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Terra úmida, diferentes tons de verde, pequenas frutas pelo caminho… Uma verdadeira floresta, viva e dinâmica, a poucos metros da Rodovia BR-381, a Fernão Dias. Após adentrar o cafezal pelas estradinhas esburacadas, a 1.100 metros de altitude, a paisagem impressiona: um mosaico composto por café, banana, mogno e abacate. Uma alta camada de cobertura de solo, inúmeras plantas, e a água da chuva que repousa e hidrata a biodiversidade. A princípio, pode até parecer confuso, mas, ao entender a função de cada cultivo e árvore, tudo se encaixa perfeitamente.

Produtor mineiro aposta na agricultura regenerativa e recupera antiga área de pastagem degradada com cultivo de banana, abacate e mogno em meio aos cafezais. (Foto: Rogerio Albuquerque)

 

Pelas terras da Fazenda Pedra Preta, no município mineiro de Careaçu, o café é o sustento da família há cinco gerações. Tataraneto de cafeicultores, Eduardo Ferreira de Souza olhou para o desempenho da atividade no decorrer dos anos e constatou: os altos custos de produção, a incerteza dos preços  e a dependência de apenas um cultivo estavam engessando os negócios e levando a cafeicultura ao esgotamento.

Para piorar, a volatilidade da cotação do café está intrinsecamente ligada às mudanças climáticas, que têm surpreendido negativamente o setor. Foi então que o jovem de 28 anos fez as malas e viajou o mundo para estudar. Trocou experiências e decidiu inovar: cultivar uma agrofloresta com o café. Como a tradição da família sempre foi a monocultura, a ideia não foi tão bem recebida.

“Era uma antiga pastagem de gado, com solo bem degradado, e meu pai me deu falando que era a pior área da fazenda. Se desse certo lá, daria certo em qualquer lugar”, brinca, mostrando um trecho do solo ainda compactado e arenoso. Dos 271 hectares da propriedade, Eduardo e o irmão Otávio puderam explorar 3,3 hectares para experimentar o plantio consorciado. A proposta era a de uma floresta planejada, cujos cultivos, além de representarem diversificação de renda, prestassem serviços ecossistêmicos.

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Depois de conversar com cafeicultores da Costa Rica, Guatemala e Colômbia para pegar referências em agrofloresta, a rede de contatos levou Eduardo ao Grupo Luxor, que atua com investimentos em diferentes setores, incluindo o agronegócio, e já estava manifestando interesse nesse modo integrado de produzir. Com a área experimental disponível e capital para rodar o projeto, os engenheiros florestais Valter Ziantoni e Paula Costa, fundadores da PretaTerra, foram chamados para fazer parte do time e desenhar essa agrofloresta.

Com as mudas de café plantadas, o passo seguinte foi integrar as bananeiras ao cultivo. Enquanto do solo para cima as largas folhas possibilitam sombreamento para os pés de café, do solo para baixo, a raiz grossa e profunda da bananeira permite maior absorção de nutrientes por ambos os cultivos.

Consórcio – Eduado Ferreira de Souza, em dois anos e meio, colheu três safras de banana, o que garante fluxo e caixa extra. (Foto: Rogerio Albuquerque)

 

Eduardo cita outros benefícios da banana, como a cobertura do solo e a produção na época em que o café não produz. “Nesses dois anos e meio que o café pouco produziu, a banana já deu quase três safras. Com a receita da banana, pagamos 40% dos insumos de nutrição da área inteira. Então, diminui a pressão do fluxo de caixa, além da banana ter precificação regional, sem sofrer com as alterações do dólar”, relata o cafeicultor.

