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Franca, capital do calçado masculino e principal município paulista da região produtora de cafés especiais da Alta Mogiana, agora avança na produção de uvas para a fabricação de vinhos finos graças à técnica da dupla poda que permite fazer a colheita no inverno, período mais seco e favorável para se obter qualidade. É o contrário do que ocorre na região sul do país, onde as uvas são podadas uma vez no ano e são colhidas no verão.

Técnica da dupla poda vem viabilizando a produção de uvas para vinhos finos na região da Alta Mogiana (Foto: Arquivo Pessoal)

 

A dupla de produtores pioneiros é formada por Mauricio Orlov, representante da indústria calçadista, e o contador Fernando Bizanha, ambos sem nenhuma experiência anterior em produção agrícola. Orlov, apaixonado por vinhos, conta que começou a buscar know how para produzir vinhos de qualidade na região dominada pelos cafezais há mais de dez anos por ver uma oportunidade interessante de unir prazer e negócios.

Ele e Bizanha foram buscar a assessoria do “pai” da dupla poda, o engenheiro Murilo Albuquerque Regina, ex-Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Regina implantou a técnica em vários municípios do Sudeste desde o ano 2000, que passaram a produzir vinhos aplaudidos em circuitos gastronômicos e premiados em concursos nacionais e internacionais pela qualidade (em julho deste ano, 14 rótulos de São Paulo e Minas conquistaram medalhas no Decanter World Wine Awards, um dos mais prestigiados concursos do setor; nove usaram a técnica da Epamig).

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O especialista analisou clima, solo, hidrologia e amplitude térmica e concluiu que a Alta Mogiana poderia produzir bons vinhos e surpreender o mercado. A dupla de Franca começou, então, a busca pela fazenda ideal, com altitude acima de 600 metros, maior incidência solar, menos chuva e terreno mais pedregoso.

“Encomendamos mudas de syrah no viveiro Vitácea Brasil, em Caldas (MG), com um ano de antecedência para iniciar o plantio em 2016, mas não achamos a terra desejada. Decidimos então abrir mão de parte das mudas e testar o plantio em uma área pequena da chácara do Fernando em Franca”, diz Orlov.

O manejo introduzido pelo especialista Murilo Regina consiste em fazer a primeira poda vegetativa em agosto para engrossar o tronco das videiras e fortalecer a raiz, deixando a planta descansar até fevereiro, quando ocorre a segunda poda para induzir o ciclo produtivo. O segredo, diz Orlov, é fazer muitos descartes para concentrar sabores e mais qualidade nas uvas que serão colhidas em julho.

Uvas da fazenda dos empresários Maurício Orlov e Fernando Bizanha (Foto: Arquivo Pessoal)

 

A primeira safra, em 2018, rendeu apenas 234 garrafas do vinho Arcano, produzidas na indústria da Epamig, mas foi festejada como goleada pela dupla. “Levamos 150 garrafas para teste em restaurantes paulistanos e nosso vinho, com aromas de frutas vermelhas, couro e alcaçuz foi muito bem aceito”, garante Orlov.

Finalmente, em 2019, os dois acharam a propriedade ideal na parte mais alta de Franca, com 25 hectares, que pertencia há mais de 200 anos a uma família tradicional de café da região e tem metade de sua área de reserva natural. Neste ano, os pioneiros colheram 15 toneladas de uva nas duas propriedades, que devem render de 10 mil a 12 mil garrafas.

“Finalmente, temos um lugar abençoado para a produção de bons vinhos”, diz Bizanha, acrescentando que a última colheita, em julho, foi uma festa compartilhada com amigos e familiares.

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O contador não revela os investimentos, mas diz que em 2022, quando eles devem aumentar de 5 para 8 hectares a área das uvas e acrescentar as variedades cabernet sauvignon e cabernet franc, a parceria deve conseguir empatar o investimento feito até agora, mas não vai parar por aí. “O plano é investir mais para construir nossa vinícola em cinco anos e criar na Alta Mogiana um circuito de enoturismo.”

O exemplo da dupla já influenciou amigos que foram conhecer o vinhedo a se desafiarem também como produtores de vinhos finos na Alta Mogiana. A neuropsicóloga Ana Marcia Lopez Diniz conta que está diminuindo cada vez mais seu tempo de consultório para se dedicar ao cultivo de café e uvas na fazenda comprada por ela e o marido há dois anos. A área das videiras fica em um terreno em declive bem pedregoso. A propriedade, com altitude de 940 metros, tem 85 hectares de café e fica no município de Cristais Paulista, vizinho a Franca.

