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Assinada ainda durante a COP26, a declaração conjunta entre Estados Unidos e China mostra a cooperação para combater o aquecimento global e tem como um ponto crucial a proteção de florestas e o fim do desmatamento ilegal. Estes critérios são e serão ainda mais cobrados nas importações, condicionando as compras à transparência. Quem depende das exportações, como o Brasil, deve se preparar para rastreabilidade de ponta a ponta.

No entanto, a realidade brasileira é de mais um recorde de desmatamento na Amazônia, segundo os números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) relacionados ao mês de outubro. Diante deste cenário, especialistas dizem que a política interna tenta flexibilizar o conceito de desmatamento com o objetivo de driblar tamanha exigência do mercado externo sem perder protagonismo no cenário internacional. 

Maureen Santos, professora de Relações Internacionais da PUC-Rio e coordenadora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), conta que na carta de intenções entre China e Estados Unidos é mencionada a colaboração para eliminar o desmatamento ilegal. O documento ainda propõe a “criação de leis para banimento de exportação” nestas condições.

Área de desmatamento na Amazônia (Foto: Reprodução/ TV Globo)

 

A questão é que, para haver qualquer sanção econômica com base na degradação ambiental, a referência é a legislação do país fornecedor. Em resumo, americanos, chineses, europeus ou quaisquer nacionalidades não podem interferir na interpretação do que é legal ou ilegal. O entendimento sobre qual área poderia ou não ser desmatada é definido pelo Brasil. E este é um ponto de preocupação para Maureen, ao lamentar que a política ambiental atualmente sofre um "desmonte". 

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“Com essa flexibilização do uso da terra no Brasil, com a atuação da bancada ruralista no Congresso e a mudança de presidências na Câmara e no Senado, tem sido feito um verdadeiro desmonte e legalizado práticas que eram ilegais”, diz. Ela se refere aos projetos de lei 2.633/2020 e 510/2021, que tratam de regularização fundiária e da ocupação de terras públicas, e que têm avançado na agenda do Congresso, com os presidentes Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), simpatizantes da ala bolsonarista. 

Segundo Olympio Barbanti, professor de Relações Internacionais da Universidade Fedreal do ABC (UFABC), há muita atividade agropecuária em área que deveria ser pública. Mesmo assim, ele diz, a política ambiental do governo do presidente Jair Bolsonaro usa o argumento de que a abertura de áreas seria sinônimo de geração de emprego e renda. E, em seguida, é realizada a transferência de direitos possessórios para o produtor. Desta forma, o que era uso ilegal de terra pública entra em processo de legalização. “Há esse tratamento permissivo em relação ao que é público e à privatização para benefício de alguns privados”, reclama.

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Este tipo de mecanismo que, na visão do professor, permite a privatização do bem público visando maior área para produção de commodities, como soja e gado, não chega à mesa de discussão dos países importadores. Por isso, Estados Unidos e China podem até alegar que irão interromper a compra de produtos advindos de desmatamento ilegal, mas não entram na discussão sobre qual área realmente tem aval para produção.

“Há uma margem de manobra para governos que não são transparentes. Eu não vejo uma grande capacidade [destes países] de pressionar ao que é um desmatamento ilegal”, expõe Barbanti.

Em hipótese, se o Brasil disser que a produção agrícola no meio da floresta amazônica está dentro das conformidades da legislação nacional, a comunidade internacional não tem poder de contestação. Pelo menos na esfera política. “Se você faz pressão sobre o governo, é uma discussão política. Mas se você faz pressão sobre as empresas, aí é uma discussão comercial”, pontua Barbanti.

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Assim, a ação conjunta entre americanos e chineses para combater o desmatamento não deve ficar apenas no discurso. O papel de balizador  deverá ser assumido pela iniciativa privada, o que inclui tradings e fundos de investimento. Conforme avaliação do professor da UFABC, uma prova disto é o contexto em que a carta de intenções entre os países foi assinada, isto é, em meio a outros compromissos globais.

Ele cita o Pacto de Metano, a Declaração sobre as Florestas, o Fórum de Investidores “Race to Zero”, e ainda o Forest Agriculture Commodity Trade (FACT), diálogo que visa promover desenvolvimento sustentável para a agricultura enquanto protege florestas e ecossistemas. Em todos os compromissos há uma forte atuação das corporações.

"Calcanhar de Aquiles"

Para Roberta Paffaro, especialista em commodities agrícolas na América Latina, não somente a China, mas União Europeia e Estados Unidos vão passar a exigir certificados que comprovem a rastreabilidade do alimento, incluindo as demandas do ESG (ambiental, social e governança). Por outro lado, não há espaço para ingenuidade: "A China precisa de alimentos e vai comprar de onde é mais barato e conveniente", resume.

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"Os Estados Unidos podem estender o plano climático ao comercial, mas pode não ser tão simples. A guerra comercial, que começou no governo [Donald] Trump, teve consequências disruptivas. É como uma amizade, após uma 'briga'. O laço pode voltar a existir, mas nunca será igual", analisa. "Em 2022, teremos um ano de eleição e, se o real seguir desvalorizando, a soja brasileira fica mais barata e atrativa que a americana", prevê.

Assim, resta ao Brasil fazer a lição de casa e continuar defendendo a produção sustentável existente. E resolver o “calcanhar de Aquiles” chamado crédito, segundo Roberta. “O mercado financeiro pode ser um aliado [na produção sustentável], já que traz algumas alternativas como CRA Verde, FIAGRO, CPR Verde, entre outros”, ela sugere, a fim de facilitar a adoção de crédito àquele produtor que deseja comprovar o manejo legal e sustentável e aderir tecnologias de rastreabilidade. 

É exatamente para financiar a economia verde que os investimentos privados tiveram tanta relevância durante a COP26, como ressaltou o embaixador britânico em Brasília, Peter Wilson, em conversa com jornalistas. “Fundos privados são uma estratégia inteligente, porque são absolutamente chave para atingir os objetivos [de descarbonização], além de afetar o comportamento de todos os investidores. Se queremos atingir as metas, temos que fazer economia verde. Por isso, tenho confiança que os países não vão financiar projetos que destroem o meio ambiente”, defendeu.

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Source: Rural

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