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"Comprometimento dos recursos disponíveis levou à suspensão de linhas de crédito rural (Foto: (Divulgação/BNDES))

 

Dez das 19 linhas de financiamento de crédito rural operadas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) estão fechadas, faltando ainda cinco meses para o fim do Plano Safra 2020/21. O esgotamento precoce sem precedentes é maior entre as linhas do segmento empresarial (ver quadro abaixo).

Os R$ 6 bilhões disponibilizados para o Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota), por exemplo, duraram menos de quatro meses. O banco suspendeu pedidos de financiamento desta linha “em razão do nível de comprometimento dos recursos disponíveis” em novembro do ano passado, reabriu em 4 de janeiro e voltou a fechar em apenas 3 dias.

Outras oito linhas de financiamento para a agricultura empresarial estão sem recursos atualmente. Na agricultura familiar, foram fechados dois programas e seguem abertos outros cinco, que têm orçamento total de R$ 1,4 bilhão.

Tiago Luiz Peroba, chefe do Departamento de Clientes e Relacionamento Institucional da Área de Operações e Canais Digitais do BNDES, diz que as linhas são suspensas quando se chega a 80% ou 85% do orçamento autorizado. “Não podemos ultrapassar o orçamento. Por isso, suspendemos, avaliamos operações aprovadas e ainda não finalizadas e, então, vemos se é possível reabrir.”

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No caso do Moderfrota, Peroba afirma que a análise já mostrou que não há mais dinheiro. “A linha só vai reabrir se houver aporte de novos recursos pelo governo, mas não há nenhuma previsão de que isso vá ocorrer.”

Ele cita seis motivos para explicar o esgotamento precoce das linhas de crédito: demanda reprimida de investimentos da safra anterior, expectativa de redução das taxas com a queda da Selic, câmbio favorável às exportações, safra recorde de grãos, demanda forte no mercado externo e demanda interna maior por conta do auxílio emergencial.

Segundo o executivo, houve um crescimento superior a R$ 2 bilhões ou 16% nas linhas de crédito rural operadas pelo banco, que têm taxas entre 4,5% e 7,5%, na comparação com o mesmo período do ano anterior.

Dados do Banco Central mostram que a demanda total por crédito rural de julho de 2020 a janeiro de 2021, relativo a sete meses da safra, atingiu R$ 135,3 bilhões, alta de 17% em relação a igual período da safra anterior. Foram aprovados 1.283.675 contratos, com um valor acumulado de R$ 135,32 bilhões. O destaque continua sendo a Região Sul, com R$ 46,92 bilhões, seguida pelo Centro-Oeste (R$ 34,30 bilhões) e Sudeste (R$ 33,08 bilhões).

Chutômetro

Para Ademiro Vian, especialista em crédito rural e diretor do IBDAgro (Instituto Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável do Agronegócio), muitas linhas do BNDES acabaram rápido porque faltou análise do cenário na pandemia da Covid-19 para estabelecer o volume de crédito necessário para o Plano Safra. Vian diz que o produtor acelerou investimentos porque ganhou muito dinheiro no ano passado, aproveitando o câmbio extremamente favorável para a exportação e o aumento da demanda. “Além disso, ele sabe que a taxa de juros vai aumentar e vê que o preço das máquinas e equipamentos está subindo devido à escassez de matéria-primas, como o aço.”

Ex-diretor da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Vian participou da elaboração do Plano Safra nos últimos 30 anos. Segundo ele, a montagem nunca teve critérios e sempre foi feita no “chutômetro”. “Quando faltava dinheiro, se recorria ao Tesouro Nacional, aumentando a dívida pública.”

A PEC do Teto de Gastos, que limitou o aumento dos gastos públicos à variação da inflação, interrompeu o processo. Mesmo assim, na opinião do especialista, se o governo priorizasse a política agrícola, poderia duplicar ou até triplicar o montante dos recursos disponibilizados no Plano Safra. “Poderia remanejar o dinheiro dos fundos constitucionais e chamar o sistema financeiro privado, principalmente os bancos de montadoras, para trazer dinheiro do exterior para financiar o agro”, diz Vian.

