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(Foto: Stefano Martini/Editora Globo)

 

Embora as interrogações em relação ao comportamento da pandemia dificultem fazer previsões sobre o PIB brasileiro em 2021, algo é certo: o agronegócio deve continuar puxando a economia, assim como já vinha ocorrendo antes do novo coronavírus. A avaliação é da economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior no Peterson Institute for International Economics e professora na Universidade Johns Hopkins, em Washington.

“Desde a recessão em 2015 e 2016, a única coisa que salvou o PIB do Brasil em 2017, 2018 e 2019 foi o agronegócio”, diz. Em 2020, com a Covid-19, “não fosse o agronegócio, provavelmente o tombo iria ser maior ainda do que vamos ver”. Além de competitivo, ela considera que o setor tem se saído bem por atuar num mercado com “demanda extremamente inelástica”.

Com a pandemia, Monica passou a estudar questões de imunologia para buscar entender o impacto do coronavírus na economia. E ela é pessimista. Assim como na Europa, o Brasil deve viver uma outra onda de Covid-19, o que deve levar a um novo tranco na economia, diz.

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Globo Rural: Qual a capacidade do Brasil de sair da crise, agravada pela Covid-19, e qual o papel do agronegócio nessa retomada?

Monica de Bolle: O agro tem sido extremamente importante para o Brasil nos últimos anos, inclusive neste, porque, desde a recessão em 2015 e 2016, a única coisa que salvou o PIB em 2017, 2018 e 2019 foi o agronegócio. Em 2020, temos a pandemia, então o agronegócio não segura esse tranco, é obvio, mas não fosse o setor, provavelmente o tombo iria ser maior ainda do que vamos ver. Acho superimportante não perder de vista isso porque, mesmo que o crescimento tenha sido muito baixo antes da pandemia e já estivéssemos enfrentando dificuldades para crescer, o agronegócio foi o grande responsável por boa parte do crescimento no Brasil. E tem sido assim sistematicamente.

GR: O que esperar para 2021?

Monica: A maneira como o coronavírus circula e afeta as pessoas e a economia é em ondas. É isso o que a gente está vendo aqui nos EUA, na Europa, e é o que vamos ver no Brasil. Vamos ter outra onda do vírus, e isso vai, de novo, dar um tranco grande na economia. Vimos esse tranco em março, abril e maio. Depois, veio o auxílio emergencial, que deu um imenso suporte à economia. Agora, o auxílio vai acabar no fim de dezembro – é o que está previsto –, e com isso se vai um esteio para a economia. Ainda que a gente possa ter conseguido evitar um tombo mais forte, principalmente graças ao auxílio, essa situação de economia desarranjada é uma realidade. Se escutarmos as autoridades das áreas epidemiológica, biomédica e os cientistas sobre a duração da pandemia, o cenário de desarranjo vai pelo menos até o fim de 2021. Esse desarranjo é incompatível com crescimento, principalmente o tipo de crescimento que há pessoas prevendo no Brasil, de 3,5%, 4%. Não dá para falar em ordem de magnitude dessas mesmo que a economia sofra um megatombo este ano, porque o cenário de anomalia vai permanecer por um bom tempo em 2021, mesmo que a gente tenha uma vacina no primeiro trimestre. Primeiro, porque ela não vai ser distribuída para todos de imediato. Segundo, não sabemos que vacina vai ser e como o Brasil fará para ter acesso a ela, porque se não for nenhuma das que, no momento, têm ensaio clínico aqui, o Brasil não fez nenhum acordo com as outras companhias para garantir um determinado número de doses. E mesmo se tivesse feito, uma vacina demora para surtir algum tipo de efeito epidemiológico.

Desarranjo na economia por causa da Covid-19 é uma realidade a encarar

GR: Você acredita que o agronegócio vai continuar tendo um bom desempenho em 2021?

Monica: Sim, por algumas razões. A primeira é que o agronegócio funciona num mercado em que a demanda é extremamente inelástica, mesmo com um problema como o que temos hoje, pois as pessoas precisam comer. Há ainda questões de segurança alimentar, em voga por causa da pandemia, e, nesse caso, países grandes produtores de alimentos se beneficiam. Então o agronegócio brasileiro está bem posicionado para isso. E tem se beneficiado apesar dos problemas que vimos em 2020. Outra razão é que o agronegócio é a única parte da economia brasileira, praticamente, que é extremamente competitiva no mercado internacional. O agro é o que vai puxar a economia, como já vinha sendo antes mesmo da pandemia.

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GR: O dólar tem favorecido as exportações do agronegócio. Isso deve continuar?