Em caso de geada, a floresta se comporta como uma estufa, assim a cultura não sofre com a baixa temperatura"

VALTER ZIANTONI, engenheiro florestal e um dos fundadores da PretaTerra

No sistema desenhado e proposto pela PretaTerra, a cada cinco pés de café há uma bananeira, com espaçamento de 4 metros entre elas e 60 centímetros entre os cafeeiros. São três linhas nesse formato e, em seguida, uma linha de mogno e abacate alternados, com distância entre os mognos de 14 metros. Já entre a árvore e o abacate, há um espaço de 7 metros. (veja infográfico ao final do texto)

“As bananeiras estão colocadas de forma triangulada, para que as copas não se sobreponham. Cada uma ocupa um espaço do sol e é um cuidado que trouxe efeito positivo para nós”, descreve Eduardo. Por sua vez, o abacateiro é uma planta muito rica em óleos e naturalmente tem bastante queda de frutos, servindo de nutrição ao solo e para a própria fauna.

Daí nasceu o Tropicália, em 2019, aproveitando a mesma área para plantio de café, banana, abacate e mogno – e ainda outras possibilidades para o futuro, como a macadâmia. Mais do que um sistema de agrofloresta, a iniciativa dos produtores Eduardo e Otávio dá vida à agricultura regenerativa.

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O conceito combina diferentes técnicas de manejo, dando prioridade à regeneração do solo e promovendo a resiliência climática, tanto das culturas quanto do planeta. Como já dizia Ana Primavesi, “solo doente, planta doente, homem doente”, lembra Valter Ziantoni. Por isso, a agricultura regenerativa quer ressuscitar os solos degradados, gerar plantas mais saudáveis e prover alimento de melhor qualidade.

Em Careaçu, no lado mineiro da Serra da Mantiqueira, o primeiro benefício concreto da agricultura regenerativa foi a resistência dos pés de café às geadas que ocorreram em junho e julho deste ano. Enquanto muitos produtores esperam perdas de 20% a 30% na safra 2021/2022, nos 3,3 hectares da Pedra Preta as baixas temperaturas não fizeram diferença. “O solo bem nutrido, o sombreamento das folhas e todo o ecossistema mais equilibrado possibilitam a criação de um microclima, que ajuda a planta a se adaptar e ser mais resiliente”, explica Valter.

Resumidamente, em caso de geada, a floresta se comporta como uma estufa, assim a cultura não sofre com a baixa temperatura. Já numa situação de estiagem, a cobertura do solo e a maior absorção de água deixam o ambiente mais úmido, evitando o estresse hídrico. Muito dessa resistência do cafezal se dá graças ao acúmulo de matéria orgânica proveniente das outras árvores, como a banana e o abacate, por proporcionar um rico fluxo de microrganismos e nutrientes. Assim, o solo mais nutrido facilita a troca de vitaminas entre as diferentes raízes.

Nesses dois anos e meio que o café pouco produziu, a banana já deu quase três safras durante a época das chuvas"

EDUARDO FERREIRA DE SOUZA, cafeiculor

O cafeicultor Eduardo comenta que quase 70% do sistema radicular do café possui 40 centímetros, o que ainda é raso, enquanto a banana tem um sistema radicular pivotante, mais propício para descompactar o solo, acessando áreas que o café não consegue e permitindo maior absorção de nutrientes. Assim, os cultivos se retroalimentam continuamente debaixo da terra. A raiz principal do cafeeiro consegue ter mais robustez quando o solo não está compactado, tendo mais espaço para crescer e dando origem a raízes secundárias e terciárias, o que significa aptidão da planta para se reproduzir e gerar frutos, segundo Paula, da PretaTerra.

Outro benefício é a proteção mais natural contra pragas e doenças. À medida que a sinergia entre diferentes cultivos avança, a tendência é de redução do uso de insumos químicos, pois o controle biológico tende a regular a floresta. Isso reflete diretamente em menor custo de produção, além de trazer mais tranquilidade face à anunciada escassez de insumos. Nos cerca de 3 hectares, Eduardo ainda não aplicou agrotóxicos para proteger as lavouras. “Não é a nossa intenção se tornar orgânico, mas pode vir a acontecer. O cuidado com o solo é a prioridade, e usar menos químicos é uma consequência, mas que com certeza ajuda a reduzir custos”, ele comenta.

