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Caminhos da Safra: oeste baiano, de Luís Eduardo Magalhães a Salvador (BA) (Foto: Fellipe Abreu)

 

Sentado numa cadeira de praia, tomando um chimarrão com folhas de camomila e alecrim, o gaúcho Abílio Aparício Bondan, de 70 anos, não parece preocupado com o tempo. Ao lado de seu companheiro velho de guerra, um Scania 1980 conhecido entre os estradeiros como jacaré, Abílio é um dos motoristas que lotam o pátio de um posto de gasolina em Luís Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia, e aguardam a chamada para descarregar a soja numa das tradings instaladas do outro lado da rodovia. “Minha vida é essa aqui. Morar no jacaré,” diz ele, com um bom humor contagiante. Natural de Frederico Westphalen (RS), seu Abílio chegou à Bahia com a mulher e os filhos em 1986, quando a soja completava seis safras no Estado e ocupava pouco mais de 100.000 hectares – hoje são plantados mais de 1,6 milhão de hectares com a cultura.

A experiência de mais de 30 anos em solo baiano rendeu alguns ensinamentos a seu Abílio. Um deles é que “a primeira coisa que um cara não pode ter é pressa, principalmente quem pega a estrada. E ganância também, essa é a que mais mata na rodovia”, afirma. Na manhã em que estacionou sua carreta no posto, no final de abril, Abílio já soube que dali só seria chamado para descarregar depois de pelo menos dois dias. Na frente dele, havia outros 130 motoristas.

O motorista Abílio Bondan toma chimarrão em parada na estrada (Foto: Fellipe Abreu)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Além da soja nas carrocerias, todos têm em comum a paciência – e também a indignação – devido ao tempo que precisam esperar na fila para entrar na esmagadora de soja e às condições que enfrentam diariamente no local. “Cheguei ontem era meio-dia. A média aqui tem sido de dois dias a três para descarregar”, afirma Maikon Cervinski, outro transportador estacionado no posto. Maikon é de Mato Grosso do Sul, mas todos os anos se desloca para a Bahia depois do fim da colheita no Centro-Oeste. Os Estados nordestinos colhem tradicionalmente mais tarde que os do meio do país por conta das diferenças de clima que impactam as lavouras.

Com a fila de espera crescente, o número de viagens realizadas mensalmente pelos caminhoneiros na região tem sido menor e, com o aumento dos custos, puxados principalmente pelo óleo diesel, eles são obrigados a passar mais tempo que o programado na busca por cargas. “Nos últimos anos, a gente sempre fazia uma viagem por dia. Hoje, faz 30 dias que chegamos aqui e estou com 18 viagens feitas”, diz Maikon.

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Motoristas esperam de dois a três dias para descarregar esmagadora"

Enquanto não descarregam, os motoristas precisam tirar do bolso o dinheiro para cobrir os custos com alimentação e banho. O hotel é o próprio caminhão. A trading oferece uma estrutura com pátio de estacionamento, sanitários e chuveiros que é insuficiente para atender a todos os motoristas.

Eles também reclamam das condições do local. O pátio é de terra e acidentado. Nos dias de chuva, muitos caminhões e motoristas ficam ilhados. “A alternativa é vir para o posto. Para quem carrega a família junto, é mais complicado. Anteontem, entrei ao meio-dia para descarregar e saí da fábrica às 22 horas. Como o acompanhante não pode entrar, se tem criança pequena junto, como faz? Fica 12 horas aqui fora, sem estrutura”, reclama Erlei Felini, outro motorista no local.

Darci Salvetti em lavoura de soja em Luís Eduardo Magalhães (BA) (Foto: Fellipe Abreu)

 

Abílio, Maikon e Erlei são alguns dos transportadores com quem a equipe do Caminhos da Safra conversou durante a quinta viagem da série. Em uma semana, foram percorridos mais de 1.500 quilômetros, entre o oeste da Bahia e Salvador (BA), tradicional rota de exportação da soja e do milho produzidos pelas lavouras baianas e em parte do Maranhão e Tocantins. A rota, percorrida pelo projeto pela primeira vez em 2012, teve avanços. Além dos grãos, virou também o caminho do algodão baiano destinado ao mercado internacional. Mas os gargalos ainda persistem e se acentuam este ano.

De um lado, está uma safra recorde no campo e, do outro, uma infraestrutura limitada, incluindo a falta de local para armazenamento, poucas opções de comercialização e estradas precárias. O quadro resulta numa operação ajustada, que não permite folga nem erros. Se o escoamento não flui entre fazenda e compradores, a produção corre risco de ficar represada. Como a colheita não pode parar, as alternativas, em caso de sobrecarga nos armazéns e tradings, implicam em maior desembolso pelos produtores rurais.

