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Com um rebanho de mais de 214 milhões de cabeças de gado distribuídas entre 2,6 milhões de produtores, a pecuária brasileira pode precisar de uma verdadeira revolução para conseguir alcançar as metas de redução de emissões de metano assumidas pelo Brasil durante a COP26. Especialmente em promover o acesso aos recursos e à tecnologia. O setor respondeu por 65% do metano emitido pelo país no último ano, com 20,2 milhões de toneladas, alçando o Brasil ao grupo dos cinco maiores emissores globais do gás.

A oferta de 3 mil bezerros foi toda adquirida por confinadores, o que retrata o foco no futuro da pecuária brasileira (Foto: Ricardo Benichio)

 

“O metano brasileiro vem da pecuária”, resume o diretor executivo da ONG Amigos da Terra, Mauro Armelin. Gerado pela fermentação que ocorre dentro do sistema digestivo dos bovinos e outros ruminantes, o metano também é emitido pela exploração de petróleo e gás pelo não tratamento do lixo e de efluentes, atividades que responderam, juntas, por 19,3% das emissões brasileiras do gás. Porém, enquanto para esses casos, as soluções possíveis são mais práticas, quando o assunto é boi, não há muita escapatória.

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“Existe uma quantidade enorme de metano sendo perdido por vazamento em gasoduto. E quando o problema é um vazamento, você consegue enxergar uma solução, que é tampar o vazamento. No caso da pecuária, a gente não consegue fazer isso. A gente não consegue interromper o processo de fermentação. Então o nosso desafio realmente é grande”, explica o chefe-geral da Embrapa Pecuária Sudeste, Alexandre Berndt, ao lembrar que o país já possui tecnologias que permitam reduzir as emissões de metano da pecuária, mas que zerá-las seria impossível.

“Na pecuária, o metano não é como o carbono que se você desmatar, queimar, ou fazer uma gestão errada da fazenda você tem como sequestrar depois. O metano você não tem essa possibilidade, o que a gente pode fazer na pecuária é reduzir as emissões de metano por arroba produzida”, reconhece o pecuarista e vice-presidente do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), Caio Penido. Na avaliação dele, o compromisso assumido pelo Brasil é uma oportunidade para expandir as boas práticas de criação de gado – um processo que vem ocorrendo há mais de uma década de forma lenta e gradual.

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Com uma produtividade média de 4,3 arrobas por hectare ao ano, a pecuária brasileira ainda carrega o título de uma das menos eficientes do mundo. No mesmo país onde alguns produtores registram números abaixo de 4 arrobas por hectare ao ano, um pequeno grupo de pecuaristas consegue marcas que superam, com folga, as 20 arrobas por hectare ao ano. A receita não é segredo para ninguém: adubação e manejo de pastagens, suplementação nutricional e bem-estar animal.

“A gente tem o que ninguém tem: área para ser intensificada, margem para redução da idade de abate, fora a legislação ambiental brasileira. Agora, para popularizar isso, a gente vai precisar de campanhas de comunicação fortes, motivando esse produtor”, destaca Penido, ao lembrar que investimentos em nutrição, solo, genética e gestão representam, antes de tudo, custos para o pecuarista. “A gente já tem um plano pronto, que inclusive é o Plano ABC, mas tem que colocar mais dinheiro e destinar às áreas que realmente estão precisando”, completa o pecuarista.

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A falta de acesso e, em alguns casos, de interesse por essas tecnologias é o maior desafio do Brasil para fazer avançar a agenda firmada durante a COP26, destaca o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini. “O Brasil precisa ter a decisão. A gente tem a tecnologia, já tem os números sabendo do benefício que ela traz, mas teria que ter a decisão política de implementar”, afirma, ao comentar que o desafio é “enorme”.

“A assinatura de um papel é sempre a assinatura de um papel. Ele fica mais real quando é designado um orçamento, um período de execução, a região onde aquele compromisso vai ser implementado e qual a estratégia será adotada. O Brasil hoje não conta com isso. Nem com o plano e nem com os recursos”, lamenta Astrini. 

Sem uma política pública que garanta a difusão do conhecimento sobre as práticas necessárias para mitigar as emissões de metano, os especialistas alertam para o risco de exclusão daqueles produtores que não conseguirem acompanhar as transformações que ainda estão por vir. A última previsão da Embrapa, divulgada antes da COP26, era de que 50% dos pecuaristas poderiam deixar a atividade até 2040.

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Na avaliação de Penido, esse processo econômico será justamente o motor dessa transformação, mas será necessário ampliar o investimento em assistência técnica e extensão rural para garantir que o interesse nessas novas tecnologias se converta em ações efetivas no campo. “Todos esses grupos grandes que estão nessa onda de carne sustentável e tiveram apoio para adquirir o status que tem hoje. Então temos que ter a mesma coisa para o pequeno e médio produtor”, destaca o vice-presidente do GTPS.

Nesse sentido, Berndt, da Embrapa, acredita que a mudança na pecuária levará tempo para acontecer, sendo fundamental o investimento em pesquisa e desenvolvimento. “A gente provavelmente vai precisar desenvolver novas tecnologias para poder chegar nessa meta de 30% e provavelmente as instituições de pesquisa vão precisar, sim, de esforços para financiar a pesquisa nesse sentido. É um desafio grande para o país, então tem que ser proporcional o investimento na busca por soluções”, completa o pesquisador.
Source: Rural

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