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Não é novidade para ninguém que os recursos do Plano Safra são insuficientes para financiar a agropecuária brasileira. A escassez ficou mais evidente com a recente suspensão – por parte do Tesouro Nacional – de novas contratações de crédito rural com subvenção federal, que só foi retomada após negociação com o Congresso.

Mas a grande incógnita é saber qual é o tamanho da defasagem entre o que as instituições financeiras privadas atendem e o que fica – de fato – descoberto.

Para entender a real necessidade do agro, setor que tem sido o sustentáculo da economia brasileira, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) acaba de encomendar um estudo para averiguar num horizonte de cinco anos qual a demanda tanto para rodar a safra quanto para investimentos.

Colheitadeiras avançam sobre campo e enchem caminhão (Foto: Getty Images)

 

Tal pesquisa é necessária porque há muita discrepância quanto aos números. A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) diz que a agropecuária nacional precisaria de R$ 900 bilhões em financiamento para custeio, comercialização/industrialização e investimentos.

Já no Congresso Nacional, esse montante oscila entre R$ 600 bilhões e R$ 900 bilhões, dependendo do parlamentar. Mas há um consenso entre todos os envolvidos: o futuro do crédito rural engloba recurso oficial (Plano Safra), crédito dos bancos privados e mercado de capitais, incluindo investidores nacionais e estrangeiros.

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“Não estamos falando de substituir um pelo outro, pois eles são complementares”, diz a economista Fernanda Schwantes, assessora de política agrícola da CNA. “Quanto mais recursos vieram para o agro, melhor. Aumenta a competição entre quem está ofertando e o custo do dinheiro deve cair”, acrescenta.

A trajetória da Scheffer, empresa fundada por Elizeu Scheffer, primo do ex-ministro Blairo Maggi, é um bom exemplo de diversificação de bolsos. Em 2017, o economista Guilherme Scheffer, filho de Elizeu e diretor financeiro da companhia, tornou-se o primeiro produtor a conseguir emitir, na pessoa física, um Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), título de crédito privado emitido por uma securitizadora e isento de Imposto de Renda que permite captar recursos fora da rede bancária, ou seja, de investidores pessoa física.

Guilherme Scheffer conta que o primeiro CRA foi de R$ 93 milhões. Três anos depois, no final de 2020, a Scheffer emitiu um novo CRA, desta vez na pessoa jurídica, no valor de R$ 200 milhões e que teve uma procura 4,5 vezes maior, ou seja, uma demanda de cerca de R$ 900 milhões.

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“A gente captou o primeiro CRA lá trás e este último para ter uma recorrência no mercado de capitais e ser conhecido pelo investidor pessoa física”, diz Guilherme Scheffer. “É um ponto mais estratégico do que de custo em si. Como acesso ao capital de pessoa física com o CRA, acessamos bolsos diferentes”, afirma.

Atualmente, o crédito da Scheffer está mais ou menos dividido assim: 80% vêm de bancos privados – de linhas de exportação lastreadas em dólar e "hedgeadas" com a receita da empresa; cerca de 4% são recursos oficiais; e o restante vem de investidor pessoa física via mercado de capitais.

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Mas nem sempre foi assim. “Quando começamos, nosso crédito vinha de tradings, que têm os juros mais caros do mercado, e dos recursos obrigatórios do Banco do Brasil”, diz o economista. Lá trás, conseguir crédito era mais difícil, devido ao modelo da empresa, que optou por ser mais leve em ativos.

“Diferentemente de uma boa parte dos produtores, a Scheffer sempre teve mais áreas arrendadas do que próprias. Nosso foco é a operação em si, não a valorização imobiliária pela compra das terras. O lado positivo é que você precisa de menos capital, é mais fácil 
crescer. O ponto negativo é que tem menos garantias para dar aos bancos”, explica.

Guilherme Scheffer foi o primeiro produtor rural que conseguiu emitir um CRA como pessoa física (Foto: José Medeiros)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Há 15 anos, o Rabobank aconselhou os Scheffer, ainda na pessoa física, a auditar o balanço e a profissionalizar a gestão da empresa. “Precisávamos ser transparentes, porque não tínhamos garantias para dar, e isso nos fez tomar crédito cada vez melhor”, diz.

A família começou a implementar uma série de políticas no âmbito socioambiental e de governança, além de iniciativas para evitar riscos de exposição de moeda e de aplicação financeira (é proibido aplicar em bancos de terceira linha). E, em 2019, a Scheffer se transformou em uma pessoa jurídica. “Fizemos isso pensando nas próximas gerações, para deixar a empresa blindada no sentido de herança”, diz Guilherme.

