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Liége Vergili, diretora executiva da Abiec (Foto: Murillo Constantino)

 

*Publicado originalmente na edição 418 de Globo Rural (Agosto/2020)

Não é à toa que a engenheira agrônoma Liége Vergili carrega até hoje o codinome Floema, apelido que ela ganhou aos 17 anos, ao ingressar na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, a Esalq. Em botânica, floema é um tecido complexo, formado por diferentes tipos celulares e que garante a condução de substâncias vitais para a planta, como água, sacarose, aminoácidos, ácidos nucleicos e íons inorgânicos.

Liége é o floema em um dos segmentos mais poderosos do agronegócio. Aos 33 anos, ela lidera atualmente a Abiec, associação que reúne 30 frigoríficos brasileiros exportadores, que representam 92% do setor de carne bovina. Liége é quem conduz as negociações e conhece de ponta a ponta os pormenores da indústria nacional da carne, que em 2019 movimentou US$ 7,5 bilhões, com a exportação de 1,8 milhão de toneladas para 154 países.

A jovem assumiu o cargo de diretora executiva dessa poderosa associação em 2016, quando foi convidada a assumir o posto, até então, sempre ocupado por homens. “Eu cresci olhando para o inalcançável”, diz ela. “Mas, hoje, não existe mais o inalcançável para as mulheres.”

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Mãe de dois filhos, uma menina de sete anos e um menino de dois, a diretora executiva da Abiec é natural de Piracicaba (SP), mas foi na casa da avó, que cultivava algodão em uma pequena cidade próxima, também no interior paulista, onde aprendeu a gostar da natureza.

“Eu era uma menina da cidade, e o único contato que tinha com a natureza foi lá, na casa dela. Quando ingressei na Esalq, em Piracicaba, senti o mesmo amor da época de criança”, lembra. “Foi esse sentimento que me levou a trilhar caminhos pouco desbravados pelas mulheres na atuação no setor de proteína animal.” Apesar do peso masculino que havia na área escolhida para atuar, Liége não desistiu, tampouco se sentiu desprivilegiada.

Das salas de aula, a então recém-formada partiu para o mercado de trabalho como consultora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), na área de pecuária leiteira e fertilidade, e logo em seguida foi trabalhar como trainee junto à diretoria de bovinos da Sadia.

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“Ali, eu conheci e convivi com grandes personalidades da pecuária como o professor Sérgio De Zen (hoje diretor de política agrícola da Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab), Jorge Camardelli (presidente executivo da Abiec) e Marcos Vinícius Pratini de Moraes, ex-ministro da Agricultura”, conta. “Cada troca de palavras com eles era um aprendizado.”

Na Sadia, fundada em 1944 e uma das mais importantes empresas do mundo no setor, Liége trilhou uma carreira promissora, até ser convidada, pessoalmente, por Jorge Camardelli para atuar como gerente de projetos na Abiec. “O mercado de exportações de carnes bovinas era um desafio novo para a minha carreira e, como minha avó dizia, não existia o inalcançável.”

A pecuária é um setor muito masculino, mas que vem se transformando nos últimos anos

Liége Vergili

Liége atuou na Abiec até meados de 2012, quando surgiu em sua frente outro grande desafio: ser coordenadora da maior expedição sobre a criação de bovinos no Brasil, o Rally da Pecuária. E mais: mudar-se da cidade de São Paulo para a praiana Florianópolis, em Santa Catarina. “Aí, com uma filha pequena no colo, a mudança de cidade, de rotina… Foi tudo mais desafiador.”

O Rally da Pecuária é uma expedição inédita no mundo: equipes formadas por zootecnistas, médicos-veterinários, agrônomos e consultores em pecuária percorrem, por chão, todas – todas, sem exceção! – as regiões brasileiras para analisar (o que inclui realizar medições técnicas em pastos, inclusive contando o número de fezes de animais por metro quadrado) as condições da criação de gado no Brasil.

“Este país é uma potência produtiva, mas também é uma imensidão”, diverte-se a executiva, lembrando-se das complicações que surgiam na organização de um projeto desse porte. “Mas tudo tem seu tempo e, no final do ano de 2016, voltei à Abiec.”

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A volta para a entidade que ensinou à moça, à época com seus 30 anos, os bastidores do comércio exterior e das relações internacionais a colocou numa posição de liderança das mais importantes no agronegócio mundial.

“Eu cheguei, no passado, a ouvir frases do tipo 'ou você é agrônoma ou você é bonita', e por aí vai, para não citar algumas mais machistas ainda", diz ela. "Mas o mundo está mudando, as pessoas, mesmo que aos poucos, estão evoluindo, e hoje vejo muitas mudanças no setor da pecuária também. Acredito que a postura das pessoas no mercado de trabalho as define muito mais que ter um diploma.” 

A Abiec, pode-se dizer, é hoje uma entidade comandada por muitas mulheres. Dos 19 colaboradores que atuam no escritório central da associação, 16 são mulheres. “Não, isso não foi só a minha influência como diretora da entidade. Não temos pré-requisitos, a habilidade vem em primeiro lugar”, afirma Liége, que participa de muitas iniciativas dentro do agronegócio que promovem a equidade de gênero, como o Grupo Donna, um movimento que visa mostrar a outras mulheres que o inalcançável não existe e apresentar histórias de protagonismo feminino.

Sempre encontrei muitas mulheres poderosas no campo. Elas têm paixão, entusiasmo, marcam presença e são, sim, cada vez mais ouvidas. Estão impondo respeito

Liége Vergili

“O agronegócio ainda é um setor predominantemente masculino, mas temos mulheres incríveis escrevendo histórias exemplares.” Ela acredita que, no futuro, o agronegócio será um setor mais igualitário. “As novas gerações estão transformando as pessoas e, na pecuária, a discussão sobre e equidade de gêneros está avançada. É claro que ainda temos de trabalhar muito, criar novas discussões para incomodar. E, ainda assim, muita gente ainda vai tentar nos descreditar simplesmente porque somos mulheres e porque somos jovens”, diz Liége.

“As mulheres estão assumindo seus papéis, a postura de serem ouvidas e se fazerem ouvir e respeitar. Quando você expõe opiniões, conquista espaços no mercado. E tem outra coisa. No mercado, ninguém quer perder dinheiro.”
Source: Rural

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