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(Foto: Getty Images)

 

*Publicado originalmente na edição 423 da Revista Globo Rural (Fevereiro/2021)

A pecuária brasileira saiu do nível analógico e está entrando para o mundo digital. E o segmento de cria da bezerrada, base da cadeia de produção da carne bovina, antes relegado a segundo plano, acompanha hoje o salto tecnológico.

O cuidado na geração do bezerro ajuda a definir e melhorar a qualidade da carne, o ganho de peso e a taxa de desfrute do rebanho, que são fatores importantes nestes tempos de expansão da demanda externa e de maior exigência dos consumidores por sabor e suculência da carne.

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Pietro Baruselli, professor do Departamento de Reprodução Animal da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidadede São Paulo (USP), lembra que, antes, a fase da cria era negligenciada e dava-se maior relevância para a recria e a engorda do gado, ativivades que proporcionavam melhor retorno.

“O cenário está mudando. O pecuarista passou a investir no bezerro ao perceber a importância de manter uma atividade cada vez mais produtiva e sustentável.”

Como resultado, a procura pela bezerrada cresceu e o preço disparou nos últimos anos, chegando até a superar a cotação da arroba do boi gordo. Na temporada 2020, apesar da pandemia do coronavírus, a cotação deu um salto e atingiu de R$ 2.500 a R$ 3 mil por cabeça, superando largamente o valor de alguns anos atrás, que girava abaixo de R$ 1 mil.

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A oferta de bezerros, que era numerosa no passado, tornou-se escassa em 2020 e deve continuar assim por algum tempo. Nos leilões – virtuais em sua quase totalidade –, a oferta pouco permaneceu na tela, por causa das disputas intensas, e as cotações movimentavam febrilmente o painel de preços.

A movimentação também é grande nas fazendas. Invernistas, confinadores e criadores estão sempre em busca da bezerrada, o que tem deixado satisfeitos os vendedores de várias raças – desde as de sangue indiano, como nelore, até as de origem europeia, como angus e hereford.

Gado Nelore, de sangue indiano (Foto: Getty Images)

 

No caso do nelore, o pregão da Carpa, fazenda de Barrado Garças (MT), especializada em cria, em sua 41ª edição,  no ano passado,  comercializou 3.036 bezerros desmamados, à média de R$3.627, quase o dobro da alcançada em versões passadas.

O proprietárioda Carpa, Duda Biagi, está na atividade há 40 anos. Ele diz que a cria entrou em uma dinâmica de valorização contínua e que mesmo a oferta elástica colocada no mercado anualmente não consegue atender à procura intensa. São entre 7 mil e 8 mil bezerros negociados hoje na Carpa, pela média de R$3.500. “Estou pagando minhas contas com sobra”, brinca o pecuarista.

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Tanto Duda como o professor Baruselli acreditam que cifras abaixo de R$ 1 mil pelo bezerro dificilmente devem retornar nos próximos dois anos. Vencido o ciclo atual,de poucas matrizes gerando filhos, pode até diminuir o valor, hoje ao redor de R$ 2.800, R$ 3 mil por cabeça, mas a queda de preços não será intensa. Duda acredita que o mercado externo de carne vai continuar com demanda forte e dará sustentação ao preço do bezerro.

Baruselli observa que as tecnologias modernas, como a inseminação artificial em tempo fixo (IATF), chegaram e ajudam a aumentar a produção de bezerros de alto padrão e o nascimento é cronometrado. “Para se ter ideia, no ano passado, foram realizados 16,4 milhões de procedimentos de sincronização de IATF no Brasil. Em 2001/2002, eram apenas 100 mil protocolos,ou seja, a diferença é colossal.”

Mesmo assim, a oferta de bezerros não dá conta. Levantamentos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP) mostram que, nos últimos dez anos, a cotação da cria valorizou 177%, enquanto o preço do boi gordo subiu 120%. O bezerro valia R$ 747,14 por cabeça em 2011e foi a R$2.076 em 2020, enquanto o boi gordo de 16,5 arrobas passou de R$ 1.700 para R$ 3.742 no período.

Criador Milton Martins Filho, de Santa Vitória do Palmar, no Rio Grande do Sul (Foto: Divulgação)

 

A pecuarista Lygia Pimentel, diretora executiva da consultoria Agrifatto, ressalta que a fase atual de custos na fase de engorda é uma das mais altas da série histórica. O preço do milho subiu, do farelo de soja também, e o bezerro, que hoje transmite peso e qualidade ao gado, valorizou 91% desde janeiro de 2019. “Houve uma correção histórica para a arroba do boi gordo, mas a margem achatou.”

