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Invasões recorrentes a uma importante área de pesquisa da Embrapa Amazônia-Oriental, no Pará, já resultaram em perdas de mais de 15 mil árvores e um prejuízo irreparável à biodiversidade local, segundo os pesquisadores.

A mais recente invasão ocorreu na última terça-feira (4/5), quando funcionários da estatal flagraram criminosos com toras de acapú — árvore típica da região — prontas para transporte em unidade de preservação localizada em Moju, município paraense a cerca de 200 quilômetros de Belém. No local, um angelim-vermelho com mais de cem anos também foi alvo dos criminosos e derrubado.

Toras de acapú prontas para transporte após desmate ilegal (Foto: Divulgação/Embrapa Amazônia-Oriental)

 

A unidade da empresa pública registra denúncias de invasão, desmate ilegal e roubo de madeira em seu campo experimental desde agosto de 2019. A área, batizada como Fazenda São Raimundo, conta com algumas das últimas florestas primárias preservadas no nordeste do Pará.

Segundo as estimativas do pesquisador Ademir Roberto Ruschel, responsável por trabalhos de campo na fazenda, foram perdidas mais de 15 mil árvores com diâmetro de tronco acima de 50 centímetros. Quando o limiar sobe para 60 centímetros, o volume fica acima de 8 mil árvores. “Em um cálculo grosseiro, mas muito subestimado, dá para vender essa quantidade de madeira por cerca de R$ 10 milhões”, ele diz.

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Em termos de volume de madeira, o especialista acredita que deve levar por volta de 20 anos para a floresta recuperar o que foi roubado. “Mas, quando se olha para a biodiversidade, o dano é irreparável. Os indivíduos que nascem sempre vão ser diferentes dos que estavam antes. Foram cortados angelins-vermelho centenários”, lamenta.

Além disso, os crimes afetam o desenvolvimento de pesquisa na unidade de forma direta. “Iríamos começar um novo projeto para monitorar os crescimento de acapús nos próximos meses. Agora ficou inviável”, acrescenta o pesquisador.

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Testemunha do roubo na semana passada, o advogado da Embrapa José Maria Vieira Júnior, além de avistar maquinário pesado como tratores, contou cinco motocicletas e estimou que fossem 10 invasores. Temendo a própria segurança por estar desarmado, ele diz ter esperado os homens se afastarem até ir à cena do crime.

“Ainda consegui conversar com um deles. Parecia não ter armas de fogo, apesar de portar um machado que usava para trabalhar. Ele me disse que estava ali a serviço, fazendo diária para um serralheiro da região”, recorda Vieira Júnior.

Apesar de contar com vigilantes armados que rondam o Campo Experimental Moju, a Embrapa Amazônia-Oriental explica que o modus operandi dos ladrões de madeira dificulta a identificação dos criminosos. Eles levam apenas as árvores de interesse, por isso, não abrem um clarão visível em imagens de satélite.

Adriano Venturieri pontua que a pandemia tornou as visitas a campo mais esporádicas, diminuindo a circulação na região. Ele também ressalta que apenas com trabalho presencial será possível aferir a dimensão real dos prejuízos causados pelos assaltantes. Os pesquisadores da Embrapa Amazônia-Oriental desenvolvem pesquisa na área há 20 anos..

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Denúncia sem resposta

O chefe-geral da Embrapa-Amazônia, Adriano Venturieri, contou à Revista Globo Rural que expediu vários ofícios e notícias crime à Polícia Federal e ao Ibama sobre os furtos de madeira desde 8 de agosto de 2019, quando um homem que atende pelo nome “Dino” tentou liderar uma tentativa de assentamento na fazenda experimental.

Procurados por Globo Rural, os dois órgãos responsáveis pela averiguação de crimes ambientais em áreas federais, como é o caso do Campo Experimental Moju, não se pronunciaram até a publicação desta reportagem.

A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Estado do Pará foi quem realizou a operação de fiscalização na Embrapa Moju. O órgão apreendeu na última quinta-feira (6/5) um trator, um caminhão com cerca de três metros cúbicos de madeira serrada e uma motosserra, conforme informou em nota.

A ação contou com o efetivo de quatro fiscais da Semas, quatro policiais civis da Divisão Especializada em Meio Ambiente e Proteção Animal (Demapa) e quatro policiais militares do Batalhão de Polícia Ambiental (BPA). Em resposta à Revista Globo Rural, a Semas informou ainda que foram lavrados um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e um Termo de Declaração para Abertura de Inquérito

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Crime organizado

Caminhão usado para transporte de madeira roubada (Foto: Divulgação/Embrapa Amazônia-Oriental)

Nos últimos dias, o que surpreendeu a equipe da Embrapa Amazônia-Oriental não foi a presença de invasores, e sim a escala predatória do desmate realizado por eles. “Não é mais a vizinhança e sim crime organizado”, destaca Venturieri.

De acordo com o relato dos funcionários da Embrapa, os criminosos passaram a usar tratores para abrir ramais visando o escoamento de madeira, retiram as toras com guinchos mecânicos e fazem o beneficiamento in loco para facilitar escoamento e armazenagem. “Não é uma operação barata ou amadora”, comenta o chefe-geral da unidade da Embrapa.

Ele conta que os alvos preferenciais são angelim-vermelho, cumaru, ipê, maçaranduba e sucupira. Conhecidas como madeiras de lei, ou nobres, essas apresentam maior resistência, qualidade e custo em relação às outras. No caso do acapú, seu tronco é muito usado para fazer cercas e pode ser transportado mais facilmente, apesar do menor valor comercial.

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Para esses criminosos, também é essencial a venda imediata dos volumes roubados. E quanto mais frouxa a fiscalização melhor para eles, de acordo com Venturieri. Por isso, o especialista clama por trabalho rigoroso da Polícia Federal no combate ao contrabando de madeira ilegal.

“Quanto menos o mercado ilegal for punido, mais inviável vai ficar para o produtor sério, que trabalha com madeira certificada, com muito maias custos. E isso diminui empregos, arrecadação de impostos, aumenta violência. É um prejuízo para a sociedade como um todo”, afirma.

A Embrapa estuda formas de manejo florestais com menor impacto. Os próprios pesquisadores às vezes extraem madeira, mas apenas quando a unidade tem caule com diâmetro acima de 65 milímetros, segundo o pesquisador Ademir Ruschel.

“O mínimo permitido por lei é acima de 50 centímetros. Como os criminosos operam tendo a velocidade como principal fator, acabam cortando árvores com até 40 centímetros de tronco”, ele aponta.

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A estatal ser o alvo primário do roubo de madeira tem outro efeito: atrapalhar as políticas públicas. Como os pesquisadores avaliam o ritmo de recuperação de florestas e práticas menos nocivas ao meio ambiente, os indicadores usados na tomada de decisão para reflorestar áreas desmatadas podem ser afetados.

“Nesta unidade, ainda temos o herbário mais completos da região, o que é crucial para tentar manter a biodiversidade na hora de restaurar a vegetação de algum lugar”, sublinha Ruschel.

Já Adriano Venturieri vê o copo meio cheio. “Vamos ter que usar a situação atual para testar manejos mais adequados para recuperar a área. É a forma de extrair algo bom dessa situação”.

De qualquer forma, ele afirma que a Embrapa está em busca de soluções junto aos órgãos municipais, estaduais e federais para evitar que o crime se repita. “Quem sabe encontramos até um arranjo legal para transformar a fazenda em uma área de preservação com permissão de pesquisa”, aventa.
Source: Rural

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