Monica: A tendência é que o câmbio fique, se não mais ou menos no mesmo patamar (atual), talvez um pouco mais desvalorizado, porque a recuperação da economia não vai se dar como estão prevendo. Existe um ônus fiscal grande no Brasil, as pessoas estão assustadas com o tamanho da dívida, e isso ajuda a manter a moeda enfraquecida. Há outros fatores que também não ajudam, como a instabilidade política. Lembrando que 2021 já é um ano pré-eleitoral, vamos entrar em 2021 pensando em 2022. Nenhum desses fatores ajuda a pensar que vai haver reversão do câmbio. Então, o câmbio continua sendo um fator de ajuda para o agronegócio.

Monica de Bolle (Foto: Stefano Martini/Editora Globo)

 

GR: Que reformas sao necessárias para o país voltar a crescer?

Monica: Vejo os debates sobre reformas e tenho dificuldade de entender o que estão dizendo. Como falar sobre a agenda de reformas se não temos um diagnóstico sobre o baixo crescimento brasileiro? A gente nunca se faz as perguntas certas. Quais as perguntas certas? A primeira é: por que o Brasil cresce pouco? Aí vêm as respostas fáceis: "Porque o Estado é inchado, porque o Brasil gasta muito, porque tem de fazer as reformas". Mas ninguém responde por que o Brasil cresce pouco. Há várias maneiras de olhar para essa pergunta. Sim, porque o Estado é inchado. Sim, precisamos reduzir a trajetória crescente de gastos. Mas não é só isso. Temos um problema gravíssimo de produtividade, de natureza muito mais estrutural do que qualquer dessas reformas é capaz de atacar. Uma parte da resposta é que nossa educação é de péssima qualidade e a mão de obra é pouco qualificada. E a segunda é que a indústria é ineficiente, está presa num modelo do século XX, em que não existe inserção nas cadeias globais de valor, porque a indústria é protecionista. Então, as reformas, a da Previdência, já feita, a administrativa, que está para ser feita, a tributária, que é preciso fazer, nenhuma delas, de fato, resolve esses problemas. Se não tentarmos modernizar a economia, meu temor é que a gente vai fazer uma porção de reformas, vai ficar esperando os resultados no crescimento e eles não vão vir.

GR: Que leitura você faz do auxílio emergencial? E o socorro à indústria foi adequado?

Monica: Acho que nessa pandemia a gente fez o que deveria ter feito pelas pessoas no Brasil, que foi o auxílio emergencial. Mas quando pensamos nas políticas para empresas, especialmente as pequenas e médias, não se fez absolutamente nada, na contramão de diversos outros países. Nos EUA, houve um programa inteiro voltado aos pequenos negócios.

Temos um problema gravíssimo e estrutural, que é a produtividade

GR: Aqui teve também, mas houve problema para fazer chegar dinheiro aos que precisavam.

Monica: Não chegou, porque muito do que foi feito foi via banco, e não funciona porque os bancos privados não vão emprestar num momento de incerteza. Vão fazer exatamente o que fizeram, vão engavetar o dinheiro e esperar a situação melhorar. E o governo não fez nenhuma política direta de crédito, que deveria ter sido feito, dado que temos bancos públicos que poderiam ser usados para isso.

GR: Que tipo de programa de crédito poderia ter sido feito?

Monica: A maneira de tentar fazer o crédito chegar às empresas num momento de altíssima incerteza é recorrer ao BNDES. Não precisa fazer as maluquices que a Dilma (Rousseff) fez com o BNDES de 2011 a 2014. Basta pôr o BNDES para emprestar a taxas de mercado, que sejam um pouco mais abrangentes que a TLP (taxa de empréstimo de longo prazo), porque o problema da TLP é que é pós-fixada. Nenhuma empresa vai tomar empréstimo pós-fixado, por causa da incerteza. Então, bota o BNDES para dar crédito a taxas do Tesouro. O Tesouro tem várias taxas pré-fixadas, determinadas pelo mercado. Sendo taxas pré, elas dão uma previsibilidade. O BNDES consegue emprestar a uma taxa que não é subsidiada, portanto, não gera pressão fiscal a médio e longo prazo e, desse modo, você faz o crédito rodar.

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GR: Como você vê a questão da sustentabilidade nos negócios?

Monica: A sustentabilidade, que já estava no centro do debate da política pública e das estratégias de investimento e de posicionamento das empresas, agora, mais do que nunca, está no centro mesmo. Isso não vai mudar. Acho que o agro brasileiro tem um grande papel, já cumpre esse papel, na realidade, porque há uma parte imensa do agronegócio que funciona exatamente nos pilares da sustentabilidade. Sem dúvida, em termos de visão de investidores, sustentabilidade é um tema de altíssima relevância. O setor público está na contramão na área ambiental, mas o setor privado brasileiro não. E deve se manter com a preocupação que tem sobre sustentabilidade para ter um lugar ao sol ao longo do tempo. 
Source: Rural

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