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(Foto: Max Pixel/Creative Commons)

 

Nosso mundo é, para não dizer outra coisa, curioso: enquanto quase 900 milhões de pessoas sobrevivem à fome diariamente, outro 1,12 bilhão de pessoas lutam contra a obesidade. Planeta paradoxal. Paradoxal e ineficiente, porque, nesse cenário tragicômico, reina ainda o desperdício de alimentos. Segundo a FAO, jogamos na lata de lixo 1,3 bilhão de toneladas de alimentos anualmente.

Impressionantes 33% do que produzimos são perdidos, seja no consumo final, no sistema de produção, no transporte ou no armazenamento. No Brasil, os números são mais assustadores, beirando os 64% de desperdício de tudo que se planta. É como se cooperássemos para que a profecia malthusiana se concretizasse e o mundo se visse às voltas com a fome e, dessa vez, ironicamente, não por falta de alimentos, mas por descuido e falta de consciência humana. Ainda assim, Thomas Malthus, que no século XVIII previu que a população cresceria a uma taxa geométrica e a capacidade de produzir alimentos não acompanharia a demanda, permanece errado.

Luiz JosahKian (Foto: Divulgação) 

Superamos as catástrofes alimentares com a Revolução Verde nos anos 1970, com o uso de tecnologias. Contudo, em alguns lugares a praga malthusiana pegou, como na Somália, na Etiópia ou no sumiço das batatas na Irlanda do século XIX, uma página da história impregnada na mente daquele povo até os dias atuais.

Olhando para frente, o fantasma de Malthus ainda assombra. Em pouco tempo, o planeta estará com 9 bilhões de pessoas com uma expectativa de vida maior. Isso significa que nunca antes na história tanta gente viveu simultaneamente no planeta. Nem mesmo se somarmos toda a população mundial que já passou por aqui, atingiríamos esse número.

Driblamos Malthus uma vez e é provável que driblaremos mais uma, mas isso requer mudança de atitude de quem produz e de quem consome. Se para vencermos o desafio de aumento de produção nos anos 1970 tínhamos a nosso favor novas tecnologias e a possibilidade ainda irrestrita de incorporar novas áreas à produção, hoje o fator limitante é a expansão das terras agricultáveis. É exatamente aí que entra o Brasil, o famoso celeiro do mundo. Mesmo com as restrições socioambientais para expansão de novas áreas de produção, a América do Sul e a África são os únicos continentes que ainda apresentam margem de expansão de fronteiras agrícolas.

A África, infelizmente, por questões de instabilidade política e baixo desenvolvimento social, deverá permanecer por anos ainda sem grandes mudanças. Podemos ainda considerar a Índia em termos de área total, mas a estrutura fundiária daquele país, segmentada em milhões de pequenas propriedades, reduz acentuadamente sua potencialidade.

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Já na América do Sul, podemos reduzir as possibilidades de expansão ao Brasil, com potencial pelo menos sete vezes maior que os nossos vizinhos. Mas não podemos depender apenas de incorporação de novas áreas – esse é um bem natural finito. É preciso incorporar tecnologias ao processo produtivo e, urgentemente, nos reeducarmos do ponto de vista dos hábitos alimentares. A questão é que, segundo estimativas, estamos utilizando 4,9 bilhões de hectares em agricultura e pecuária no mundo inteiro e, se conseguíssemos zerar nosso estrondoso desperdício, pouparíamos 30% dessa área, que é cultivada única e exclusivamente para ir para o lixo.

Terra finita, tecnologias sempre em evolução, mudança de atitude: o desafio é combinar essas variáveis para exorcizar Malthus e evitar sermos lembrados como a sociedade que cultuou inutilidades e excessos como imprescindíveis.

*Luiz Josahkian é zootecnista, especialista em produção de ruminantes e professor de melhoramento genético, além de superintendente técnico da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). Este artigo foi publicado originalmente em setembro de 2018, na edição nº 395 da Revista Globo Rural.

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Source: Rural

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