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*publicado originalmente na edição 433 de Globo Rural (dezembro 2021/janeiro 2022)

A COP 26, a mais importante agenda global sobre as mudanças climáticas, aconteceu de 7 a 12 de novembro de 2021, em Glasgow, na Escócia. Líderes de 196 países compareceram, além de centenas de entidades, empresas e ONGs. A tarefa continua sendo a mesma desde que o Protocolo de Paris foi assinado, em 2015:  manter a temperatura média do planeta no máximo 2 °C acima do que era no período pré-industrial, ou, mais desafiadoramente, apenas 1,5 °C. 

 

O metano foi a bola da vez, ofuscando os bilhões de toneladas de CO2 que despejamos anualmente na atmosfera desde que começamos a queimar petróleo e carvão. Vacas, cabras, ovelhas, iaques, bisões, búfalos, lhamas, cervos, camelos e outros ruminantes tornaram-se réus em um julgamento no mínimo parcial, já que ninguém ouviu sua versão dos fatos.

Se eles pudessem ser ouvidos, nos lembrariam de que originalmente viviam reunidos em  imensos rebanhos e que vagavam pelas pradarias, savanas e cerrados em simbiose com a natureza, pastando as gramíneas e se deslocando continuamente movidos pela estiagem ou pelos predadores. Eles nos mostrariam que essa dinâmica permitia que as pastagens se recuperassem nos solos enriquecidos com toneladas de fezes e urina deixadas em cada etapa de migração.

Apresentariam a prova cabal de que fomos nós, ao restringirmos os seus movimentos com nossas cercas e na ausência de um manejo adequado das pastagens, que interrompemos o ciclo de recuperação dos solos e plantas. Até mostrariam imagens sofisticadas de satélites para provar que somente no Brasil 60% das pastagens estão degradadas e, recorrendo a citações  científicas, demonstrariam que, nesse estágio, as gramíneas, originalmente eficientes na captura do carbono, tornam-se emissoras de carbono – humanos se convencem mais fácil assim.

Declarariam seu respeito às arvores – porque lhes dão sombra e abrigo –, mas tentariam desconstruir o conceito de que elas são a plena capacidade de captura de carbono, pois, na verdade, são gigantes de carbono de um processo já consolidado. Proporiam, ao invés disso, reconsiderar as esquecidas gramíneas, que cobrem dois terços do planeta e se renovam em alguns meses, o que as coloca no topo dos mitigadores do efeito estufa.

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Recomendariam ser urgente mimetizar a natureza, usando técnicas de pastejo que permitam a recuperação das gramíneas, e, quem sabe, ousariam propor que uma parte dos prometidos US$ 100 bilhões anuais de financiamento pelos países ricos fosse aplicada na recuperação de pastagens degradadas.

Sem querer, mas apenas mostrando o óbvio, nos provariam que o problema não são as vacas, os búfalos ou as lhamas, mas somos nós, os humanos, com nossas práticas  extrativistas. Mas eles não falaram na COP 26, e seguimos com nosso discurso de que ações ecológicas necessariamente são avessas ao crescimento econômico sustentável.

*Luiz Josahkian é zootecnista, professor de melhoramento genético e superintendente técnico da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ)

**as ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seu autor e não refletem, necessariamente, o posicionamento editorial da Revista Globo Rural
Source: Rural

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