A cada cinco pés de café, há uma bananeira, com espaçamento de 4 metros entre elas e 60 centímetros entre os cafeeiros. (Foto: Rogerio Albuquerque)

 

 

Para que o regenerativo aconteça, é fundamental ouvir de quem vive no local como se dá essa interação da natureza"

PAULA COSTA, engenheira florestal e bióloga, sócia na PretaTerra

Eduardo e Otávio, em parceria com a Luxor e a PretaTerra, desenharam um projeto de agricultura regenerativa para toda a fazenda, que tem 271 hectares ao todo, e que deve ser implantado dentro de três anos. Para cada hectare, Eduardo revela que o investimento é de cerca de R$ 30 mil, caso fosse começar o plantio de café do início, equivalente ao mesmo valor previsto na monocultura, segundo ele.

Ao contar sobre os planos, Paula Costa aponta para o horizonte e afirma que a paisagem será um grande degradê. Nos topos de morro, árvores para delimitar a propriedade e ainda servir de barreira, como em caso de fortes ventos ou queimadas indesejadas. Mais abaixo, o café consorciado precisa ser semimecanizado, devido à dificuldade de entrar com o trator no declive. E, nas áreas mais baixas, a agrofloresta será 100% mecanizada. Isso significa que o projeto de agricultura regenerativa engloba toda a fazenda, e não apenas as áreas produtivas.

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Tanto na Pedra Preta como em qualquer outra propriedade que queira praticar a agricultura regenerativa, algumas etapas são padronizadas, com a finalidade de passar um pente-fino desde as características da paisagem até o processo de produção. Entender a geografia é o primeiro passo, conforme indica Paula. “Desde topos de morro e curvas de nível, a gente vê tudo, cada talhão da propriedade e a característica de cada um deles."

O conhecimento de produtores, comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas deve ser usado para entender as características da região. Esse diagnóstico passa também por entender o funcionamento do clima, o uso de maquinários em diferentes altitudes, espécies da fauna e flora, rotas de acesso, a logística, entre outras informações. “A gente cria uma fórmula, um algoritmo, para definir o que vai ser plantado em cada área, como e por que, obedecendo desde o mercado até as exigências da planta, do solo, da mecanização”, detalha Valter, da PretaTerra.

Para praticar a agricultura regenerativa, algumas etapas são padronizadas, com a finalidade de passar um pente-fino desde as características da paisagem até o processo de produção. (Foto: Rogerio Albuquerque)

 

Felipe Villlela, fundador da reNature, empresa holandesa que propõe a transição das práticas agrícolas para a produção regenerativa, adiciona que é na fase de diagnóstico que o produtor precisa fazer o estudo de solo a fim de entender qual o melhor manejo para recuperá-lo, bem como quais são os principais desafios em relação às pragas e doenças.

É uma transformação da indústria. Não estamos preocupados se isso vai diminuir o mercado de químicos"

FABIO PASSOS, líder do negócio de carbono da Bayer para a América Latina

A prova de que o Brasil tem grandes chances de liderar a agenda das mudanças climáticas é a Aliança da Bioeconomia Circular, encabeçada pelo príncipe Charles, visando criar as diretrizes que regem a lógica de criação de designs agroflorestais. Paula Costa e Valter Zianton, da PretaTerra, foram convidados pelo herdeiro do trono da Inglaterra a tornar os sistemas de produção agroflorestais viáveis em larga escala e rentáveis. 

Sem revelar qual o investimento feito pela realeza britânica, Valter diz que os projetos já estão ganhando forma em 14 países diferentes, incluindo Gana, com 90 mil hectares integrando café, cacau, madeira e outros alimentos, e em Ruanda, com as mesmas variedades em 72 mil hectares.

O capital também parte dos fundos de investimentos, como o Luxor Agro, que, junto com o fundo Meraki, injetou R$ 5 milhões no projeto Pasto Vivo, para que a PretaTerra, a reNature e outras entidades desenhassem a produção de bovinos, pastagens e agrofloresta em 1,2 mil hectares regenerativos em Mato Grosso. Já a reNature, em janeiro deste ano, conseguiu uma nova rodada de captação de investimentos e levantou R$ 3,6 milhões.

