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Animais pastam próximo a biodigestor, onde fica armazenado o esterco. (Foto:Abiogás/Divulgação )

 

Na Granja Haacke, em Santa Helena, no oeste do Paraná, titica de galinha e esterco bovino são sinônimos de energia e alta produtividade. Com 84 mil aves poedeiras e cerca de 400 bovinos de corte, a propriedade gera de 7 a 8 toneladas de dejetos animais por dia. Até 2012, essa montanha de esterco era armazenada em um galpão, onde ficava fermentando até ser aplicada na lavoura como adubo. Mas o cheiro era insuportável, sem contar a quantidade de moscas e outros insetos atraídos para lá.

A primeira tentativa de solução foi jogar a matéria orgânica diretamente na lavoura, sem fermentação. O esterco de galinha é considerado um dos melhores adubos para a terra – e custa caro.  Mas a alternativa continuou dando problemas aos donos da propriedade: cheiro forte e infestação de larvas e moscas. A questão virou uma bola de neve que cresceu e chegou a ser caso de polícia, por causa da denúncia de vizinhos.

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A solução veio com um vendaval que atingiu a região e destruiu um aviário da propriedade. Foi aí que André Haacke decidiu pesquisar um modelo de negócio totalmente diferente, comum em países europeus, mas com raríssimos exemplos práticos no Brasil: a fabricação de biogás.

O produtor André Haacke, de Santa Helena (PR)

 

Nilson, o pai, topou a ideia. A granja começou a produzir eletricidade, além de um poderoso biofertilizante e combustível com os dejetos animais coletados todos os dias. Atualmente, o esterco é suficiente para gerar de 10.000 a 12.000 kW por mês, conta André.

O investimento no sistema todo, incluindo obras civis, biodigestor, geradores de energia, bombas e esterqueiras, foi de R$ 700 mil, valor que, pelas contas do produtor, deve retornar em cerca de dois anos. “O custo foi alto, o retorno é lento, mas hoje já plantamos soja e milho (a família cultiva os dois grãos em 22 hectares) sem usar adubo químico. Tudo sai do biodigestor,” diz.

Com a fábrica de gás, ainda é possível direcionar parte da produção para a fabricação de biometano, que é usado numa frota de cerca de 50 veículos da Itaipu Binacional, a maior usina hidrelétrica do mundo, que está localizada nos arredores da granja. Uma pequena parte ainda abastece a caminhonete usada por André no dia a dia da fazenda. A conta de luz da propriedade, um dos maiores pesos nos custos de produção em qualquer granja, caiu de 30% a 35% por mês após a implantação do biogás, de acordo com André.

Esterco bovino ou de aves e suínos são apenas algumas das matérias-primas para a produção de gás no campo. Após anos de pesquisa e investimentos no segmento, a lista de itens que podem ser transformados em gás e depois em energia é extensa. E o Brasil sabe executar todos os processos técnicos para a produção do biogás, afirma o engenheiro eletricista e diretor-presidente do Conselho Internacional de Energias Renováveis (Cibiogás), Rodrigo Regis. “Tudo que é orgânico tem potencial de gerar biogás, alguns produtos mais, outros menos. Resíduos da própria colheita de grãos, a vinhaça da cana-de-açúcar, o esgoto tratado, aterros sanitários e até grama podem gerar biogás”, acrescenta Rodrigo.

Operador abastece trator movido a biometano

 

Potencial reprimido

Embora domine as tecnologias de fabricação, o Brasil ainda aproveita pouco o potencial disponível no campo para a produção de biogás. Levantamento do Cibiogás e da Abiogás, entidades que reúnem empresas do segmento, aponta que a capacidade nacional é gerar entre 80 milhões e 90 milhões de metros cúbicos por dia. O volume considera os resíduos agropecuários, mas os dejetos animais e da cana-de-açúcar (palha, torta e vinhaça) têm maior peso na conta.

O país é o maior plantador de cana do mundo e o segundo maior produtor de proteína animal – no ranking de exportação, lidera as vendas de carnes. “Se transformássemos todo esse potencial em energia elétrica, o Brasil seria capaz de suprir 24% da eletricidade na matriz energética e 47% do diesel”, afirma Rodrigo.

Somado a esse potencial, há um benefício ambiental, afirma o engenheiro. Isso porque o biogás gerado a partir dos resíduos agropecuários tem pegada de carbono negativa, ou seja, retira CO² do meio ambiente, o que contribui com a redução dos gases de efeito estufa, que provocam o aquecimento global.

A possibilidade de armazenamento é outro ponto forte do biogás. Diferentemente das energias solar e eólica, que dependem da incidência de luz solar e dos ventos, respectivamente, o gás pode ser armazenado e usado conforme a necessidade.

 

A participação do biogás na matriz energética brasileira vem crescendo nos últimos anos, mas representa apenas 0,05% da oferta interna de energia no país.

Com a aprovação do Programa Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), a cadeia do biogás espera que daqui para a frente o produto ganhe competitividade junto a outros biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel.

“Com uma política bem definida e de longo prazo, cada cadeia de produto vai poder pensar a capacidade para reduzir as emissões fósseis. O setor investiu mais de R$ 400 milhões em tecnologia e tem hoje unidades de demonstração confirmando a viabilidade para todo tipo de matéria-prima, do lodo de esgoto à palha de cana. A pauta a ser trabalhada é uma linha de financiamento específica, que ainda não existe”, diz Alessandro Gardemann, presidente da Abiogás.

“O desafio que temos é criar condições regulatórias para os investidores colocarem dinheiro no processo. O maior receio do produtor é a segurança do retorno garantido. A soja é commodity. De modo geral, a energia também. Mas, no caso do biogás, entra como energia distribuída, que não é commodity. Por que não poderíamos vendê-la?“, questiona Rodrigo.

A indústria de maquinários agrícolas corre em paralelo no aperfeiçoamento de motores movidos a biogás. A New Holland, pioneira no assunto, acredita que em pouco tempo lançará comercialmente um trator a biometano.

“O rendimento volumétrico do biometano em relação ao diesel é menor. Precisa-se de mais tanques para ter a equivalência do diesel. O primeiro protótipo tinha autonomia para cinco ou seis horas de trabalho. No segundo, fizemos ajustes e conseguimos nove horas”, afirma Nilson Righi, gerente da marca. O executivo calcula que dentro de dois anos a New Holland lançará comercialmente um trator com a tecnologia.

Fonte: Conselho Internacional de Energias Renováveis (Cibiogás)

Fotos: © Alexandra Marchetti/divulgação

 
Source: Rural

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