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Carmen Perez, que conduz a Orvalho das Flores, adquirida em 1980 por seu avô (Foto: Divulgação)

 

*Publicada originalmente na edição 420 de Globo Rural (Outubro/2020)

A paulistana Carmen Perez lidera há 12 anos um programa amplo de sustentabilidade na Agropecuária Orvalho das Flores, em Araguaiana (MT). Em 2016, a fazenda virou referência por ter sido a primeira no Brasil a abolir o cruel uso da marca a fogo em 100% do seu rebanho bovino.

A Orvalho das Flores, que se dedica à pecuária de cria e possui um rebanho de 2.980 animais das raças nelore e angus, sendo 1.700 matrizes, coroou então, com êxito, um trabalho minucioso, ousado e de longo prazo.

Hoje, a marcação a fogo é usada apenas no controle da vacinação contra a brucelose, ainda obrigatória em Mato Grosso, Estado que concentra o maior rebanho de corte brasileiro. A questão do bem-estar animal é um dos compromissos da pecuária sustentável.

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Passo a passo às exigências do consumidor, a fazenda opera outros conceitos e práticas de sustentabilidade, seja monitorando o meio ambiente por meio de câmeras fixas, focando a felicidade dos seus vaqueiros e outros trabalhadores ou seguindo normas modernas de gestão que sustentam a saúde financeira da atividade.

As experiências são pautadas por orientações do Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal (ETCO), da Unesp/Jaboticabal, e por outras universidades. “Em 2016, definitivamente, o arcaico ferrete em brasa foi aposentado”, lembra a pecuarista. Pelos pastos verdes, nos currais e outros espaços, a identificação dos animais é feita por brincos eletrônicos, botons e colares – que informam o mês de nascimento e têm cores diferentes.

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“São instrumentos que facilitam a apartação visual nas pastagens e contêm informações digitais que podem ser acessadas no curral, por meio de um bastão que faz a leitura de dados como data de nascimento, nome dos pais, etc.”, explica Carmen.

Ela afirma que a fazenda tornou-se sustentável somando outras práticas correlatas, como manejo de nascimento e de curral e desmama lado a lado do bezerro com a mãe (ações que diminuem o estresse).

Essa dinâmica [da pecuária sustentável] vai imperar no mundo inteiro, principalmente no Brasil, que está na ponta dos exportadores de carne e de grãos

Carmen Perez, da fazenda Orvalho das Flores

Carmen explica que todas as medidas sustentáveis visam ao bem-estar do rebanho e propiciam lucro à atividade pecuária. “Os animais são nossa fonte de renda, portanto, temos de respeitá-los”, diz ela, que negocia a bezerrada na desmama.

A aposentadoria dos ferretes encerra o sofrimento do bovino, mas essa não é a única medida positiva. Também reduz o tempo de trabalho nos currais, afastando o estresse dos homens e dos bichos, além de eliminar os ferimentos na carcaça, cujas marcas desvalorizam o boi junto ao frigorífico, observa Carmen.

A pecuarista é membro ativo da chamada Liga do Araguaia, formada por fazendas da região que buscam o desenvolvimento sustentável da pecuária no Vale do Araguaia. Carmen faz questão de frisar com ênfase que há 14 anos não são registrados acidentes que outrora machucavam os vaqueiros e os animais. “Dificilmente eles se ferem, e isso graças ao uso das ferramentas de sustentabilidade”, diz.

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Segundo ela, foi dado um salto na gestão e a preocupação com a saúde do trabalhador na fazenda igualmente está incorporada ao dia a dia. “A comunicação é bastante valorizada na Orvalho das Flores, pois formamos uma comunidade, e o compromisso está na motivação da equipe. Procuramos premiar o desempenho do funcionário e, para conservar o companheirismo e a saúde mental, promovemos cursos diversos, como plantação de hortaliças, entre outros.”

