Capítulo sobre a galinha frita que mostra que até na cozinha existe preconceitos (Foto: Pixabay/Sharonang/Creative Commons)
Já faz tempo que presto atenção num cozinheiro de Nova York que é coreano, foi criado nos Estados Unidos, em uma família de imigrantes que se adaptava aos poucos, comendo tanto as suas coisas costumeiras como as maiores americanices. Na verdade, a mãe primava por fazer coisas da terra, e ele se envergonhava um pouco dos seus lanches no colégio, com um cheiro perfurante de conservas, e também se queixava de não poder levar os colegas em casa para o almoço, pois estranhariam muito. A cara dele desde pequeno mostrava que era inteligente, cheio de opiniões e ideias, e que pensava por si próprio com um bom grau de crítica e ceticismo. Agora, a moda é chamar os nossos medos de “as saídas da zona de conforto”. Cozinhar sem receita é como se jogar de paraquedas, beeeem longe da tal zona de conforto que é o delivery.
Está fazendo grande sucesso com seu restaurante, que foi a profissão que escolheu. Adora comer e já dá para ver isso na circunferência de sua ainda jovem barriga, e para nosso deleite apareceu na Netflix uma série sobre ele. Ugly Delicious é o nome. Bem natural, nada de hortas a se perder de vista em lugares distantes, nem comidas nas quais pensamos duas vezes antes de provar. Ele é simples, só quer comida gostosa e sem muita complicação.
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E se põe a procurar a melhor pizza, a melhor sopa, a se intrigar com a semelhança entre as comidas dos mais variados continentes. Um pastel aqui, uma trouxa ali, um ravióli acolá, e se indigna um pouco por todos amarem os raviólis italianos e não os dim sum chineses, tão parecidos…
Não tem a mínima vergonha de falar em comida de mãe, de avó, de comida caseira, que no fim acaba sendo sempre a melhor, por causa do amor contido nelas. Fala em amor sem se achar brega, ele sabe das coisas.
De tanto passear pelo mundo e restaurantes afora, começa a misturar as comidas, e, como é jeitoso e inteligente, acerta sempre. Quem diria? Comida vietnamita com a de Nova Orleans?
Ele deleita-se com os frutos do mar, o lagostim vivo, o modo de fritar um peixe, quantos mistérios dentro da comilança desse mundo!
Conversa com a autora inglesa Fuchsia Dunlop, que morou na China e estudou sua comida a fundo. Vale a pena lê-la. Aconselho a vocês. É inteligente, fácil e engraçada.
No fim, o que acompanhamos, mesmo, é a sua real apreciação por tudo que se come, uma paixão pelo lámen, ou rámen, a sopa de macarrão com caldo precioso, e de tanto prová-la até adoece numa visita ao Japão.
Adora galinha. Acha que a galinha é daqueles bichos que na primeira vez que foi visto pelo homem já se tornou comestível, não havia outra coisa a se fazer com ela do que assá-la ou ensopá-la.
E nos traz um capítulo sobre a galinha frita que mostra que até na cozinha existe o racismo, quem diria!
Já ia me esquecendo que o restaurante chama-se Momofuku e o nome dele é David Chang. Qual a vantagem dessa série? Franqueza, naturalidade e a capacidade de abrir nossos horizontes para a comida alheia guiados por um simpático e carismático rapaz coreano-americano.
Outra vantagem ou desvantagem, conforme o ponto de vista é a vontade louca, o desvario em que ficamos para comer frango frito.
Nina Horta é cozinheira, escritora e propietária do bufê Ginger. É autora dos livros Não É Sopa (uma mistura de crônicas e receitas) e Vamos Comer. Este artigo foi publicado originalmente em maio de 2018, na edição nº 391 da Revista Globo Rural.
Source: Rural