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Todo agricultor conhece muito bem pelo menos duas ou três espécies de ácaros. Um deles é o ácaro rajado e outro, o ácaro branco. E mais, sabe ainda que eles causam problemas sérios em cultivos de feijão, algodão, mamão, soja e muitos outros. Há também os produtores que conhecem o ácaro-da-leprose, que causa danos principalmente em citros, como vetores de vírus.

Estes todos são ácaros que atacam plantas, ou seja, fitófagos, e que assim o fazem porque ao longo da evolução tiveram seu sistema digestivo e suas peças bucais alteradas de tal forma que agora só conseguem sobreviver quando estão sobre suas plantas preferidas (não qualquer planta), e destas se alimentando.

 

Os agricultores sabem que o maior problema com o ácaro rajado em lavoura ocorre em anos mais secos. Se chove bem, os problemas usualmente são menores, seja porque a chuva consegue “lavar” as plantas retirando os ácaros, que caem no solo e depois não conseguem mais subir; seja por várias outras razões, incluindo o aparecimento de fungos que atacam os ácaros causando drástica redução de suas populações. O agricultor também sabe que os problemas com o ácaro branco são maiores na época da chuva. Isto ocorre também com alguns outros ácaros.

O produtor experiente sabe que muitos ácaros, como o rajado, causam mudanças na coloração das folhas das plantas, que ficam amareladas ou avermelhadas, exatamente nas partes em que ocorrem mais ácaros. Mas isso não ocorre só com o rajado! Há também os ácaros-vermelhos, alguns atacam mais o feijão, outros o cafeeiro, o tomateiro, etc. Estes são parentes próximos do rajado, e por isso causam problemas parecidos.

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Já o ácaro branco, muito mais delicado e pequeno, causa danos muito diferentes. A mudança de cor da planta, neste caso, não é muito evidente, mas as plantas por este atacadas ficam deformadas, suas folhinhas não crescem normalmente, se retorcem, às vezes ficam como que rasgadas. Como este ácaro também ataca outras partes da planta, por exemplo, as vagens do feijoeiro ou o fruto do pimentão, estes ficam pequenos ou deformados. Em outras palavras, pelo tipo de dano pode-se distinguir bem certos tipos de ácaros.

Além destes ácaros, há muitos outros que o agricultor conhece, dependendo da espécie de planta que cultiva. Como exemplos, temos o ácaro-da-ferrugem-do-citros, o ácaro-vermelho-das palmeiras, o ácaro-verde-da-soja, e outros.

Para evitar perdas na produção, o agricultor usualmente investe grande parte de seu tempo e recursos controlando os ácaros. Na maioria das culturas, o agricultor tradicionalmente faz uso de produtos químicos. Nesse caso, todo cuidado precisa ser tomado, para evitar outros tipos de problemas, já que que estes produtos podem causar danos ao ambiente e ao próprio ser humano, devido à toxicidade. Além disso, muitos produtos que hoje funcionam bem, amanhã podem não mais funcionar, pela seleção ao longo do tempo de populações mais resistentes a estes produtos, em função do possível uso não adequado pelo produtor.

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Mas existem formas menos agressivas de controle de ácaros e insetos, algumas das quais frequentemente ocorrem sem nem mesmo o agricultor se dar conta! É o caso do controle biológico, em que organismos presentes no campo, ou liberados pelos produtores, atacam os organismos que atacam as plantas, ajudando no controle das pragas. Este tipo de controle natural é obviamente mais frequente em cultivos nos quais o uso de produtos químicos é mínimo ou inexistente. Isto permite a sobrevivência daqueles controladores e sua ação sobre as pragas.

Conhecendo a existência deste processo natural, pesquisadores de diversos países se lançaram, muitos anos atrás, ao desenvolvimento de formas de controle mais parecidas com aquelas oferecidas pela natureza. Parte destes esforços resultaram na determinação de fungos que foram selecionados e desenvolvidos para uso pelos produtores em áreas de cultivo, especialmente fungos conhecidos como entomopatogênicos, hoje comercializados largamente no Brasil e outros países.

Mas foi possível também aos pesquisadores selecionar e viabilizar o uso em larga escala de ácaros predadores. Sim, estes são ácaros diferentes dos ácaros que atacam plantas, porque têm um sistema digestivo e peças bucais que não são adaptados a se alimentar de plantas. Eles atacam ácaros (que atacam plantas) e outras pragas, como insetos pequenos, como mosca branca e tripes, além dos fitonematoides.

Os principais ácaros predadores naturalmente encontrados sobre as plantas pertencem a uma família chamada Phytoseiidae. São bem diferentes dos ácaros daninhos, sendo usualmente mais brilhantes e com uma rápida movimentação. Assim como os ácaros daninhos são dispersos de planta a planta principalmente pelo vento. Uma vez instalados numa planta, caminham em busca de seu alimento, principalmente de ácaros e/ou pequenos insetos.

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Hoje, muito se conhece hoje sobre o potencial de ácaros predadores encontrados no solo para o controle de pragas como “fungus gnats”, que são larvas de pequenas moscas que atacam o colo de várias plantas. Atualmente, estas pragas são controladas com o uso de ácaros predadores de outra família, chamada Laelapidae.

Graças aos trabalhos de pesquisa e desenvolvimento, os produtores podem controlar estas pragas de pequeno porte introduzindo em seus cultivos espécies de ácaros predadores que desempenham este papel. Existem em todo o mundo várias espécies de ácaros predadores hoje comercializadas; com pelo menos seis disponíveis no Brasil, como por exemplo Neoseiulus californicus, utilizado no controle do ácaro-rajado.

As espécies aqui disponíveis são usadas em diversos países, portanto, tem sua eficiência agrícola comprovada há anos. As vantagens do controle feito com os ácaros predadores são várias, especialmente pelo fato das pragas não se tornarem resistentes aos seus efeitos e de não serem tóxicos. No Brasil, isso já vem ocorrendo em cultivos de morango e plantas ornamentais.

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As pesquisas continuam em todo o mundo para melhorar a eficiência do uso dos ácaros predadores. No Brasil, os esforços se concentram principalmente na busca de novas espécies ou populações de ácaros predadores adaptadas às condições das diferentes partes do país em que cada cultivo é realizado. Há também a utilização desses predadores para o controle de parasitas de animais. Um exemplo é a utilização de ácaros edáficos Macrochelidae para o controle de larvas da mosca-dos-estábulos.

Além disso, busca-se aprimorar os métodos de aplicação prática dos predadores no campo, automatizando a detecção de focos da praga com sensoriamento remoto em cultivos de grandes dimensões (como é o caso do algodão e da soja). Posteriormente, as liberações são feitas no local com o uso de drones. Tal forma de aplicação viabiliza o uso do controle biológico com ácaros predadores em cultivos de grandes extensões.

*Raphael de Campos Castilho e Gilberto José de Moraes são Professores da Esalq/USP e pesquisadores do SPARCBio, sigla em inglês para Centro de Pesquisa Avançada em Controle Biológico de São Paulo.

**as ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da Revista Globo Rural
Source: Rural

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