Segundo Lygia, o ciclo da pecuária contribuiu diretamente para a explosão de preços da reposição e, passada essa fase de retenção de fêmeas, pode haver uma ligeira queda. Mas ela não vislumbra um tombo nas cotações da cria. “A tecnologia deve nos levar para um cenário de preços de reposição reais cada vez mais elevados em relação ao valor do boi gordo”, diz.

E, na cria, a evolução tecnológica foi flagrante, explica a analista. “O peso médio do bezerro desmamado vendido em Mato Grosso do Sul aumentou 12% nos últimos 20 anos. Em 2000, o peso médio era de 175 quilos. Em 2020, a média chegou a 197 quilos.” E ganho de peso é fundamental na atividade pecuária.

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Lygia acredita que não há mais volta. “A cria não pode ficar para trás se quisermos melhorar o desfrute e correr atrás do espaço que falta para nos aproximarmos ainda mais do alto nível tecnológico observado na produção norte-americana, por exemplo.”

O professor Pietro Baruselli diz que as fazendas agora irão produzir um modelo de bezerro por “encomenda”, a última palavra em alta tecnologia, e de acordo com as preferências do mercado, explica. “A reprodução pode ser programada, ou seja, investir no nascimento de um bezerro de carne marmorizada, cujo sabor agrada aos paladares mais apurados. Ou, então, em uma cria mais rústica e apta às intempéries de regiões de clima quente como a dos Estados do Brasil central.”

Baruselli prevê que num futuro próximo os frigoríficos poderão encomendar previamente a produção de milhares de bezerros sem gordura, por exemplo. “Tudo irá depender do tipo de carne que a indústria se propõe a negociar”, diz ele.

 

Duas fazendas tradicionais de Mato Grosso já trabalham com esse objetivo. São a Fortaleza e a Santa Maria, cuja marca é denominada Nelore Simioni. O proprietário, Frederico Simioni, pertence à terceira geração de uma família de pecuaristas e há anos produz bezerros de padrão elevado. “Nosso desafio é colocar qualidade na carne do nelore. O mercado foi ampliado nos últimos anos e toda a oferta de bezerros é adquirida”, diz.

Simioni usa somente touros de cabeceira no rebanho comercial. “A demanda pela carne gourmet cresce 80% ao ano, fator que abriu um espaço considerável para o comércio de bezerros pesados e de qualidade.” Ele observa que a cria hoje agrega valor aos criatórios e impulsiona a atividade. Há oito anos, a Simioni é dedicada à seleção de seus bezerros de elite. Suas vacas geram 1.200 crias ao ano.

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Frederico Simioni confirma que a demanda atual pela cria o incentiva a produzir cada vez mais e que os preços subiram bastante nos últimos anos. Ele revela estar preparando o rebanho para a produção de bezerros que serão gerados conforme características requisitadas pelo mercado comprador.

O pecuarista acredita que o caminho será vender lotes de bezerros comerciais diferenciados e avaliados, cuja genética já esteja direcionada para determinadas características, como o mercado de carne gourmet. “Invernistas em geral devem optar por animais cuja velocidade de ganho de peso seja o maior destaque.”

A raça angus, que é a maior vendedora de sêmen do país, também tem comercializado “muito mais” bezerros em relação a alguns anos atrás. “Tanto o puro-sangue angus quanto o cruzado se valorizaram nos últimos anos”, afirma Milton Martins Filho, cuja fazenda fica em Santa Vitória do Palmar (RS). “As fases de cria, recria e engorda hoje têm importância igual”, diz. Martins Filho é um potencial comprador de bezerros. “Estou pagando hoje entre R$ 1.800 e R$ 2.100 por um animal. Antes, desembolsava abaixo de R$ 1 mil".

(Foto: Divulgação)

 

São vários os fatores a incentivar a disparada na compra da cria. Martins Filho, que é veterinário, diz que o marmoreio da carne angus, que lhe dá um sabor particularmente delicioso, ficou conhecido em todo o Brasil e as vendas aumentaram.

Ele informa ainda que, em 2020, as exportações de bezerros em pé para países como Irã e Turquia dobraram e os selecionadores brasileiros tiveram de produzir mais para suprirem a demanda interna em efusão e os embarques dos navios nos portos.

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A subida na cotação do bezerro não o assusta. Martins Filho diz que um novilho é abatido hoje por preço ao redor de R$ 4.500. Há pouco mais de dois anos, o frigorífico pagava de R$ 2.700 a R$ 3 mil a cabeça.

O fazendeiro gaúcho acredita que não haverá mais queda no valor da cria. Motivo: “O produtor concluiu que a bezerrada agrega valor”.
Source: Rural

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