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Os cafeicultores Eduardo e Otávio já podem assegurar que o reconhecimento do mercado existe e há compradores externos sedentos por produção sustentável e transparente. Na primeira safra, dois torradores da Holanda compraram praticamente todo o café regenerativo, o que significa cerca de 70 sacas. Além disso, eles pagam um prêmio por saca de café convencional, para que o valor excedente seja utilizado para aumentar a área de agrofloresta.

A cada cinco pés de café, há uma bananeira, com espaçamento de 4 metros entre elas e 60 centímetros entre os cafeeiros. (Foto: Rogerio Albuquerque)

 

A 300 quilômetros de Careaçu, em Varjão de Minas, a produtora Lucimar Silva, responsável pelas operações da empresa Guima Café, confirma que o clima é um entrave para a sustentabilidade do café, por isso aderir à agricultura regenerativa é também “uma questão de sobrevivência”. Lucimar, que já é parceira da Nespresso no cultivo convencional, recebeu da multinacional a proposta de fazer a transição do modo de cultivo. Logo, o café regenerativo ganhou espaço na fazenda, em 2021, sendo implantado em 50 hectares, dos 850 hectares de área produtiva total.

Outra oportunidade rentável para quem investe na agricultura regenerativa é o mercado de carbono. Produtores da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (CAMTA), no Pará, fazem o plantio consorciado entre palma, cacau, açaí, castanha e outras espécies. Em parceria com a reNature, o Rabobank e a Microsoft, o projeto piloto Acorn, gerenciado pelo Rabobank Holanda, viabilizou a comercialização de 242 créditos de carbono, a um valor total de R$ 25 mil.

“Acreditamos que o Brasil pode liderar essa agenda de combate às mudanças climáticas globalmente. Já vemos um movimento forte em busca de remunerar o produtor pela preservação ambiental e acreditamos que, em breve, o pagamento ganhará escala”, afirma Thiago Guedes, gerente do Rabobank Brasil.

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Além do Acorn, Guedes revela outra iniciativa: o Carbon Bank, com o objetivo de conectar “produtores de carbono” com empresas que buscam cumprir compromissos de emissões zero ou compensação de emissões inevitáveis. “Esses sistemas são baseados em práticas de agricultura regenerativa, como a melhora na saúde do solo”, reforça o executivo. 

Miguel Calmon, líder de finanças de carbono na Conservation International, cita outras iniciativas de mercado de carbono em andamento, como um projeto piloto no Maranhão liderado pela Tropical Forest Alliance (TFA) com produtores de soja e a parceria entre Bayer e Embrapa para também remunerar sojicultores. Para ele, não há dúvidas de que a agricultura de baixo carbono, por meio de restauração e reflorestamento, sistemas agroflorestais e a própria amplitude da agricultura regenerativa, sequestra carbono no solo e, por isso, pode se tornar uma fonte de renda alternativa.

Acreditamos que o Brasil pode liderar essa agenda de combate às mudanças climáticas globalmente"

THIAGO GUEDES, gerente do Rabobank Brasil

A agricultura regenerativa também sinaliza outra mudança na dinâmica do mercado: o consumo dos químicos. Fabio Passos, líder do negócio de carbono da Bayer para a América Latina, declara que, diante da urgência climática, o produtor precisa enxergar o benefício de regenerar o solo, mesmo que isso apresente uma nova dinâmica dos insumos no mercado.

“É uma transformação da indústria. Não estamos preocupados se isso vai diminuir o mercado de químicos, porque o que a gente quer é se adaptar à realidade do produtor”, afirma o executivo, ao projetar que a agricultura deve ser uma “ampla caixa de ferramentas, com biotecnologia, manejo integrado e plantas de cobertura, assim como a agricultura regenerativa propõe".

DESIGN DE CAMPO: Na fazenda Pedra Preta, a cada cinco pés de café, há uma bananeira, com espaçamento de 4 metros entre elas e 60 centímetros entre os cafeeiros. São três linhas nesse formato e, em seguida, uma linha de mogno e abacate alternados, com distância entre os mognos de 14 metros. Já entre a árvore e o abacate, há um espaço de 7 metros (Foto: Estúdio de Criação)

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Source: Rural

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