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(Foto: Getty Images)

 

*Publicado originalmente na edição 417 de Globo Rural (Julho/2020)

A imponente Araucaria angustifolia, a árvore do pinhão típica das regiões serranas do Sul e do Sudeste, está ganhando um novo status no Estado do Paraná. De espécie ameaçada de extinção, com corte proibido, a araucária poderá ter o cultivo incentivado para a produção legal de madeira. A mudança consta em emenda a lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Paraná.

A notícia também é um alento para os produtores de pinhão, que estão sofrendo com a quebra da safra em algumas regiões. Num primeiro momento, entidades ambientalistas manifestaram preocupação com possíveis danos ao meio ambiente, o que foi superado com a participação de várias partes nos debates.

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A nova regulamentação não traz risco para a proteção ambiental, assegura o deputado estadual Hussein Bakri (PSD), um dos parlamentares empenhados na aprovação da emenda. Segundo ele, o projeto se aplica às araucárias já plantadas ou que ainda serão, sempre fora das áreas remanescentes nativas, reservas legais, áreas de proteção permanente e demais áreas protegidas.

“A proposta prevê ainda o incentivo à formação de cooperativas de agricultores e a realização de atividades educacionais”, afirma Bakri. O cadastro da plantação será obrigatório.

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“O corte da araucária foi proibido em 1994 e, desde então, a espécie passou a ser considerada em extinção, o que foi um grande erro”, afirma o engenheiro agrônomo Flávio Zanetti, professor de fitotecnia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “A araucária não está em extinção. O que está em extinção é a floresta ombrófila mista, ou seja, a araucária no seu ambiente natural, nos seus bosques, que compõem um bioma muito restrito”, argumenta Zanetti, considerado um dos maiores pesquisadores de araucária do mundo.

Desde 2007, ele defende a exploração da madeira da araucária em projetos de reflorestamento. “Produzir madeira de araucárias plantadas é  bem  diferente de derrubar árvores nativas”, ressalta. “É perfeitamente possível transformar a araucária, uma espécie florestal nativa do Brasil, em uma árvore frutífera de fruto seco, como a castanha-do-pará, por meio de enxerto”, explica.

A araucária dá frutos a partir dos seus 25 anos e permanece produtiva por mais 150 a 200 anos (Foto: Getty Images)

 

Essa técnica de reprodução, conhecida como “precoce”, acelera o processo de crescimento das araucárias, reduzindo pela metade o tempo até a frutificação. Um experimento, coordenado por Zanetti em uma propriedade em Caçador (SC), atingiu a produção de 200 quilos de pinhão por ano, o dobro da média de uma árvore adulta nativa. “Com essa clonagem, podemos produzir muito bem e em menos tempo”, garante.

A araucária dá frutos a partir dos seus 25 anos e permanece produtiva por mais 150 a 200 anos. Ao atingir 50 anos, porém, ela deixa de formar galhos novos e reduz gradativamente a produção de pinhão. “Como uma pessoa idosa, ela precisa de mais tempo para se recuperar depois de um ano de muita produção. Às vezes, isso ela leva dois, três anos”, conta Zanetti.

Quebra de safra

As altas temperaturas no último inverno e a falta de chuva no período de formação das pinhas são apontadas como os principais fatores para a quebra de produção em boa parte do país. Nos últimos dez meses, o volume de chuvas no Estado do Paraná caiu pela metade em relação ao mesmo período de um ano atrás.

Ainda assim, os paranaenses, maiores produtores do Brasil, colheram 4,3 mil toneladas de pinhão em 2019. Vale lembrar que a contabilidade da atividade extrativista não é muito precisa, pois a produção e a venda muitas vezes são informais. “Baseado em conversas com comerciantes, produtores e catadores, estimo que teremos uma quebra de 15% a 20% este ano”, afirma Dirlei Antonio Manfio, técnico do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Paraná.

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Manfio, que é responsável pela região de Guarapuava, que concentra 40% da produção paranaense de pinhão, cita outros dois possíveis motivos para a quebra da safra atual: a expansão de áreas ocupadas por lavouras e pastagens e o número cada vez mais reduzido de gralhas-azuis, aves que comem o grão do pinhão e disseminam espontaneamente a semente. Além disso, ele destaca a falta de incentivo para o plantio de araucária, uma vez que a exploração comercial da madeira continua proibida.

Dirlei Manfio, técnico do Departamento de Economia Rural (Deral) (Foto: Emiliano Capozoli)

 

Mais ao sul, no município de Painel, maior produtor de Santa Catarina, a quebra estimada é bem maior, em torno 80%. “No ano passado, já tivemos uma redução de 60% e, este ano, devemos colher apenas 600 toneladas”, relata o engenheiro agrônomo Cesar Alessandro de Arruda, extensionista rural da Epagri no município.

Na região da Serra da Mantiqueira, no sul de Minas Gerais, a expectativa é de uma colheita de aproximadamente 500 toneladas, uma redução pequena comparada à safra de 2019, segundo Carla Ribeiro de Castro, extensionista agropecuária da Emater-MG. “Os produtores rurais daqui estão mais interessados na produção do pinhão, por causa de um incentivo do PGPMBio (Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversi-dade)”, explica.

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O incentivo é a Subvenção Direta a Produtos Extrativistas (SDPE), uma das políticas de garantia de preço, que compensa os extrativistas que comprovarem a venda de produto coletado por um preço abaixo do mínimo fixado pelo governo federal – um bônus importante para desestimular a derrubada de araucárias.

Em Córrego do Bom Jesus (MG), o casal Niceia Batista de Souza e Elzio Ribeiro de Souza aguarda o bônus referente à coleta do pinhão. Eles colheram 300 quilos em 13 pés de araucária de sua pequena propriedade, localizada nessa região montanhosa do sul de Minas. “Acreditamos que vamos receber uns R$ 900 com a venda deste ano”, diz Niceia.

O casal Niceia Batista de Souza e Elzio Ribeiro de Souza (Foto: Emiliano Capozoli)

 

Dança dos preços

A cotação do pinhão varia de acordo com o mercado de destino e com o momento da coleta. Nos Estados do Paraná e Santa Catarina, o pinhão está pronto para venda no início de abril, cerca de 15 dias antes da produção de Minas Gerais e São Paulo. Como a colheita do Sul chega primeiro às prateleiras, os preços são mais altos, em torno de R$ 15 o quilo.

Na segunda quinzena de abril, quando o pinhão do Sudeste chega ao mercado, o preço despenca. Em Minas Gerais, o produto chega a ser vendido por apenas R$ 2 o quilo nessa época. “No atacado, o pinhão é cotado entre R$ 1,50 e R$ 1,80. No varejo, pode aumentar até 50%”, afirma a extensionista Carla Castro.
Source: Rural

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