Skip to main content

Os alimentos são comercializados em feiras das cidades vizinhas (Foto: Reprodução/TV Globo)

 

Imagine você no comando de uma fazenda de 1.000 hectares, numa época de negócios globalizados como hoje, em que algumas commodities agrícolas valem até mais que ouro. A história de muitos poderia ser a mesma: exploração de todas as áreas agricultáveis dessa propriedade para atingir o máximo de produção e contar com um faturamento grandioso.

Pois bem, esse não foi o caminho que o agricultor Alberto Martins escolheu para a propriedade que ele e a mulher herdaram em Morro do Chapéu, no centro-norte da Bahia, a 385 quilômetros de Salvador. A primeira decisão foi manter mais de 90% da área preservada com vegetação natural e depois optou-se pela produção de frutas, legumes, verduras e raízes, tudo no sistema orgânico.

O agricultor Alberto Martins (no destaque), de Morro do Chapéu (BA)

 

A escolha de Alberto pela produção orgânica teve um empurrão decisivo de um movimento que vem tomando corpo entre os agricultores familiares e pequenos produtores da região da Chapada Diamantina: o da busca pela certificação participativa de produção orgânica, na qual os próprios agricultores se organizam em grupos e fiscalizam-se entre si para conquistar e depois manter o selo de orgânico em suas propriedades.

Quem vê os 20 hectares de horta plantados pelo Alberto acha que está numa Torre de Babel agro: tem milho, cenoura, dois tipos de cebola – a branca e a roxa –, tomate, beterraba, pimentão, dois tipos de pepino, além de abóbora, maracujá e melancia. “Hoje, produzo cerca de 18 produtos. Dá umas 50 toneladas por ano, sem usar nenhum produto que agrida o solo. Na verdade, isso é a prova de que não precisa de química para produzir bem”, conta, orgulhoso.

 

Toda a produção é vendida nas feiras da vizinha Irecê, a 40 quilômetros de Morro do Chapéu. Uma venda praticamente garantida, porque, segundo Alberto, a produção não dá para atender à crescente demanda pelos orgânicos. “O mito de que o orgânico tem de ser feio, tem de ser pequenininho, acabou. Hoje, os nossos produtos, além de saudáveis e de ótima qualidade, são iguais ou até mais bonitos que os convencionais.”

Alberto entrou na produção de orgânicos há três anos, quando foi convidado para entrar num grupo de agricultores na busca pela certificação participativa. O processo funciona em três níveis de hierarquia: primeiro, dos grupos formados pelos agricultores ainda sem certificação; o segundo, dos núcleos fiscalizadores; e, por último, das organizações participativas de controle social, as Opacs, creditadas pelo Ministério da Agricultura para fornecer o selo. Nos dois últimos níveis, só atuam os produtores já certificados.

 

O esquema funciona assim: os agricultores formam os grupos, geralmente de 12 produtores, em média. Eles recebem dos núcleos fiscalizadores um plano de manejo e uma lista de tarefas para deixar as propriedades aptas à certificação. Durante um ano, em média, o acompanhamento das realizações das tarefas é feito pelos próprios companheiros do grupo, na chamada fiscalização de pares, quando ao menos dois integrantes vão à propriedade de outro membro e checam como está o andamento das adaptações para a produção orgânica. Entre os itens a serem conferidos estão as práticas de produção sem agrotóxicos ou adubos químicos, a inexistência de hábitos contrários ao método adotado, como o uso de queimadas e a existência de erosões, e a formação de cercas-vivas para isolar a propriedade de vizinhos com produção convencional.

Seleção dos frutos pelo produtor Érico Sampaio

 

Depois que todas as propriedades visitadas estiverem nos padrões para a certificação, é convocada a vistoria dos fiscais do núcleo, que vão checar se todos os padrões estão em conformidade para a certificação. Se alguma irregularidade for anotada, os fiscais dão um novo prazo para que os acertos sejam providenciados. Se tudo estiver em ordem, a documentação da propriedade é encaminhada para o terceiro e último nível, o das organizações participativas, que cadastram os novos produtores junto ao Ministério da Agricultura para a obtenção do selo. Todo o processo pode demorar de seis meses até cinco anos, dependendo da propriedade.

A certificação participativa surgiu para ajudar os agricultores familiares e os pequenos produtores a obter o selo orgânico, que sai praticamente de graça. Isso porque o outro meio de se buscar a certificação, por auditoria, é considerado caro para esse perfil de produtor, como é o caso de muitos na região central da Bahia. Nesse modelo, o agricultor tem de contratar uma empresa certificadora, que irá cobrar pela elaboração do projeto e custos das vistorias técnicas. Em média, uma certificação por esse meio pode custar R$ 15 mil.

Por esse motivo, a procura pela certificação participativa só cresce nessa região da Bahia. No início, há dois anos, 54 produtores aderiram ao programa. Agora, já são cerca de 200 agricultores certificados. Entre eles, Érico Sampaio, que se juntou a um grupo de produtores vizinhos a sua propriedade em Morro do Chapéu para conseguir o selo para a produção de morangos orgânicos. Junto com os três filhos, que estudam nas áreas de agrárias, ele cuida de uma plantação de 20 mil pés em produção nos 8 hectares do sítio.

Plantação de morango 

 

Érico colhe morango o ano inteiro e, no período mais frio, chega a fazer três colheitas por semana, mais de 1 tonelada por mês. Mas o que impressiona é a qualidade da fruta produzida sem nenhum veneno. São frutos bonitos, bem formados e saborosos, com alto teor de açúcar.
O primeiro segredo dos morangos de Érico está no clima da região. “Isso é um privilégio pra gente. Morro do Chapéu está a mais de 1.000 metros de altitude. E essa condição climática nossa favorece, já que, para poder produzir, o morango depende de temperaturas amenas e frias, com 18 oC, para poder florar. E a gente consegue ter isso quase o ano inteiro, porque as noites aqui são muito frias”, conta Érico.

Outro segredo para os “morangos de cinema” do Érico está num fertilizante natural que ele mesmo desenvolveu, o biogel, uma mistura com esterco de vaca, água, cinza de fornos de padarias, que é rica em potássio, fósforo e cálcio, além de pó de rocha. “Com o biogel, a gente procura dar uma boa base nutricional à planta, para suprir a sua necessidade e, assim, equilibrada, ela possa produzir bem o ano inteiro.”

Érico Sampaio, que produz em 8 hectares no Morro do Chapéu

 

Érico vende a caixa com cerca de 1,2 quilo de morango a R$ 12. Seu custo de produção gira em torno de R$ 5, um lucro de mais de 100%. “A gente tem um pouco mais de perda, pois descarta mais frutos devido ao nosso manejo ser orgânico. Mas, por outro lado, não gastamos com adubos químicos nem com agrotóxicos. Por isso, existe essa porcentagem maior de lucro”, conta ele. 

Entusiasmados com o certificado que está chegando, Érico e os filhos sonham alto. Querem chegar aos 30 mil pés de morango ainda este ano. “A ideia é vender nossos morangos em Salvador e até mais longe. Queremos mostrar que é possível produzir com qualidade e respeito à natureza.  E o meu prazer maior é ver os meus filhos acreditando que estamos no caminho certo”, diz Érico.

*Fernando Schwarz é editor do Programa Globo Rural, da TV Globo

A matéria foi publicada na edição 392 da revista Globo Rural, em junho de 2018, e foi ao ar no programa Globo Rural, da TV Globo, no dia 10 de junho de 2018. 

Foto: © reprodução

 
Source: Rural

Leave a Reply