Skip to main content

O escritor Ariano Suassuna (1927-2014) dizia que bom era ser um realista esperançoso. Mas, a considerar o que dizem ambientalistas brasileiros, a realidade atual parece dar motivos para uma postura diferente. A categoria se mostra pessimista, às vésperas da Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU).

Especialistas em meio ambiente ouvidos por Globo Rural avaliam que o Brasil não tem o que apresentar no encontro mundial, a ser realizado a partir do dia 31 de outubro, em Glasgow, na Escócia. A COP-26 terá como um dos principais temas o mercado de carbono, que visa regulamentar os incentivos econômicos à descarbonização das cadeias produtivas, ou seja, a não emissão e/ou o sequestro de CO2.

Estrada aberta em meio à floresta amazônica em Trairão, Pará (Foto: Victor Moriyama/Greenpeace)

 

Com o dióxido de carbono a todo vapor, as mudanças climáticas estão em um ritmo acelerado e a natureza cobra a conta: aquecimento global, seca exacerbada, incêndios florestais, eventos climáticos extremos mais frequentes. E não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. É preciso repensar o rumo do planeta em conjunto.

No entanto, Suely Araújo, ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, diz que a atual postura do Brasil não contribui para a diplomacia ambiental. Por isso, ela acredita que o país pouco contribuirá para o mercado de carbono, correndo o risco de agravar a má reputação que o País está construindo. 

“Eles [representantes do governo federal] vão lá de novo pedir dinheiro. Eu acho ótimo dinheiro internacional para ajudar na preservação do meio ambiente, mas primeiro precisam usar o que está disponível”, diz em entrevista à Globo Rural, ao se referir ao Fundo Verde do Clima e ao Fundo Amazônia.

saiba mais

Incêndios na Amazônia brasileira caem quase pela metade em setembro

 

Os dois programas são  de governos anteriores, criados a partir de uma curva de diminuição de desmatamentos, conforme lembra Carlos Eduardo Young, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN). Ele conta que, na época, o Brasil demonstrou capacidade de reduzir a supressão vegetal e preocupação com a agenda ambiental. Conseguiu financiamento de países como Alemanha e Noruega.

“Os recursos que já foram liberados pela comunidade internacional não foram usados, porque o atual governo discorda da forma como esse dinheiro deve ser usado. O maior beneficiário desse recurso seriam as instituições de fiscalização, como Ibama, depois ONGs e o produtor que não desmata, que mantém a floresta em pé”, explica Young, que também é coordenador do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

saiba mais

Fogo e desmatamento podem tornar Amazônia uma savana e prejudicar saúde, diz estudo

 

 

Se for para pagar um mega proprietário rural só porque tem área de preservação permanente, eu acho que a população tem que saber

Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista em políticas públicas do Observatório do Clima

Apenas no Fundo Verde do Clima, são US$ 96 bilhões. No Fundo Amazônia, são mais R$ 2,9 bilhões. Ambos foram criados com a finalidade de reverter o dinheiro em Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), inclusive permanência da floresta em pé para retenção do carbono no solo.

Segundo Suely Araújo, os estrangeiros estão cientes deste montante parado e de olho em como ele será usado. O mercado de carbono, diz ela, também é interessante para o produtor rural, mas não é todo proprietário que pode ser contemplado com o dinheiro.

saiba mais

Governo lança CPR Verde para pagamento por serviços ambientais

 

“Se for pegar um recurso vultoso para pagar grandes fazendeiros, eu questiono. Acho que os recursos prioritários para PSA têm que ser para pequeno proprietário, agricultura familiar, comunidades tradicionais. Para quem realmente esse dinheiro vai fazer diferença. Se for para pagar um mega proprietário rural só porque tem área de preservação permanente, eu acho que a população tem que saber”, ela comenta.

Sem valorizar os saberes da floresta, com orçamentos para fiscalização ambiental cada vez mais enxutos e sucessivos recordes de desmatamento ou queimadas, Carlos Eduardo Young considera que o Brasil “perdeu o poder de barganha na mesa de quem discute meio ambiente, e mesmo acordos que já estavam construídos ficam imobilizados”. Para ele, até o Acordo do Mercosul está parado, com "países europeus esperando a mudança de gestão [brasileira] para voltar a negociar”

O outro lado

O Ministério do Meio Ambiente não respondeu a Globo Rural sobre o que a pasta planeja apresentar na COP-26, como metas e cronograma de ações. No entanto, segundo a Agência Brasil, o ministro Joaquim Álvaro Pereira Leite informou que o governo lançará o Programa de Crescimento Verde, a ser apresentado pelo Brasil no evento da ONU.

“Dentro desse programa, temos um gigantesco desafio de desfazer a ideia de que o desenvolvimento da agenda ambiental tem caráter meramente punitivo, ou somente onera as ações propostas”, disse o ministro em evento do Ministério da Economia, sobre o lançamento da Cédula de Produto Rural (CPR) Verde.

Já o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) afirmou participar do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, junto com as pastas do Meio Ambiente, Economia e Ciência, Tecnologia e Inovações e nos preparativos para a COP-26.

saiba mais

Guedes diz que CPR Verde é inovação em termos mundiais

 

“Esse trabalho inclui o planejamento para a implementação da meta de descarbonização até 2050, que envolve a economia como um todo, assim como a erradicação do desmatamento ilegal até 2030, tema de competência do Ministério do Meio Ambiente”, afirmou o Mapa em nota.

Em outro trecho, o Ministério afirma ser “importante reconhecer a contribuição positiva que a agricultura pode oferecer à mitigação de emissões de gases do efeito estufa, mas também endereçar as necessidades de adaptação dessa atividade aos impactos da mudança do clima”.

“Interessa ao MAPA garantir que a formação de um mercado brasileiro de carbono crie oportunidades de negócios para os produtores rurais brasileiros, sem comprometer a competitividade do setor frente a seus principais concorrentes externos”, conclui o órgão.

Source: Rural

Leave a Reply