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Uma das especiarias mais caras do mundo, a baunilha é resultado da fermentação dos frutos de uma orquídea originária do México, onde era consumida junto com o cacau pelos astecas. Levada por colonizadores franceses para a África, onde não há polinizadores naturais de suas flores, a planta tem sido reproduzida a partir de clones – o que comprometeu a variabilidade genética e a sua resposta a doenças fúngicas e virais que hoje atacam culturas mundo afora.

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Vanilla canyculata Schltr. Espécie foi encontrada pela primeira vez em outubro do ano passado em em Caetité, na Bahia (Foto: Divulgação/INB)

 

“As baunilhas cultivadas são um caso clássico de exploração de um produto de biodiversidade que ganhou o mundo e tem uma demanda extremamente grande. Ou seja, não tem baunilha pra tudo que se precisa”, observa Roberto Vieira, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e coordenador do projeto Baunilhas Brasileiras, ao destacar a erosão genética sofrida pela espécie mexicana (vanilla planifolia), hoje a mais cultivada no mundo. No Brasil, a produção é pequena e concentrada principalmente no Sul da Bahia, onde o clima tropical úmido favorece o desenvolvimento da espécie exótica.

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“Lá existem alguns produtores já plantando vanilla planifolia com algum sucesso. Em escala talvez pequena, em sistemas não tão grandes quanto imagino que tenha em Madagascar (maior produtor mundial) e outros lugares. Agora, a gente tem uma flora muito rica com muitas espécies e vanilla, principalmente aromáticas”, destaca o pesquisador que hoje se dedica à construção de um banco genético das baunilhas nativas do Brasil.

“O trabalho com orquídeas de maneira geral é um trabalho muito demorado. As orquídeas têm um desenvolvimento muito lento e tudo isso é muito demorado. E como o Brasil não tem tradição nenhuma no cultivo de baunilha, estamos no ponto zero”, observa o taxonomista e também pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos, Luciano Bianchetti. Ele destaca o potencial do Brasil no desenvolvimento de variedades mais resistentes a doenças graças às propriedades das espécies nativas.

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“Através do melhoramento tradicional, cruza-se a espécie de interesse com aquela que apresenta resistência. O resultado a gente nunca sabe qual vai ser, mas um dos possíveis efeitos é encontrar uma planta que continue sendo produtiva como a que já era conhecida, mas que agora apresente a resistência da outra planta”, explica Bianchetti ao listar pelo menos quatro espécies brasileiras com potencial genético e econômico.

Entre elas está a Vanilla baiana, já usada na indústria de cosméticos e mantida pelo paisagista e pesquisador Christoph Fikenscher no Sul da Bahia junto com outras espécies nativas e a própria planifolia, de origem mexicana. “Ela (vanilla baiana) é relativamente resistente ao fusarium e frequente. Ocorre muito no litoral da Bahia, áreas de restinga, também no cerrado e em áreas similares relativamente pobres em relação a fertilidade do solo”, relata Fikenscher. Ao todo, ele cuida de 2,5 mil exemplares em sistema agroflorestal, mas ainda com uma produção limitada.

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“A decisão de testar algumas espécies nativas foi por esta razão de resistência ao fusarium e, claro que ao mesmo tempo, como interesse em uma qualidade aromática diferenciada e interessante”, afirma o produtor ao descrever a sua atividade como uma pesquisa botânica e paisagística. Aos poucos, ele tem substituído a planifolia mexicana por baunilhas brasileiras – processo que enfrenta gargalos como falta de mudas certificadas e de literatura sobre os cuidados na colheita e na maturação das favas.

“A literatura disponível se refere exclusivamente a vanilla planifolia. Sobre o manejo das outras espécies evidentemente não existe nada porque, comercialmente, nenhuma outra espécie é cultivada numa escala que desperte esse tipo de trabalho”, lamenta o produtor. Para obter suas mudas, ele realiza um trabalho de pesquisa em campo, percorrendo matas e florestas à procura de orquídeas o tipo vanilla – atividade que exige experiência para identificar os caules entre outras trepadeiras sobre os troncos das árvores.

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“Com o tempo, na parte baixa, não fica mais folhas e se você não tem uma experiencia de muita observação não identifica como baunilha, vê como uma espécie de estaca estranha que sobe porque, na verdade, a planta está lá em cima”, conta Fikenscher. Seu último achado, uma vanilla odorata, foi obtida a partir de um pedaço caído no chão. “A gente sempre recomenda que quando se deparar com uma planta dessas seja retirado um pedaço para fazer muda e o ideal é que se enterre outras estacas perto de arvores próximas daquela que você coletou porque estaria aumentando a população daquele indivíduo”, completa Bianchetti.

A recomendação do pesquisador se deve ao fato de o extrativismo predatório, junto com o desmatamento, ser uma das principais ameaças à preservação das espécies nativas – que dependem de sombreamento e árvores de suporte para se desenvolver em locais de mata fechada. “A gente não pode incentivar de maneira nenhuma que uma pessoa vá a campo, encontre uma população, e colete todas as mudas possíveis. Isso vai acabar com aquela população e as populações de vanilla em geral não são frequentes e apresentam uma densidade baixa, todos pontos negativos. Por isso que a coleta tem que ser feita com bastante responsabilidade e muito cuidado”, explica o pesquisador da Embrapa.

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Com um interesse cada vez maior por essas orquídeas, os esforços para criar um banco genético e gerar conhecimento técnico sobre essas espécies ganham ainda mais importância, segundo explica o coordenador do projeto Baunilhas Brasileiras. “A gente quer apoiar para que essas cadeias se construam em bases sustentáveis porque senão você mata a galinha dos ovos de ouro. É um produto de alto valor agregado e as pessoas precisam compreender isso. Leva tempo para produzir e exige uma série de cuidados que precisam ser compreendidos, já que é um processo bioquímico a maturação”, destaca Vieira.

Diante dessas características, o pesquisador avalia que o mercado das baunilhas nativas se desenvolverá regionalmente, em pequena escala, atendendo mercados de nicho como a alta gastronomia e o turismo. “A gente precisa conhecer mais. A gente conhece muito pouco dessas espécies nativas. Tem produtor plantando três mil pés, mas se de repente surge uma doença ele entra em desespero porque não temos nenhum produto registrado para controlar nada. Por isso a gente tem que ir devagar pra não criar uma expectativa de que é fácil e que vai ganhar dinheiro fácil porque não é assim”, alerta Vieira.
Source: Rural

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