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No dia 21 de outubro, o município de Mandaguari, no Paraná, estava em polvorosa. Depois de seis anos de construção, era inaugurado o Centro de Inovação da Superbac, uma empresa brasileira de soluções biotecnológicas para indústrias farmacêuticas, de cosméticos, do agronegócio, entre outras. O projeto de R$ 100 milhões contempla laboratórios, estrutura de P&D e uma biofábrica, que consumiu metade dos recursos aportados. “Isso nos permitirá entrar em segmentos que não atuávamos, como o de biodefensivos”, diz Giuliano Pauli, diretor de inovação da Superbac.

Biofábricas: Unidade construída pela Superbac em Mandaguari (PR), com investimentos de R$ 100 milhões (Foto: Divulgação )

 

“Temos um pipeline robusto em desenvolvimento de bioinseticidas, bionematicidas, biofungicidas e bioherbicidas que serão lançados em 2023”, diz Pauli. “Muito em breve, esses produtos estarão na nossa linha comercial e ajudarão a diminuir a dependência de moléculas químicas importadas, que estão passando por um momento desafiador em termos de logística.”

“Desafiador” é uma palavra tímida perante a dramaticidade do contexto atual. "Do que o Brasil consome de ingredientes ativos ou produtos formulados na agricultura para defesa vegetal, 76% são importados e 32% vêm da China, que está passando por uma escassez de energia”, diz Christian Lohbauer, presidente executivo da Croplife Brasil. “Essa restrição reduziu a oferta e se juntou ao problema de transporte marítimo. Na pandemia, foram reduzidas as linhas de frete no mundo inteiro. Da Ásia para a América do Sul ainda mais, porque é um mercado que vai cheio e vem menos cheio, então não interessa tanto para o negócio”, explica.

Esse cenário formou a tempestade perfeita, visto que o glifosato – herbicida mais usado no Brasil e essencial para a dessecação da área pré-semeadura – é proveniente do fósforo amarelo, insumo que exige muita energia e água para sua sintetização e, portanto, não foi “eleito” como segmento prioritário na volta das atividades após a diminuição dos casos de Covid-19 na China.

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A questão do glifosato, aliada à crise no fornecimento de fertilizantes provocada por problemas geopolíticos em Belarus, um dos principais produtores de potássio do mundo, fez o preço dos insumos agrícolas disparar e tem deixado os produtores brasileiros de cabelo em pé. De acordo com a Croplife, o Brasil tem estoques suficientes para o manejo da safra de verão, que foi plantada em setembro/outubro e será colhida a partir de janeiro. “Não vai faltar produto. Se houver problemas, serão coisas pontuais de empresas menores, que fecharam os contratos em cima da hora, que não serão cumpridos, porque os chineses não entregarão”, diz Lohbauer.

O agravante é que não há substitutos para o glifosato. Há apenas paliativos, como os produtos pré-emergentes, aplicados no solo para controlar as ervas daninhas antes da semente brotar. E os pós-emergentes, como o próprio nome já diz, aplicados para o mesmo fim após a emergência.

Nesta conjuntura de falta de insumos para a produção de defensivos convencionais, os produtos biológicos ganham um protagonismo ainda maior. No Brasil, o segmento registrou uma taxa de crescimento anual composta (CAGR, que mensura o retorno dos investimentos) de 42% de 2017 a 2020. Um dos motivos é o fato de muitos insumos biológicos não serem dolarizados. “Há muitas matérias-primas nacionais, portanto, não sofrem o impacto direto do câmbio, o que traz uma certa vantagem”,  explica Amália Bosari, diretora executiva de biológicos da Croplife.

Quanto à demanda, a procura tem crescido não só pela escassez de insumos químicos, mas pelo momento atual, de transição para uma agricultura de baixo carbono, tema enfatizado na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 26. Mas a participação do mercado brasileiro de biodefensivos no valor global em 2020 foi de 5%.

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Nesse cenário, a Superbac parece ter acertado o “timing” para ingressar no setor de biodefensivos. O segmento cresce por diversas razões: a pressão cada vez maior de empresas e consumidores para a redução de resíduos de agrotóxicos nos alimentos; a atitude de muitos países de proibir defensivos convencionais habitualmente utilizados; A busca pelo equilíbrio do ecossistema, que faz o produtor priorizar os insumos biológicos; e o aumento dos investimentos privados.

