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Cães brincam na praia em Santos, no litoral paulista (Foto: Amanda Pais)

 

Poucos espaços são mais democráticos do que as praias. Elas são quase de todo mundo, mas há uma exceção: os cães. Ainda que não seja difícil encontrar um ou outro cachorro se aventurando a pular ondas, boa parte das cidades litorâneas possuem leis que proibem esses animais de entrar nas praias brasileiras. 

O problema é que, como quase todo mundo, cachorros amam uma praia e, quanto têm oportunidade, donos e tutores raramente contrariam seus desejos. Intencionalmente ou por simples desconhecimento, muita gente burla as leis, o que pode acarretar em multas caso a fiscalização ou a vigilância esteja por perto. Em boa parte das cidades onde não há regulamentação, alguns grupos se esforçam para criara códigos de postura, que não têm força de lei, mas definem regras de frequência e convívio. 

Há cerca de um ano, o engajamento petfriendly deu início ao movimento ‘Vai Ter Cachorro Na Praia, Sim’ na cidade do Rio de Janeiro. Por meio das redes sociais, simpatizantes da causa se uniram para lutar pelo direito de os animais frequentarem ao menos um trecho de faixa de areia e mar.

No Rio Grande do Norte, Natal derrubou em junho do ano passado uma lei que vigorava desde 1999 e que proibia cães nas praias. Foi a primeira cidade brasileira a permitir que os cães passeiem junto ao mar, desde que o dono comprove a vermifugação e a vacinação em dia, além do dever de recolherem possíveis dejetos deixados por eles.

Cachorros golden retrivier na ponta da praia, em Santos (SP)
(Foto: Arquivo Pessoal/ Karina Requejo)

A capital cararinense, Florianópolis, também possui um pedido de alteração legislativa.

Seguindo esses exemplos, em março deste ano um grupo de tutores do litoral paulista criou o movimento "Vai ter cachorro na praia de Santos". De acordo com a advogada Karina Vidal Requejo, autora do texto apresentado à Câmara dos Vereadores da cidade solicitando as mudanças, a legislação, do ano de 1968, está defasada e não cabe mais ao formato do cão de quintal que existia há algumas décadas. Nesta sexta-feira (28/6), haverá uma audiência pública para discutir o texto, que deve ser votado no segundo semestre.

“Atualmente o cão faz parte da família. E, como membro da família, seus tutores desejam estar com o pet em todos os locais: restaurantes, bares, parques, shopping e na praia”, diz Karina. 

Aos finais de semana, ela frequenta o Deck do Pescador, na ponta da praia de Santos, junto a um grupo de tutores de cães da raça golden retrivier. Isso porque não existe faixa de areia no local e o código de posturas da cidade não inclui o mar. “Não é o lugar mais adequado por ser muito utilizado por praticantes de stand up, caiaque e canoagem. Eles reclamam da presença dos cachorros”, conta a advogada.

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A reportagem da Globo Rural percorreu praias de Santos e presenciou famílias acompanhadas de animais de estimação soltos na faixa de areia dia e noite. A maioria das pessoas abordadas disse desconhecer a proibição. Outros apenas ignoram a lei.

Não foi encontrada nenhuma fiscalização percorrendo a praia. Procurada, a Prefeitura de Santos informou que qualquer pet só pode andar nas vias e lugares públicos se estiverem de focinheira e na companhia do proprietário, que deverá responder por danos que, eventualmente, o animal pode causar a terceiros.

Já para a faixa de areia a proibição é geral: nem cães, nem gatos podem circular. Como toda regra tem exceção, eles são permitidos nos colos dos tutores. Segundo a prefeitura, em 2018 foram aplicadas 78 multas no valor de R$ 345,18. Neste ano, até a metade de junho, já foram aplicadas 74 penalizações. 

O principal risco da presença de cães nas praias é a incidência de bichos geográficos transmitidos pelas fezes (Foto: Arquivo Pessoal/ Lucas Mccure)

 

 

Meio Ambiente

O maior risco da liberação dos cães na praia é a sujeira, caso não haja fiscalização e, principalmente, bom senso dos tutores. As fezes podem trazer danos ao meio ambiente, à saúde humana e também à dos próprios cães.

De acordo com o professor da Escola de Arte, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), Sidnei Raimundo, o principal problema é o dejeto, que pode transmitir a larva Migrans cutânea, mais conhecida como bicho geográfico. As fezes também podem propagar doenças a outros animais, sem falar na transmissão de raiva, caso o cão não esteja devidamente vacinado.

