à segurança alimentar. A Embrapa já é considerada uma multinacional da agricultura. Temos 41 unidades de pesquisa, de Boa Vista (RR) até Pelotas (RS), no extremo sul do país.

GR  É possível transferir a pesquisa para o setor privado?
Barbosa  Acho que não. O setor privado tem um papel muito importante, mas sua sobrevivência é o lucro. Há situações em que o lucro proporcionado pela pesquisa não é imediato. É por isso que a sociedade precisa assumir grande parte desse custo. O setor privado não está interessado em desenvolver uma variedade resistente a uma doença que ocorre só no Brasil. Não está interessado em uma variedade resistente à salinidade da água e dos solos de algumas regiões do Brasil. Nós é que temos de fazer isso para resolver fatores limitantes como pragas e fatores como salinidade, mudanças climáticas e acidez dos solos.

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Source: Rural

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