Skip to main content

Depois de 67 anos da instituição do “seguro agrário”, atualmente denominado como seguro agrícola, o Brasil segue buscando alternativas de aprimoramento e aumento de seu potencial no país, tanto no âmbito privado como no público, por meio de Políticas Públicas com a finalidade de ampliar a dimensão das áreas cultiváveis e seguradas. Exemplo disso é o aumento da área total segurada de 68.148 hectares em 2005 para 6.903.788 hectares em 2019, no âmbito do Programa de Subvenção ao Prêmio de Seguro Rural (PSR) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

(Foto: Globo Rural)

 

Dentre os fatores que impactam a atividade agropecuária no país, as oscilações das condições climáticas ocupam um lugar de destaque e o seguro agrícola tem como uma de suas finalidades mitigar tais impactos – tanto para o produtor rural como para o mercado agrícola em geral. A título de exemplo, neste ano as safras de café, milho, feijão e hortaliças sofreram com as implicações da seca e da geada. Apenas com relação ao café houve uma redução de 22% na produção. Paradoxalmente, o levantamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) indica que no cultivo do café, orelícolas e na pecuária, o instrumento do seguro rural ainda é pouco representativo, o que infelizmente acarretará um maior prejuízo aos produtores.

Pela posição de destaque que o agronegócio ocupa no PIB do Brasil, é razoável prever que a ampliação do seguro agrícola demandará inúmeras ações no âmbito público e privado, as quais são de suma importância para segurança jurídica e desenvolvimento deste importante setor para economia.

Leia mais análises e opiniões em Vozes do Agro

Ainda que a discussão também demande uma análise dos fatores técnicos relacionados aos cultivos específicos, ao Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), condições climáticas etc., existem pontos de destaque a respeito da interpretação da legislação aplicável e do entendimento dos Tribunais brasileiros quando se deparam com ações que envolvem a indenização securitária no contexto do agronegócio. Conhecer esses entendimentos pode auxiliar o produtor agrícola, desde o momento da contratação até em caso de acionamento do seguro agrícola, minimizando as chances de futuras discussões judiciais.

Uma das principais discussões nos tribunais brasileiros gira em torno da comunicação do sinistro pelo produtor à seguradora, que geralmente se segue da regulação de sinistro (e.g. realização da vistoria para averiguar os danos, apuração do enquadramento da ocorrência aos termos da apólice), como condição para o pagamento da indenização securitária.

No caso do seguro de safra, a dificuldade está em compatibilizar o momento em que a seguradora realizará a vistoria no local e o momento em que o produtor realizará a colheita para reduzir os danos e salvar, ainda que parcialmente, a safra.

São pontos de atenção para o produtor rural a comunicação imediata do sinistro à seguradora – quando dispara o “gatilho” contratual de quebra da safra – viabilizando a realização de vistoria pela seguradora e, ainda, documentar a diminuição da produtividade e o estado geral da lavoura, especialmente caso seja necessário realizar a colheita antes da vistoria"

João Reia, Débora Chaves Martines Fernandes e Isabel de Almeida Rego Campinho

De uma forma geral, os contratos de seguros agrícolas de safra estabelecem um “gatilho” para definir o percentual de quebra da safra que poderá justificar o acionamento do seguro – a chamada faixa de cobertura. Por exemplo, se o produtor agrícola definir que o seguro deverá ser acionado a partir da produtividade de 70%, a seguradora só ressarcirá o equivalente a 30% de quebra.

Nos casos analisados, em que a seguradora negou a cobertura pactuada sob a alegação de que o segurado realizou a colheita antes do prazo contratual para a vistoria ou, ainda, que a comunicação do sinistro ocorreu após o início da colheita, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiram que a realização da colheita pelo produtor – em especial para a diminuição de prejuízos – não é causa legítima à negativa indenização securitária.

Assim, são pontos de atenção para o produtor rural a adoção de determinadas providências, tais como a comunicação imediata do sinistro à seguradora – quando dispara o “gatilho” contratual de quebra da safra – viabilizando a realização de vistoria pela seguradora e, ainda, documentar a diminuição da produtividade e o estado geral da lavoura, especialmente caso seja necessário realizar a colheita antes da vistoria.