Considerada uma das mais modernas da América Latina, a biofábrica da Superbac tem padrão sanitário para produzir os famosos ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs), utilizados para a fabricação de vacinas. A capacidade nominal da unidade é de 50 mil litros de componente por ciclo, o que possibilita a produção em grande escala de microrganismos para fabricação de defensivos biológicos.

A soja é nosso maior mercado. Hoje, 15% da soja é tratada com biodefensivos"

Amália Borsar, Diretora executiva da Croplife

A empresa inclusive promete lançar um bioherbicida, nicho que representa menos de 1% do mercado total de biodefensivos, segundo uma pesquisa da IHS Markit. “É o segmento de mais difícil desenvolvimento na área de biológicos. Por isso, também é o mais atrativo. Quem conseguir vai ter bastante destaque”, diz Pauli.

Para isso, a Superbac está observando não só as estruturas dos microrganismos em si, mas os componentes com efeito herbicida que eles geram. “Talvez, a nova geração de herbicidas seja uma combinação de biomassa com compostos produzidos por microrganismos durante o processo fermentativo”, explica Pauli. De qualquer forma, os biodefensivos são a aposta da empresa para fortalecer sua atuação no agro.

A Superbac já atua no segmento de fertilizantes com produtos que combinam adubos minerais com matérias orgânicas e que têm uma tecnologia (enzimas) que facilita a absorção de nutrientes pelas plantas e, portanto, reduz a dependência de fertilizantes químicos.

“O adubo mineral é muito usado nos solos brasileiros, mas grande parte dele acaba se perdendo. Só 60% do nitrogênio que se aplica é utilizado pela planta. Com o fósforo, a média é de 12%. E, com o potássio, é mais ou menos 60%. Mas nossa tecnologia melhora muito a eficiência da absorção desses nutrientes”, explica o diretor de inovação.

Ao contrário de Europa e EUA, onde os produtos biológicos são mais focados nos hortifrútis, no Brasil, a soja, o algodão e a cana-de-açúcar lideram a adoção dos biopesticidas. “A soja é nosso maior mercado e dobrou de tamanho em relação à safra 2017/2018. Hoje, 15% da soja é tratada com biodefensivos”, diz Amália.

Muitos desses biodefensivos são fabricados dentro da própria fazenda, por causa da chancela dada pela Lei de Produção Orgânica (Lei 10.831/03) e pelos decretos 4.074/02 e 6.913/09, que instituem que produtos fitossanitários aprovados para a produção de orgânicos e destinados ao uso próprio não precisam ter registro.

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No ano passado, a prática ganhou reforço pelo Decreto 10.375/20, que instituiu o Programa Nacional de Bioinsumos (PNB) – e agora o tema voltou à tona devido ao Projeto de Lei 658/21, que tramita no Congresso Nacional e dispõe sobre a classificação, o tratamento e a produção de bioinsumos por meio de manejo biológico on farm.

Os produtores rurais comemoram a nova legislação, mas o tema é visto com ressalvas pela indústria de biodefensivos, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela academia. O setor industrial encomendou uma pesquisa da IHS Markit sobre o assunto e o primeiro aspecto levantado é que a orientação legal se aplicaria às práticas tradicionais da agricultura orgânica, não justificando a multiplicação em larga escala desses produtos.

Caio Augusto de Almeida, gerente de avaliação de segurança toxicológica da Anvisa, afirmou, durante audiência pública, que a agência não se coloca em oposição ao produtor produzir seus próprios insumos, como os microrganismos biológicos de controle. "Entendemos que é preciso ser melhor discutido e que a produção, nesse caso, precisa ser controlada, regularizada, fiscalizada, a fim de garantir a segurança."

Por parte da indústria, o temor é que a multiplicação de microrganismos on farm, sem o investimento e o rigor necessários, produza biológicos de baixa qualidade, o que poderia depor contra o setor e ainda causar riscos ao meio ambiente e à saúde humana. Enfim, além da falta de insumos para a produção agrícola, a regulamentação da produção on farm é um capítulo que deve render muita discussão no próximo ano.

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Source: Rural

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