Skip to main content

O Oceano Pacífico visto de Lima, Peru (Foto: Vladimir Kud/Flickr/CC 2.0)

 

Que os fenômenos El Niño e La Niña podem afetar o clima brasileiro, estamos cansados de saber. Em anos de atuação desses eventos climáticos, os regimes de chuva e as temperaturas do país variam e as mudanças podem ter impacto direto na nossa agricultura. Mas o que são, de fato, esses fenômenos? Por que eles ocorrem? Como atuam em nosso território? Fizemos uma série de quatro reportagens para responder a essas perguntas.

É muito comum ouvirmos, por exemplo, as “regras de funcionamento” dessas anomalias climáticas. Em ano de El Niño, não há dúvida: haverá alertas para a falta de chuvas no Nordeste e, no extremo sul do país, o contrário: as precipitações serão persistentes.

Ainda que muitos desses alertas sejam razoáveis e orientem os produtores nas tomadas de decisões, os efeitos das variações climáticas nunca são totalmente previsíveis. “O El Niño e La Niña são um dos principais fatores que geram variabilidade climática, mas não são os únicos”, diz o professor da Esalq/USP Paulo Sentelhas. “Há outros, inclusive atuando nos oceanos Pacífico e Atlântico. A combinação desses fatores gera variabilidade e faz com que nunca tenhamos um ano exatamente igual o outro”.

Sentelhas lembra que até a quantidade de energia emitida pelo sol tem uma certa ciclicidade e, por isso, é um dos fatores determinantes na variação do clima. Nesse contexto versátil, é importante, para o agricultor, conhecer o El Niño e La Niña além das “regras”.
 

El Niño, La Niña e neutralidade

Os fenômenos conhecidos como El Niño e La Niña são caracterizados pela variação, em relação à média histórica, da temperatura na porção equatorial do Oceano Pacífico. O parâmetro, ou “limite”, é meio grau Celsius (0,5ºC).

(Giovanna Gomes/Ed. Globo)

 

Se a temperatura esquentar 0,5 ºC além da média histórica, chamamos de El Niño. Se ela esfriar abaixo do parâmetro, temos La Niña. Dentro do intervalo, entre 0,5ºC para baixo ou para cima, é a condição chamada de neutralidade.

Para cravar se os fenômenos aconteceram ou não, os cientistas têm um critério.

Os principais órgãos de meteorologia e oceanografia aguardam cinco trimestres móveis consecutivos para bater o martelo: houve de fato El Niño, La Niña ou neutralidade. Um trimestre “móvel” é uma sequência de três meses, seguida por uma nova série iniciada pelo mês intermediário da tríade. Por exemplo: janeiro, fevereiro e março é um; o próximo será fevereiro, março, abril; depois março, abril e maio e assim por diante, até se completarem cinco períodos de monitoramento.

Cientificamente, se temperatura do Oceano Pacífico Equatorial se mantiver acima do 0,5 ºC por cinco trimestres móveis consecutivos, é caracterizado o El Niño. No caso de La Niña, se aplica a mesma lógica, mas com a temperatura abaixo dos 0,5 ºC. Já na neutralidade, são necessários cinco trimestres móveis consecutivos sem a temperatura passando do “limite”.

“É uma exigência acadêmica, um critério para determinar se aquele aquecimento ou resfriamento foi duradouro o suficiente para que se confirmasse o fenômeno”, diz Celso Oliveira, meteorologista da Somar Meteorologia.

“Vamos supor que, em um trimestre, o primeiro da observação, a temperatura suba acima do 0,5 ºC. Você talvez já veja os efeitos no clima, porque, obviamente, a atmosfera não espera a conclusão dos trimestres”, explica Oliveira. “Mas os órgãos que fazem o monitoramento não vão classificar esse primeiro trimestre como um período de El Niño. Vão esperar para ver se a temperatura vai continuar 0,5 ºC mais elevada pelos cinco trimestres móveis consecutivos. Se isso acontecer, aí sim: aquele período foi de El Niño”.

Mas, na prática, a classificação de El Niño, La Niña e neutralidade não é tão simples assim, alerta Celso. Pode haver um ou dois trimestres móveis consecutivos com aquecimento ou esfriamento além da média, mas sem a manutenção dessa condição pelos cinco trimestres.

“Temos, então, uma neutralidade com viés. Vale salientar que isso é algo importante. É natural que as pessoas pensem que o El Niño cause determinado efeito, a La Niña outro, e o meio entre eles, seria, digamos, a média histórica ou o neutro. Mas não é obrigatoriamente assim. Existem os vieses”, explica.

Segundo ele, a Somar Meteorologia utiliza, em vez de “neutralidade”, o termo “transição”. “O objetivo é não causar a falsa impressão de que, se o momento é de neutralidade, as coisas ficarão todas dentro da média, ou que a temperatura alcançará determinado valor e choverá determinado volume. Na prática, não é exatamente assim que acontece”.

Celso lembra, no entanto, que os órgãos de monitoramento costumam avisar quando os sinais dos fenômenos começam a aparecer, mesmo que o critério dos trimestres ainda não permita dizer o quê exatamente está acontecendo. “As entidades alertam: em determinado período, a atmosfera está respondendo como El Niño ou La Niña”, diz. “E mais do que isso, elas têm simulações e previsões feitas por computador, em que podem ver se o desvio de temperatura será duradouro o suficiente para caracterizar o fenômeno”.

Paulo Sentelhas, da Esalq, diz que esses modelos climatológicos indicam a condição de temperatura do oceano para os trimestres à frente. “Assim, é possível ter um indicativo. Esse ano, por exemplo, a maioria dos modelos estão indicando El Niño. Mas veja, pode acabar sendo La Niña. É probabilístico”, diz.

“Por exemplo, imagine 50 modelos. Desses, 45 estão indicando El Niño. Quatro, indicam neutralidade. E apenas um La Niña. Então eu vou apostar minhas fichas no El Niño. E a partir disso tomar uma decisão (em relação ao manejo agrícola)”, explica Sentelhas.

Leia a próxima reportagem da série: Efeitos no clima e na agricultura

Leia as outras reportagens da série:

>> El Niño e La Niña: em que momento seus efeitos aparecem
>> El Niño e La Niña: motivos do aquecimento e resfriamento da água

Gosta das matérias da Globo Rural? Então baixe agora o Globo Mais e acesse todo o conteúdo do site, da revista e outras publicações impressas do Grupo Globo no seu celular.

 
Source: Rural

Leave a Reply