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Em dezembro, o Selo Biocombustível Social (SBS) celebrará 18 anos desde sua criação pelo Decreto Federal nº 5.297/2004. Nesse período, ocorreram importantes trabalhos que remetem ao desenvolvimento sustentável, à regulamentação de políticas e ao seu processo de melhoria contínua. São aprendizados que podem servir de exemplo para políticas públicas em curso ou outras a serem desenvolvidas e que oferecem perspectivas para a nova fase que se apresenta.

Em primeiro lugar, é marcante que o ato normativo que originou o SBS ocorreu antes da Lei 11.097/2005, cuja sanção criou o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel. Ou seja, as bases sociais do biodiesel brasileiro foram dadas antes mesmo da inserção do produto na matriz energética nacional.

 

Nesse Decreto, o programa determinou que as condições básicas – vigentes até hoje – para a concessão do certificado para usinas de biodiesel são: i) aquisição de produtos da agricultura familiar em percentual mínimo, conforme regulamentação ministerial; ii) celebração prévia de contratos de compras da produção com os agricultores; e iii) prestação de assistência e capacitação técnica aos agricultores participantes.

O estabelecimento de condições dessa natureza era incomum na época. Mais frequentes eram os programas de aquisição direta de produtores rurais por compras públicas como o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar. A celebração de contratos prévios de compra da produção familiar, por exemplo, era um desafio, mas que se mostrou como uma solução moderna, pois trouxe garantia para que os agricultores participassem do Programa. Ainda mais inovadora foi a exigência de prestação de assistência e capacitação técnicas gratuitas para levar insumos e técnicas produtivas que proporcionassem melhoria da produtividade.

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Como quase sempre ocorre com novas ideias, houve resistências e erros. Entretanto, algumas evidências acabaram por fortalecer aspectos positivos. Podemos destacar a construção de um ciclo virtuoso de crescimento e desenvolvimento agroindustrial, e a rápida inclusão de operações envolvendo agricultores familiares. Ou seja, tanto produtores quanto usinas observaram que o fortalecimento do Programa se deu pelo conjunto do que se observava: capacidade real de formação de um parque industrial pelo setor para produção do biocombustível aliada ao potencial de inclusão social e produtiva de um número crescente de agricultores familiares.

Os erros também são naturais do processo. Arranjos produtivos visualizados inicialmente mostraram-se inadequados ou insuficientes e requereram mudanças. Os aperfeiçoamentos e as correções de rota foram realizados sem atropelos. Quase anualmente, uma nova Portaria Ministerial foi editada contemplando conceitos de cadeia de custódia, como o balanço de massa, novos produtos elegíveis, e novos atores participantes das cadeias produtivas agrícola e pecuária, dentre elas as cooperativas e cerealistas.

Essas mudanças também foram constantemente debatidas entre o Ministério da Agricultura e os setores regulados por meio de uma Câmara Técnica, que dedicou incontáveis horas a cada um desses temas, sempre de forma técnica e cordial, buscando o consenso. Ao Ministério coube o papel de mediador, além da prerrogativa de ter a palavra final sobre o texto a ser aprovado.

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De acordo com o último balanço do Programa, mais de 74 mil famílias e 69 cooperativas de agricultores de 18 unidades da federação foram integradas à cadeia produtiva do biodiesel, gerando contratos de aquisição de 3,7 milhões de toneladas e quase R$ 6,0 bilhões. É importante ressaltar o papel no fortalecimento do cooperativismo familiar nestes quase 18 anos. Nos arranjos estabelecidos entre usinas e agricultores familiares, dois terços são oriundos de agricultores cooperados. Boa parte das cooperativas, em especial na região Sul, estruturaram e ampliaram suas atividades econômicas por conta das possibilidades trazidas pelo Selo.

Também foram investidos cerca de R$ 50 milhões em projetos de assistência técnica e capacitação rural, os quais levaram aos agricultores o estado da arte em insumos e processos de produção agrícola. Essas ações resultaram em aumento da renda, empregos e eficiência produtiva. Como consequência, a melhoria da qualidade de vida de milhares de agricultores.

Sem dúvida, trata-se do maior programa de aquisições do Governo Federal. Distintamente de outras iniciativas, no Selo Biocombustível Social as ações são desempenhadas pelo setor privado e ao Ministério da Agricultura cabe o desenho de regras que promovam o crescimento dessa integração e do desenvolvimento regional. E isso tudo talvez com o mais significativo aspecto do Programa: baixíssimo dispêndio de recursos públicos.

O aperfeiçoamento contínuo da política pública também merece destaque. Foi com base nesse modelo que aconteceram os avanços dos últimos anos, mas também inseridos dispositivos que possibilitarão a valorização de aspectos ambientais dos produtores rurais nas avaliações da pegada de carbono da cadeia do biodiesel. A propósito, será sempre importante para a eficiência das políticas públicas que elas se complementem em seus objetivos. Assim é que a exigência do Cadastro Ambiental Rural das propriedades dos agricultores foi definida a partir de 2015.

Para além disso, o Selo extrapola a simples produção de matéria-prima para biodiesel e consequentemente a descarbonização da matriz energética brasileira. Arranjos com oleaginosas em regiões como Norte e Nordeste têm mudado o quadro de diversificação das aquisições no país. O desenvolvimento regional é, por sinal, uma das diretrizes desde a concepção da iniciativa.

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São muitas conquistas e grandes desafios. Atualmente, 100% das usinas possuem o Selo e a exigência de que pelo menos 80% do biodiesel vendido no Brasil fosse proveniente de unidades com essa certificação mostrou-se correta, mas já superada. Com a plenitude do setor integrada à agricultura familiar, é salutar e desejável que se dê um passo adicional exigindo que esse percentual se eleve para o mínimo de 90%.

Em matéria de sustentabilidade, os aspectos sociais devem ser valorizados e reforçados. Emprego e renda promovidos por políticas público-privadas modernas são concepções alinhadas aos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. O Selo Biocombustível Social tem muito a ensinar sobre o desenho de políticas públicas planejadas, inclusivas e sustentáveis. O Brasil tem muito a crescer nos biocombustíveis e nas energias renováveis e definitivamente a agricultura familiar deve participar desse desenvolvimento.

*Daniel Furlan Amaral é economista-chefe da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e Marco Aurélio Pavarino é coordenador-geral de Extrativismo da Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

**as ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural
Source: Rural

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