Ainda sobre a importância de reunir e documentar os elementos que conferem ao produtor rural o direito contratual de reclamar o pagamento da indenização securitária, outro ponto que deve ser mencionado é a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos casos que envolvem contratos de seguro agrícola. A orientação predominante nos tribunais é pela aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, sendo carreada à operadora do seguro agrícola, por exemplo, a responsabilidade pela prova que justifique a negativa da cobertura. Contudo, vale destacar que a prova mínima da ocorrência do sinistro e da respectiva cobertura pela apólice do dano segurado, cabem ao produtor rural.

saiba mais

O papel dos bioinsumos em uma agricultura em transformação

O agro no Brasil representa a lógica e a racionalidade

 

Alie-se a isso o fato que o juiz também analisará a condição de vulnerabilidade técnica e informativa do produtor rural frente à seguradora no caso concreto. Caso entenda que o produtor rural tem – ou poderia ter – conhecimento compatíveis aos da seguradora, por ocasião da contratação do seguro ou do cumprimento do contrato, poderá imputar a ele o dever de demonstrar que a negativa de cobertura é ilegítima.

Portanto, a possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor será avaliada pelo juiz em cada caso concreto. Aqui, mais uma vez, é evidente a importância de registro de todos os fatos envolvendo o sinistro indenizável e a documentação de toda a comunicação com a seguradora, tendo em vista a abrangência de provas que poderão ser utilizadas nos casos em que se discute o pagamento de seguro agrícola, tais como apresentação de documentos, perícia, oitiva de testemunhas.

Por fim, mais uma questão muito debatida nos Tribunais: a interação entre a Cédula Rural Pignoratícia e o seguro de penhor rural. A Cédula Rural Pignoratícia é um título de crédito emitido por pessoa física ou jurídica tomadora do financiamento rural e lastreada no penhor rural. Já o seguro de penhor rural “tem por objetivo cobrir perdas e/ou danos causados aos bens, diretamente relacionados às atividades agrícolas, pecuária, aquícola ou florestal, que tenham sido oferecidos em garantia de operações de crédito rural”, nos termos do artigo Circular da SUSEP nº640, de 23.08.2021.

A discussão do Judiciário é sobre a viabilidade da instituição bancária favorecida da Cédula Rural Pignoratícia executá-la na hipótese de ocorrência do sinistro previsto na cobertura do seguro de penhor rural. A dúvida é se a instituição bancária poderá, após a comunicação do sinistro, exigir que a dívida seja paga diretamente pelo produtor rural (emitente da Cédula Rural Pignoratícia) ou se deverá acionar diretamente a seguradora. Nesses casos, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem entendido que a Cédula Rural Pignoratícia perde o que se entende por “força executiva” e, por esse motivo, o banco deve buscar a cobertura securitária junto à operadora do seguro de penhor rural que deu lastro ao título de crédito.

Sobre o Seguro de Penhor Rural, a Circular da SUSEP nº640, de 23.08.2021 indica de forma expressa que a garantia está restrita às perdas dos bens relacionados de maneira direta às atividades agrícolas que foram oferecidos como garantia. Citamos os seguintes exemplos de bens seguráveis: produtos agropecuários, máquinas, implementos agrícolas, produtos estocados etc. Portanto, o dano deve estar relacionado de modo direto a um dos bens seguráveis, caso contrário, poderá haver negativa da indenização securitária.

Em vista disso, a comunicação à seguradora do sinistro que deflagra o pagamento do Seguro de Penhor Rural é essencial para arguir a inexigibilidade da Cédula Rural Pignoratícia contra o produtor rural. Da mesma forma, descrever de forma clara e precisa os bens segurados – objeto do penhor rural – nos termos da Circular 640/2021 da SUSEP, é imprescindível para minimizar as chances de intercorrência com o pagamento da indenização securitária e, consequentemente, com cobranças diretas contra o produtor rural pela instituição financiadora, titular da Cédula Rural Pignoratícia.

A temática do seguro agrícola no Brasil está em ascensão, acompanhando o crescimento e a diversificação dos produtos financeiros voltados especificamente o mercado do agronegócio.

Os pontos aqui destacados certamente não esgotam todas as possíveis discussões judiciais sobre o tema, mas têm como objetivo trazer clareza aos produtores rurais sobre medidas práticas que podem ser adotadas – na contratação, execução e acionamento do seguro agrícola – para que, agindo nos limites do que vem sendo decidido no judiciário, minimizar os pontos de divergência com as seguradoras e instituições financeiras que fomentam a produção agrícola, dando relevo à importância do seguro como ferramenta de redução dos prejuízos que o agronegócio está exposto.

*João Reis, Débora Chaves Martines Fernandes e Isabel de Almeida Rego Campinho são, respectivamente, sócio e advogadas do Machado Meyer Advogados.
Source: Rural

Leave a Reply