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Ele afirma, no entanto, que não vê interesse dos bancos privados em captar dinheiro para financiamentos de longo prazo do agro. “As instituições preferem usar os recursos do BNDES, que não exigem esforço de captação.” Segundo ele, os bancos privados impõem várias restrições para conceder o crédito rural, como só fazer operações com produtores ou empresas que trabalham com commodities, só fazer contratos com pessoas jurídicas ou exportadores ou só operar nas regiões do Sul, Sudeste e Centro-Oeste por questões de risco. “A política é diminuir o número de produtores atendidos e subir o tíquete médio.”

Por outro lado, Vian lembra que, no sistema financeiro brasileiro, o maior banqueiro é o governo. Na opinião do especialista, o Banco do Brasil, que detém a maior parte do crédito rural disponibilizado, sempre teve privilégios legais porque por 20 anos foi o único autorizado a operar a caderneta de poupança rural. Além disso, os três fundos constitucionais de onde sai parte dos recursos do crédito rural também são operados por bancos públicos. O FCO (Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste) é do BB, o FNE (Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste), do Banco do Nordeste e o FNO (Fundo Constitucional de Financiamento do Norte), do Banco da Amazônia.

Bancos

Questionado sobre a demanda atual por crédito rural, o BB não respondeu, alegando estar em “período de silêncio” devido à divulgação de seu balanço, nesta semana. A assessoria só informou que a carteira do agro representa 26% do total da carteira de crédito do banco e que houve um crescimento de 4,2% nas operações em 12 meses, chegando a R$ 190,5 bilhões em setembro de 2020.

O Santander, que investe em um modelo de negócios para a agropecuária desde 2017, registrou 20% de crescimento nas operações de crédito rural com juros controlados e livres em 2020. A carteira de agro, que representa 16,9% do total de financiamentos do banco, fechou o ano com R$ 24 bilhões. Segundo Carlos Aguiar, diretor de agronegócios, o destaque foram as operações com pessoas físicas, que tiveram aumento de 33%. As linhas mais demandadas também foram as do BNDES.

“O mercado funciona assim: quando tem linhas do BNDES, todo mundo opta por ela porque são mais baratas. Quando acaba o recurso, e desta vez acabou muito cedo por causa da alta demanda, o mercado oferece a linha privada. O problema da linha privada é ter custo mais caro devido ao prazo.” Hoje, as linhas privadas para compra de máquinas no Santander partem de 9,5%. “Na verdade, com a Selic em 2%, os financiamentos com taxas livres ficaram bem competitivos.”

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No ano passado, o Santander inaugurou em Campo Verde (MT) sua 40ª agência agro, modelo que usa soluções digitais e não tem transações em espécie.

Quem também aumentou sua participação no crédito rural em 2020 foi o próprio BNDES, que lançou em março sua linha de financiamento rural para investimentos como um produto complementar ao das linhas subsidiadas. Tiago Luiz Peroba diz que o BNDES Crédito Rural tem taxas pré-fixadas e recursos para atender as demandas dos produtores o ano todo.

“Definimos um orçamento para o ano, mas, se precisar, o BNDES suplementa sem problemas”, diz. O programa é operado por cerca de 30 instituições financeiras e, desde julho de 2020, somou R$ 1,54 bilhão em contratos aprovados.

Montadoras

Os bancos das multinacionais de máquinas agrícolas também registraram aumento de demanda por crédito rural no último ano. Paulo Ricardo Schuch, superintendente comercial AGCO Finance Brasil, diz que a instituição operacionalizou cerca de 8.000 contratos, um incremento de 35% a 40% na comparação com o ano anterior.

As linhas do BNDES representaram 65% do volume financiado pela AGCO, que reúne as fábricas da Valtra e Massey Ferguson. As taxas de juros baseadas em recursos livres tiveram uma volatilidade acentuada durante o ano, segundo o executivo, ficando entre 7,5% e 11%. Já as linhas lastreadas em euro e dólar variaram de 4,5% a 7,5% ao ano, respectivamente.

 

A linha (Moderfrota) só vai reabrir se houver aportes de novos recursos pelo governo, mas não há nenhuma previsão de que isso vá ocorrer"

Tiago Luiz Peroba, BNDES

Márcio Contreras, diretor comercial, de marketing e seguros do Banco CNH Industrial, diz que o crédito rural manteve desempenho favorável de julho a novembro de 2020, sem citar números. Na companhia, que reúne as marcas Case IH e New Holland, 70% da carteira de crédito rural vem das linhas subsidiadas do BNDES. No ano passado, diz Contreras, foram financiadas mais de 1.200 colheitadeiras e 3.000 tratores pela instituição. A modalidade consórcio registrou um saldo 10% maior que em 2019, com a venda de 4.600 cotas das marcas agrícolas CNH Industrial.