“Eu não sabia o que plantar naquela área em declive, mas queria substituir o eucalipto de lá pela questão ambiental. Os amigos me sugeriram plantar uva. Como eu sempre me senti atraída por vinhedos e vinícolas nas minhas viagens, decidi encarar o desafio”, conta Ana Márcia, que plantou no ano passado as primeiras mil mudas em patamares horizontais, lembrando as plantações nas encostas da região do Porto, em Portugal. “O café da fazenda é bem doce. Vamos ver que vinho esse terroir vai nos oferecer para decidir os próximos passos.”

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O promotor de Justiça Murilo César Lemos Jorge e a mulher Cristiana Rosa Alves Arruda Jorge, advogada, também foram atraídos para o plantio das uvas viníferas pelos dois pioneiros. “Apesar de ter muita ligação com o campo e a natureza, não somos produtores rurais mas, sempre que pensamos nessa opção, sonhávamos com um vinhedo”, diz Jorge, que visitou com a mulher vinhedos e vinícolas da Argentina, Chile, Itália, França, EUA, Espanha, Portugal e região sul do Brasil desde 1999, sempre focando mais no cultivo das uvas e fabricação do vinho do que na festa da degustação.

O casal conheceu, então, Orlov, a quem chamam de “padrinho” do seu vinhedo, acessou as pesquisas da dupla poda e decidiu realizar o sonho: em apenas três meses, comprou uma área, as mudas e iniciou o plantio do que apelidaram de “petit jardin” (pequeno jardim) de uvas.

O plano inicial era plantar 2.500 mudas. “Pensamos melhor, e vimos que inicialmente é um hobby para fazermos um vinho excepcional com nossas próprias mãos, com pouco ou nenhuma ajuda fora da família. Por isso, pensamos em um jardim artesanal que pudéssemos colher vinhos, recuamos para uma área de 1.000 m2 e plantamos 410 mudas de cabernet sauvignon e cabernet Franc, nossas uvas favoritas, em uma altitude de 1.080 metros, em novembro do ano passado”, conta o promotor.

Segundo ele, o amadurecimento das uvas neste ano e a fertilidade foram espantosas, mas eles atenderam recomendação do consultor Frederico Novelli e deixaram a primeira colheita para o meio do próximo ano, com vinificação prevista na Epamig.

Vinícola

Trabalho dos empresário Orlov e Bizanha levou outros produtores a começarem um investimento em uvas viníferas (Foto: Arquivo Pessoal)

 

A 100 quilômetros de Franca, em Bonfim Paulista, distrito de Ribeirão Preto, dois empresários e um agrônomo produzem uvas viníferas desde 2018 no meio do canavial da Agropecuária Terras Altas, de 700 hectares. Dois anos depois, colheram a primeira safra para a fabricação de 2.000 garrafas na incubadora da Epamig.

Neste ano, Renato Magdalena, o sócio Fernando Horta e o agrônomo Ricardo Baldo colheram 44 toneladas de uvas, que devem se tornar 35 mil garrafas do vinho syrah Entre Rios. Desta vez, as uvas vão se tornar vinho na indústria de 1.500 m² que está sendo concluída ao lado do vinhedo.

No final do ano, já deve ser inaugurado o restaurante da vinícola, que vai oferecer uma vista privilegiada da cidade aos pés da plantação, que fica a mais de 600 metros de altitude, com uma amplitude térmica bem superior à do município, que é mais conhecido como “capital do chope” pela qualidade da bebida, associada a um calor que beira os 38 graus.

“Pretendemos incubar novos projetos e criar um condomínio vinícola em Ribeirão”, diz Baldo, acrescentando que eles têm sido muito procurados por produtores e profissionais liberais interessados em iniciar projetos de plantio de uva em diversas cidades da região.

Na fazenda em Bonfim, já foram plantados 25 mil pés de uva. O plano é chegar a 60 mil pés. Além da cana, dos vinhedos e da vinícola, a Terras Alta abriga ainda área de criação de vacas da raça jersey e cabras para a produção de queijo em indústria própria e plantio de oliveiras de três variedades para fabricação do que Baldo chama de “primeiro azeite de clima quente do país”. No total, o investimento chega a R$ 10 milhões, sendo metade na indústria.
Source: Rural

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