Skip to main content

Uma decisão recebida como conquista pelo setor produtivo em Mato Grosso virou alvo de disputa entre agricultores e pesquisadores, com apoio do Ministério Público Estadual. O plantio da soja em fevereiro, autorizado recentemente pelo governo federal, passou a ser contestado na Justiça. Associações de produtores saíram em defesa da ampliação do calendário para poder produzir sementes próprias.

Produtores de soja em Mato Grosso são a favor de mudanças no calendário do plantio de soja (Foto: Ernesto de Souza/Ed. Globo)

 

Em setembro, o Ministério da Agricultura liberou a semeadura até 3 de fevereiro, ampliando a janela de plantio que estava limitada ao dia 31 de dezembro desde 2015. Favorável à ampliação da janela de plantio, a Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja-MT) divulgou no final de outubro uma pesquisa que, em sua visão, atesta a viabilidade do cultivo fora da época em que o grão é mais cultivado no país. 

"O mês de fevereiro tem menos chuva, então não é o maior potencial produtivo, mas como a incidência de ferrugem é menor, se usa menos fungicida e a qualidade é melhor, reduzindo os custos", argumenta o coordenador do estudo da Aprosoja-MT, o engenheiro agrônomo Erlei Melo Reis. A pesquisa levou quase quatro anos e gerou "um gasto enorme", segundo ele, para atestar a viabilidade do plantio da soja em fevereiro.

saiba mais

Produtores devem manter excelente nível de rentabilidade, diz Agroconsult

Anec estima exportação de 2,6 milhões de toneladas de soja em novembro

 

Neste mês, o Ministério Público Estadual de Mato Grosso (MP/MT), no entanto contestou, defendendo o calendário convencional, até 31 de dezembro, segundo uma instrução normativa da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e o Instituto de Defesa Agropecuária (Indea). Junto com o Ministério Público Federal (MPF), enviou notificação à Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Mato Grosso.

Os pesquisadores da Aprosoja-MT já haviam indicado, na entrevista coletiva em que apesentaram o estudo que defende o plantio em fevereiro, que enfrentavam resistências por parte do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado (Indea) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que são contrários ao novo calendário. Os produtores, por sua vez, veem um lobby das empresas produtoras de sementes.

"Não existe argumento técnico contra o plantio em fevereiro. Ninguém vai contestar cientificamente, é uma discussão política", afirma Reis. Ele argumenta que as restrições ao plantio em fevereiro dariam vantagens às sementeiras, que preservariam uma fatia do mercado. 

O pesquisador acrescenta que o período de armazenagem seria menor, pois a colheita seria feita em maio e a soja plantada a partir de setembro, quando começa a safra tradicional. “É outro fator positivo para a qualidade do grão, além de poupar recursos de infraestrutura”, diz ele.

"Essa medida [do MP] é uma forma de favorecer os sementeiros, impedindo o produtor de plantar na melhor época", endossa o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Sinop (MT), Ilson Rediva. "O plantio em fevereiro é infinitamente melhor para a produção de sementes do que dezembro", ele diz.

Leia mais sobre Soja

O presidente do Sindicato Rural de Canarana (MT), Alex Wisch, lembra que os produtores conseguem "salvar", a cada safra, um volume de sementes equivalente a 30% da área plantada total. Para a maior parte das lavouras, a diferença no custo chega a 40% entre produzir as sementes próprias ou comprá-las das sementeiras.

"Precisamos desse plantio para poder produzir nossa semente, é um direito nosso", declara Wisch. Com a regulamentação vigente, os produtores podem destinar até 10% da lavoura, em fevereiro, para a produção de sementes. "Não é permitido plantar soja após soja. A área precisa estar em repouso ou ter tido outra cultura entre uma safra e outra", pontua ele.

Rediva lembra que, de acordo com os dados levados ao Ministério da Agricultura pela Aprosoja-MT, em setembro, para pedir ao governo a ampliação da janela de plantio, as lavouras demandam de oito a dez aplicações de fungicida em dezembro, ante quatro a cinco em fevereiro. "É um período mais seco, que garante a qualidade das sementes. Soja para semente não pode ser 'chuvada'", diz o representante.

Segundo a entidade, há, no estado, um déficit em relação aos volumes e qualidade das sementes, em parte porque o ritmo de expansão da área plantada mantém a demanda sempre apertada, em descompasso com a oferta das sementeiras, sementes salvas e produção própria.

"Hoje, trazemos grãos de vários lugares, como a Bahia, o Maranhão e outros estados. Por terem outro clima, as sementeiras de fora conseguem produzir mais, enquanto o produtor de Mato Grosso tem que se adequar, por isso o plantio em fevereiro deve ser mantido", defende o presidente do sindicato rural de Nova Mutum (MT), Paulo Zen.

saiba mais

Aprosoja Brasil diz que União Europeia adota protecionismo disfarçado de proteção ambiental

 

Para Rediva, a produção de sementes próprias pode, inclusive, levar a melhorias na qualidade do produto oferecido pelas sementeiras. "Se uma parte dos produtores fizer sementes, vai estimular a qualidade por meio da concorrência", prevê o representante de Sinop.

"Com a produção própria, o produtor vai atender onde a sementeira não consegue. As vendas vão cair um pouco, mas as sementeiras não vão perder espaço", pondera Paulo Zen. "O produtor busca produzir a própria semente porque está comprando germoplasmas que não dão resultados", indica.

Procurado, o Ministério Público de Mato Grosso não se pronunciou até a conclusão da reportagem. Na notificação, o órgão justifica a retomada da janela de plantio convencional, com 34 dias a menos do que a vigente, no combate à ferrugem asiática. A Embrapa sugere, inclusive, que o período de semeadura convencional pode ser ainda mais curto no futuro.

Maior produtor de grãos do país, o MT deve produzir 32,5 milhões de toneladas de soja na safra de 2021/2022, ou 28,2% da oleaginosa brasileira.

Goiás

Em Goiás, a Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa) publicou no dia 22/11 a Instrução Normativa nº 06/2021, que estabelece o calendário de semeadura da soja entre 25 de setembro e 31 de dezembro de 2021,  diferente do período indicado pela Portaria n.º 389/2021 do Ministério da Agricultura, que instituiu o novo Programa Nacional de Controle da Ferrugem Asiática da Soja.

O Presidente da Agrodefesa, José Essado e o Diretor de Defesa Agropecuário, Sérgio Paulo Coelho, esclarecem que, “considerando que a autarquia está resguardada do direito de estabelecer período de semeadura mais restritivo do que a portaria federal, optou-se por restringir o final do plantio da soja, safra 2021/2022, até dia 31 de dezembro, de modo a evitar prejuízos à produção de soja em Goiás”.

A Agrodefesa cita nota técnica da Embrapa Soja, de 04/09/2019. Os técnicos da Embrapa alertam que “estender a janela de semeadura da soja pode favorecer o desenvolvimento da ferrugem asiática, devido ao cultivo de soja na safrinha, que poderá acarretar uma ponte verde da safra de verão para safrinha, aumentando assim as aplicações com fungicidas e consequentemente acelerar perda de eficiência desses produtos utilizados para controlar a ferrugem asiática”.
Source: Rural

Leave a Reply