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Esse movimento de profissionalização deu resultado. No ano passado, a Scheffer faturou R$ 1,55 bilhão em 225 mil hectares – o que inclui pastagem para bovinos, eucalipto e áreas cultivadas com algodão, soja e milho de primeira e segunda safra em Mato Grosso, Maranhão e Colômbia.

E, neste ano, a família conquistou o certificado de agricultura regenerativa – o Regenagri, atestado pela Control Union – em uma área de 4 mil hectares destinada à soja e ao algodão, no município de Sapezal (MT). “Começamos esse projeto porque do jeito que estava antes não era sustentável. Embora estivéssemos ganhando dinheiro, a cada ano precisávamos aumentar o número de aplicações de produtos químicos”, diz Guilherme.

Agora o lema na empresa, não só na área do projeto, é cuidar do solo e da biodiversidade, usando menos químicos e mais biológicos. Tal objetivo virou uma externalidade positiva.  "Acabamos de fechar com a Rabobank uma operação bancária de crédito verde de US$ 16 milhões baseada no Regenagri. Conseguimos um desconto na taxa de juros que está atrelado a dobrar a área do projeto até a expiração do crédito”, diz o economista.

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Ao contrário dos grandes produtores, que pouco utilizam os recursos do Plano Safra e, quando o fazem, contratam linhas como Moderfrota (renovação de maquinário) ou Moderinfra (agricultura irrigada), os pequenos e médios agricultores são dependentes do crédito oficial.

“Para esse grupo, é indispensável a manutenção do modelo de financiamentos. A grande massa de produtores pequenos, médios, 'pronafianos' é atendida via crédito rural tradicional
em todas suas necessidades, seja capital de giro, custeio ou investimento”, ressalta Ademiro Vian, consultor financeiro do agronegócio.

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Embora a lei obrigue todos os bancos a destinar parte dos depósitos à vista e da poupança rural para o financiamento do agro, muitas instituições financeiras privadas não querem ter agências em todo lugar e preferem repassar esses recursos para as cooperativas de crédito e o Banco do Brasil, que alcançam um público maior.

“A regulamentação exige que os bancos apliquem em crédito rural, mas não que atendam diferentes portes de produtores. Eles podem trabalhar com nichos específicos”, explica Fernanda Schwantes, da CNA. Não por acaso, a participação das cooperativas vem aumentando ao longo das últimas safras. Segundo o Banco Central, o crédito rural desembolsado pelas cooperativas de crédito saltou de R$ 21,3 bilhões (13%) na safra 2016/2017, para R$ 34,4 bilhões (18%) no ciclo 2019/2020.

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Não há dúvidas quanto à importância da política agrícola de crédito rural criada em 1965. Sem ela, o agro nacional não teria chegado ao patamar que chegou, com uma participação de 26,6% no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. No entanto, para atender à demanda do campo, o Ministério da Agricultura e a CNA vêm pavimentando um caminho para atrair mais investidores para o campo e, dessa forma, direcionar o recurso oficial – que somou R$ 236,3 bilhões no Plano Safra 2020/2021 – para o público que o mercado privado não atende.

Uma das principais barreiras é a regulação. “Temos um mercado de crédito (privado) mal regulado, com regras desnecessárias, que estabelecem custos e restrições operacionais desmedidos e que está incompleto, porque ainda não instituiu todos os instrumentos que o agronegócio precisa para aparecer para a carteira de crédito”, afirma José Angelo Mazzillo, secretário-adjunto de Política Agrícola do Ministério da Agricultura.

Mas os obstáculos começaram a ser superados com a Lei do Agro (13.986/2020). “Ela moderniza o sistema de crédito brasileiro e conecta os interesses dos produtores rurais aos interesses dos investidores do mundo”, diz Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul).

Um dos principais ganhos da lei é o aperfeiçoamento da Cédula do Produtor Rural (CPR). “Ela fortalece a CPR e permite que seja referenciada em moeda estrangeira, podendo alcançar o mercado de capitais do mundo”, analisa Luz. “Hoje, talvez isso não seja tão importante, porque o mercado de capitais brasileiro dá conta, mas é bom ter alternativas”, acrescenta.

A sustentabilidade do sistema de integração lavoura-pecuária atrai investimentos (Foto: Divulgação/ILPF)

 

No que tange ao produtor, além da CPR, Mazzillo ressalta a importância da Cédula de Crédito do Agronegócio (CCA). “É um título que está sendo desenhado e cuja avaliação precisa terminar logo no âmbito do Executivo.