Para o professor, a frequência dos cães pode ter impactos menores em praias urbanas. “Se a praia é urbanizada, normalmente a fauna dessas áreas já está degradada. O problema seria o contato com humanos e outros pets, a junção de animais saudáveis com outros parasitas”, alerta Sidnei.

A questão, segundo ele, envolve a educação ambiental dos donos desses animais, que terão de ter mais consciência.

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O médico veterinário Oswaldo Santos Baquero, professor do Departamento de Medicina Preventiva e Saúde Animal da Universidade de São Paulo (USP), explica que é primordial o recolhimento dos dejetos no mesmo momento em que os animais os produzem. Isso porque o bicho geográfico, assim como outros parasitas, só é infectante durante parte de seu ciclo de vida.

“Quando os cães infectados defecam, as larvas encontram-se num estágio não infectante. Portanto, o recolhimento oportuno das fezes é uma forma efetiva de prevenção”, diz.

De acordo com o médico, com bons hábitos do proprietário e a vermifugação e vacinação adequada dos animais, o compartilhamento das praias e outros espaços não será um problema em termos de zoonoses transmitidas pelo contato com animais ou suas fezes. O maior problema é a falta de guarda responsável.

“Uma lei que proíba o trânsito de cães com seus tutores pela praia não proíbe que um cão abandonado infectado defeque na faixa de areia. Se o objetivo é prevenir o bicho geográfico e outras zoonoses, deve-se promover a guarda responsável e a adoção dos animais em situação de rua”, diz Oswaldo.

Zoonoses

Ele explica que a vacinação é uma medida preventiva disponível somente para algumas doenças. Pode reduzir, mas não eliminar completamente o risco de transmissão. A vacinação não assegura que zoonoses ligadas às fezes dos animais não sejam transmitidas.

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O médico clínico e infectologista Paulo Olzon, da Universidade Federal de São Paulo, diz que houve uma grande mudança em relação aos riscos de doenças. Isso porque, no passado, os cães não eram submetidos à vacinação e nem havia um controle rígido no caso dos animais abandonados.

Atualmente, diz o médico, os cuidados com os pets são mais rigorosos porque eles vivem dentro de casa. “Os cães atualmente podem frequentar hospitais, fazem viagens aéreas e, muitas vezes, dormem com os próprios donos”. Paulo diz que a urina não apresenta bactérias, sendo desnecessária a preocupação.

Praias estrangeiras

Não é difícil de encontrar praias de litorais estrangeiros com livre acesso para os cães. A liberação de animais já funciona em muitos países. Os Estados Unidos, por exemplo, somam 422 faixas de areia livres para passeios com os cachorros, de acordo com o site americano Bring Fido, que traz cotações dos tutores. Algumas praias exigem, dentro de regulamentações estaduais, que os cães estejam mantidos em coleiras ou que não tenham acesso ao mar.

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O Parque Estadual da Virgínia possui uma das praias mais visitadas, considerada um oásis natural na área urbana à beira-mar e uma das mais bem avaliadas no site. Na areia, há um alerta de raiva vigorando. Por isso, a comprovação da vacinação é obrigatória. A Califórnia e a Carolina do Norte também possuem praias com regramentos específicos. 

Bertie, a cadela da raça bulldog inglês do veterinário Lucas Mccure (Foto: Arquivo Pessoal/ Lucas Mccure)

 

No litoral da Austrália os cães são permitidos em oito praias no total. Mas em temporadas de verão, quando as faixas de areia ficam lotadas, tutores devem ficar atentos às restrições. Na alta temporada de férias, os cachorros não são permitidos nas principais praias. 

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Morador de Melbourne, o estudante de medicina australiano Lucas Mccure frequenta as praias locais com sua cadela Bertie, um bulldog inglês de sete anos de idade que aproveita o litoral desde os primeiros meses de vida. “O tempo de Bertie na praia é dividido entre a gente e brincadeiras com outros cães e crianças”, diz ele.

Na Austália, os donos recolhem possíveis sujeiras deixadas pelos animais (Foto: DivulgaçãoArquivo Pessoal/ Lucas Mccure)

 

Lucas conta que as praias na Austrália são limpas e organizadas, mesmo com a presença dos cães. Os donos recolhem as sujeiras deixadas pelos animais e também são aplicadas multas em caso de não cumprimento das regras. 

Mais novata no assunto, em Barcelona, na Espanha, é permitida a presença dos animais em todas as praias desde julho de 2018, com as restrições por época do ano. Em um vídeo divulgado pela prefeitura da cidade, é possível ver que há chuveiros e bebedouros disponíveis para os cães.

As experiências internacionais podem ajudar os brasileiros a ajustarem os códigos de posturas de cada região, desde que sejam adequadas às realidades locais. 

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Source: Rural

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