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Colheita de soja na Bahia (Foto: Fellipe Abreu)

 

Neste ano, só a safra de soja da Bahia cresceu 16%, ou mais de 800.000 toneladas, para 5,96 milhões de toneladas. O algodão, que está sendo colhido e é a segunda principal cultura do Estado, também deverá registrar aumento de 36% na produção, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A previsão aponta para 473.000 toneladas, em comparação às 346.000 toneladas alcançadas na temporada passada. O resultado se deve a um clima favorável às lavouras, que permitiu o aumento da produtividade, após uma sequência de anos de safras ruins e uma não tão boa, contam os agricultores. “Não é todos os anos que temos uma safra como essa. Estamos felizes. O que nos preocupa é a logística. As empresas não estavam preparadas pra receber uma safra dessa. Infelizmente, não vai ter espaço”, afirma Darci Salvetti, produtor de soja e milho em Luís Eduardo Magalhães.

Os 3.300 hectares cultivados por Darci com a oleaginosa nesta temporada devem render uma média de 67 sacas por hectare, bem acima do registrado no ano anterior, quando a média ficou em torno de 50 sacas, o suficiente para pagar os custos.

Com poucas opções de compradores e sem muitos locais disponíveis para armazenar a produção, os agricultores investem numa solução paliativa, que são os silos plásticos. Darci calcula que vai usar ao menos 25 deles nesta safra. Cada um custa cerca de R$ 2 mil. “Do jeito que está, não está dando, não. Estamos vendo com os vizinhos para que a gente possa se unir e fazer um projeto de construção de silos em um condomínio bom para todos”, afirma.

“O silo-bolsa é para não parar de colher. Caso a pessoa não tenha onde armazenar, as empresas compradoras cobram US$ 8 por tonelada de armazenagem nos contratos que não têm preços fixados”, acrescenta Jarbas Bergamaschi, vizinho de Darci e dono de 2.200 hectares de soja em Luís Eduardo Magalhães.

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Patrícia Iglesias, do Tecon-Salvador (Foto: Fellipe Abreu)

 

Os dois fazem parte de um grupo de agricultores locais que está sempre tentando driblar os gargalos da logística, até quando é preciso tirar dinheiro do bolso e assumir um trabalho que não é da responsabilidade deles. Com outros 11 produtores, recentemente fizeram uma parceria com o município para melhorar 52 quilômetros de estradas. O gasto ficou entre R$ 20 mil e R$ 30 mil por quilômetro.

Soja, milho, algodão e outros produtos agropecuários colhidos em terras baianas com destino ao mercado internacional têm duas portas de saída possíveis, localizadas em Salvador e arredores. O caminho pela BA-242, que corta um dos cartões-postais da Bahia – a Chapada Diamantina –, é novo para o algodão, que estreou a rota no ano passado, com algumas operações de teste. Mas, em 2018, o caminho deve se consolidar como uma opção concreta e com forte potencial de crescimento para a pluma. “Há três anos, não fazíamos nada praticamente. No ano passado, estufamos entre 50 e 60 contêineres e, para este ano, já há confirmado entre 500 e 800. E estou sendo conservadora. Tudo vem do oeste da Bahia”, conta Patrícia Iglesias, diretora do Terminal de Contêineres de Salvador (Tecon).

Trecho da BA-242, rota das cargas (Foto: Fellipe Abreu)

 

A executiva diz que a nova opção de saída para o algodão exigiu anos de namoro com a cadeia produtiva e também investimentos em equipamentos e outras adequações do terminal.  Foi criada uma estrutura de estufagem, com balança, armazém e todo o aparato necessário ao produto, numa área externa ao porto.

“O Porto de Santos é meu maior concorrente. Essa mudança histórica não ocorre do dia para a noite. Primeiro, precisamos provar que temos capacidade, depois, que não queremos operações passageiras, e sim estruturadas. Também não quero ‘roubar’ 100% da carga”, diz Patrícia.

Caminhão do Caminhos da Safra em lavoura de algodão (Foto: Fellipe Abreu)

 

Apesar da forte concorrência, ela acredita que o mercado de transportes em contêineres é uma tendência no mundo. “Existe um movimento mundial de conteinerização das cargas. Ninguém imaginaria que 100% do café seria exportado por contêiner. Hoje é.  A soja também começa a preferir contêiner de dois ou três anos para cá, para atender a um consumo humano, para localidades específicas, diferentemente da soja para ração”, explica.

O Porto de Cotegipe, também em Salvador, é outro que se prepara para um aumento no recebimento de grãos vindos principalmente do oeste baiano. “Ano passado, exportamos 4,5 milhões de toneladas de soja e farelo. Neste ano, a previsão é embarcar até 5,7 milhões de toneladas”, diz Jorge Perrôa, diretor de operações do porto. Ele avisa ainda que, até o fim do ano e início de 2019, a administração deve iniciar uma obra de ampliação do terminal, com a implantação de um terceiro berço de atracação de navios, com 280 metros. “É para daqui a três anos. A primeira parte é o píer e a área de embarque. Depois, o enrocamento, o aterro e a construção dos armazéns. No final de 2021 está com tudo pronto”, garante o executivo.

>> Confira por onde o Caminhos da Safra andou em 2017

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Source: Rural

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