A CCA é uma CPR que atende aos outros elos da cadeia”, explica. Enquanto a CPR só pode ser emitida por agricultores e por aqueles que promovem a primeira industrialização de produtos rurais (frigoríficos e usinas de etanol), a CCA poderá ser emitida por produtores, tradings, revendas de insumos, indústrias de defensivos e fertilizantes, transportadoras de carga, etc.

“Do lado do investidor, que precisa ter instrumentos para comprar e colocar seu dinheiro no jogo, o Fiagro (Fundo de Investimentos para o Setor Agropecuário) é um instrumento que vai completar esse mercado”, destaca o secretário-adjunto.

Mas, do jeito que o Projeto de Lei 5.191 (Fiagro) foi sancionado, em março, ele é um natimorto. Isso porque o presidente Jair Bolsonaro vetou a isenção de Imposto de Renda (IR), o que torna o Fiagro pouco atrativo em relação aos fundos que não pagam IR.

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A Frente Parlamentar da Agricultura (FPA) e entidades do setor estão mobilizadas para derrubar os vetos. “Na justificativa, o governo colocou que abriria mão de uma arrecadação. Mas ele nunca teve essa arrecadação, porque o fundo nunca existiu”, diz a assessora técnica da CNA. “Pelo menos temporariamente, ele deveria considerar a isenção, até para dar isonomia tributária em relação aos fundos imobiliários e de infraestrutura”, acrescenta Fernanda.

A pandemia de coronavírus, a eleição do democrata Joe Biden nos EUA, a decisão de grandes gestoras globais de ativos, como a BlackRock e Aviva, de só investir em empresas que tenham um plano de transição para uma economia de baixo carbono dão o novo tom das
finanças mundiais.

Neste novo modus operandi, a palavra-chave se resume a três letras: ESG, sigla em inglês para melhores práticas ambientais, sociais e de governança, que passou a ser incorporada nas análises da XP, maior corretora do país, para recomendação de investimentos a seus clientes.

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Embaixo do guarda-chuva ESG estão uma série de títulos. Entre eles, os famosos green bonds, títulos verdes que sinalizam que os recursos vão para projetos que contemplam o aspecto ambiental.

Há ainda os títulos sociais, que, como o próprio nome já diz, têm um impacto social positivo. E existem também as modalidades vinculadas à mitigação das mudanças climáticas. Um exemplo são os sustainability-linked bonds, geralmente vinculados a indicadores de desempenho, como redução das emissões dos gases de efeito estufa (GEE).

A integração entre floresta e pecuária já recebeu certificações no país (Foto: Gabriel Faria/Embrapa)

 

De olho nesse mercado, o Ministério da Agricultura e a Climate Bonds Initiative (CBI) Brasil lançaram, no ano passado, o Plano de Investimento para Agricultura Sustentável, com um relatório que aponta tudo que a agropecuária brasileira já tem feito – sobretudo no Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC) – e que poderia ser rotulado como “verde”.

“Queremos ser protagonistas dessa nova tendência. Daí a importância de fortalecer esse mercado de finanças verdes no Brasil, que é uma potência agroambiental, comprometida com a sustentabilidade”, disse a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, no lançamento.

De acordo com a CBI, ONG britânica que foi a primeira a desenvolver critérios para a rotulagem de green bonds, o Brasil tem o potencial de atrair R$ 700 bilhões em investimentos até 2030 nos segmentos de agricultura, florestal, energia e infraestrutura.

Para Antônio da Luz, economista-chefe da Farsul, muito mais do que uma nova fonte de crédito, os títulos verdes têm tudo para serem grandes escudos da agropecuária nacional. “Os green bonds serão os melhores defensores do agro brasileiro, porque eles precisam de certificações cujas taxonomias são internacionais para serem emitidas.”

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O fato é que o mercado de capitais tem atraído grandes empresas do agro nacional. No início do ano, a gigante Amaggi fez sua estreia internacional. O intuito era captar US$ 500 milhões com títulos de sustentabilidade voltados a financiar projetos de uso do solo, recursos naturais e biodiversidade. Mas a procura pelos papéis foi tão grande que a empresa aumentou a emissão para US$ 750 milhões.

O único empecilho para esses títulos é o alto valor, que restringe as emissões às pessoas jurídicas. “O tíquete médio dos títulos verdes lá fora é de US$ 250 milhões. No mercado interno, tem ficado em torno de R$ 200 milhões, pelo custo de estruturação”, diz Leisa de
Souza, coordenadora de agricultura da CBI no Brasil.

Para o produtor pessoa física, o CRA pulverizado, atrelado à carteira de crédito de vários devedores, é a opção para a participar desse mercado

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Source: Rural

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