Fabíola Alves, diretora financeira do Banco John Deere, afirma que os dados acumulados de 2020 no Brasil ainda não são públicos, mas, globalmente, a unidade de serviços financeiros da montadora teve um desempenho superior a 5% na comparação com 2019. Segundo ela, metade dos novos equipamentos vendidos pelos concessionários da marca em 2020 no Brasil teve financiamento da John Deere. O banco movimenta atualmente uma carteira de cerca de R$ 8,3 bilhões no país. A maior parte dos contratos, cerca de 65%, também usa as linhas do BNDES.

Magalu

Consórcio foi a modalidade escolhida por uma empresa gigante do varejo, a Magazine Luiza, para entrar no mundo agro. O Consórcio Magalu, criado há 28 anos para a venda de eletrodomésticos e móveis, já oferecia a possibilidade de compra de máquinas agrícolas, mas no ano passado elevou sua faixa de crédito de R$ 120 mil para R$ 300 mil por cota visando o produtor rural, que pode adquirir mais de uma cota para comprar trator, colheitadeira ou caminhão.

“O plano de negócios do consórcio desde 2019 é crescer em novos segmentos. Como o agro é um setor que vem puxando a economia brasileira há vários anos e como estamos próximos do produtor rural, já que a empresa tem forte penetração no interior, decidimos investir mais nesse setor, visando o pequeno e médio agricultor”, diz Alexandre Luís dos Santos, diretor operacional. No consórcio, o cliente paga um valor determinado por mês e retira uma carta de crédito no fim do prazo ou durante o período, se der um lance ou for sorteado.

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Com uma base pequena, o consórcio agro da empresa cresceu 152% em 2020. A meta para 2021, é aumentar a carteira em 25%. A taxa de administração para a compra de tratores é de 14% a 16% ao longo do contrato. Além de ter acesso aos consórcios em qualquer loja da rede, o produtor pode receber a visita de um gestor de negócios, cujo número passou de 250 para 600 no ano passado, sendo 10% especializados em agro.

Na pandemia, a empresa acelerou sua digitalização e, agora, oferece simulação e contratação do consórcio por aplicativo, segundo Samia Cristina Alves, coordenadora de marketing. Ela diz que o cliente vê o consórcio como uma poupança e não uma dívida. Numa simulação, um trator de R$ 120 mil gera uma mensalidade de R$ 951,47 em 150 meses, com reajuste pelo IGPM. Ao final do consórcio, o comprador terá pago R$ 142,7 mil pelo trator.

Origem do dinheiro

O atual Plano Safra, anunciado em junho, foi de R$ 236,3 bilhões, sendo R$ 179,38 bilhões para custeio, comercialização e industrialização e R$ 56,92 bilhões para investimentos. O dinheiro vem de várias fontes. Todos os anos, os bancos são obrigados a destinar 30% dos depósitos à vista, 60% dos depósitos em poupança rural e 35% das captações com LCA (Letras de Crédito do Agronegócio) para aplicar em operações de crédito rural. Entram na composição também verbas dos fundos constitucionais e do BNDES. Uma parte menor é oferecida com juros controlados e o restante com juros livres.

O próximo plano deve ser anunciado em junho. Ademiro Vian, diretor do IBDGAgro, que está participando das reuniões para montagem do plano, diz que, se a nova PEC de auxílio emergencial evoluir, “vamos ter sérios problemas para a formação do Plano Safra 2021/22”.

Os especialistas opinam que o agronegócio segue com bons fundamentos neste ano, o que deve manter aquecida a demanda por crédito. Deve cair, no entanto, o volume de subsídios do governo e aumentar o financiamento com recursos não equalizados. A questão ambiental também ganha mais importância.

“Vejo uma tendência forte na análise do risco ambiental das operações e esse tema deve ganhar cada vez mais destaque no momento da contratação do crédito”, afirma Fabíola Alves, a diretora financeira do Banco John Deere.

(Dados: BNDES | Arte: Felipe Yatabe/Estúdio de Criação)

 
Source: Rural

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