Tem mais: verdadeiro laboratório a funcionar no clima quente da região de Barra do Garças, a Orvalho das Flores espalhou câmeras por sua extensão para monitorar o meio ambiente e promove pesquisas e ações tendo em vista a convivência na fazenda com animais domésticos e selvagens.

Carmen Perez enfatiza que a sustentabilidade na pecuária hoje é uma exigência mundial crescente. Os caminhos se cruzaram e estão alinhados. “Essa dinâmica vai imperar no mundo inteiro, principalmente no Brasil, que está na ponta dos exportadores de carne e de grãos.”

(Foto: Divulgação)

 

Ela desembarcou em Araguaiana em 2002 para conduzir a Orvalho das Flores, que havia sido adquirida por seu avô, empresário do setor sucroalcooleiro, em 1980. Tinha apenas 22 anos. Uma parte da fazenda foi herdada por sua mãe, que tinha compromissos na cidade e optou por colocar a filha na gerência da lida.

Carmen lembra que, no início, ficou um bocado perdida. “Eu só passava férias no campo, mas sempre amei a natureza, os bichos e a vida rural.” Segundo ela, os gritos de dor da boiada, então sob o jugo do ferrete, a aterrorizaram logo nos primeiros dias. Do espanto ao início da ação foi uma questão de dias, lembra. “Fui atrás de orientações com estudiosos. Não podia conviver com animais cujo sofrimento permanecia por até oito semanas após a marcação a fogo.”

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A militância de Carmen Perez, aos 41 anos de idade, agora é da porteira adentro e da porteira afora. Ela transmite as experiências positivas das ações de sustentabilidade realizadas pela Orvalho das Flores em palestras e debates pelo país de maneira incansável. Também é uma das editoras de um livro abordando o tema e espalha conhecimento empírico pelas redes sociais.

E a Orvalho das Flores está firme numa campanha de conscientização, cujo objetivo é reduzir ao máximo a marcação a fogo no país. Segundo Carmen, “a campanha mostra evidências científicas de que o uso do ferrete causa dor, sofrimento e angústia no animal e que é necessária a substituição do método arcaico”. O Grupo ETCO lidera a campanha.

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Liga Sustentável

Fundada em 2014, a Liga do Araguaia reúne 63 fazendas e é responsável por um projeto que transmite conhecimento e incentiva a adoção das práticas de pecuária sustentável no Vale do Araguaia, em Mato Grosso.

Com atuação em 11 municípios, um de seus pilares é a promoção do desenvolvimento econômico e social por meio do aumento de produtividade e renda e respeito ao meio ambiente. Os projetos da liga abarcam 150 mil hectares de pastagem e 89 mil hectares estão em processo de intensificação.

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Segundo Braz Custódio Perez Neto, de 29 anos, que, junto com o pai, conduz três fazendas, há empenho para divulgação das experiências aos produtores locais que ainda não aderiram ao programa e de outras regiões do Brasil, por causa do interesse crescente pela pecuária sustentável.

As fazendas de Braz são exemplo de produção sustentável. Ele trabalha com cria, recria e engorda de animais das raças nelore e angus, por meio de cruzamento industrial. O manejo é todo no capim. O modelo permite produção superior graças a uma maior eficiência no emprego de recursos.

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Assim, há redução do impacto negativo no meio ambiente e a engorda é menos dispendiosa. A pastagem é recuperada anualmente, com adu- bação verde, para fixar nitrogênio no solo. Efetua há anos um o melhoramento genético focado na pecuária em ciclo curto, com o animal sendo abatido mais cedo e com menos tempo no pasto.

A Liga do Araguaia realizou vários dias de campo para difundir conhecimentos. Reuniu grandes especialistas em pecuária sustentável e colocou os próprios criadores para relatar as experiências. Fortalecido após seis anos de operação e diversos projetos implantados, o grupo quer levar o conhecimento também a outras regiões do país.
Source: Rural

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