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Com o avanço da vacinação, a maior crise sanitária dos últimos 100 anos parece se encaminhar para virar história, mas seus efeitos ainda serão sentidos por um bom tempo. Para tentar entendê-la melhor, aqui revisitamos as perspectivas do início da pandemia, avaliamos o que, de fato, ocorreu para, assim, nos situarmos melhor onde estamos nesse momento, em especial com foco na pecuária.

No início da pandemia, as previsões eram extremamente sombrias. Em parte, são esses cenários assustadores que estimulam maior adesão às medidas amargas que são impostas, entre elas maior higiene pessoal, uso de máscara e distanciamento social. Este último, tendo o lockdown como forma mais extrema, foi o maior desafio à sociedade, especialmente pelos seus desdobramentos no que se refere a redução de oportunidades de trabalho, renda e consumo.

 

A redução forçada da atividade econômica em todo o mundo e os custos adicionais impostos à sociedade e aos governos apontavam para a redução de demanda de forma geral e, consequentemente, baixas pressões inflacionárias. Com três meses de pandemia, em maio de 2020, um relatório do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) previa: o empobrecimento da população, aumento de protecionismo, redução das exportações, e maior preocupação com sanidade. O mesmo documento pressupôs que a agenda ambiental seria deixada de lado.

Passados 18 meses do início da pandemia, a visão no retrovisor revela uma trajetória bastante diferente. Em primeiro lugar, houve uma notável e inesperada adaptação às restrições, com grande adesão ao teletrabalho, ao comércio eletrônico, às entregas em casa e outras estratégias que contornaram, em uma proporção imprevista, as limitações impostas. Igualmente inesperado foi o aumento de demanda por alimentos.

A redução de gastos proporcionada pelo trabalho em casa, como o dinheiro gasto em deslocamento e na alimentação fora de casa, permitiu o aumento no gasto com alimentação. Para esse efeito foi determinante, também, o aporte de mais de R$ 300 bilhões do auxílio emergencial do governo, para um público cuja proporção de gasto com alimentação seria de 75%. Portanto, ao contrário do inicialmente previsto, a inflação nos itens alimentares foi pronunciada.

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O consumo per capita da carne bovina no País teve redução significativa, de cerca de 30 kg, para estimados 25 kg. O preço da carne foi afetado por outro fato, que contrariou as previsões: o aumento das exportações em 2020, que devem se manter muito próximas do patamar de 2,9 milhões de toneladas em 2021. Além do aumento da competitividade em função da desvalorização do Real frente ao Dólar, há grande influência do apetite chinês pela nossa carne. A China concentra, hoje, 60% da carne bovina brasileira exportada. Analistas já acreditam que a carne brasileira conquistou o mercado chinês, abocanhando uma parcela da carne mais consumida naquele país, a carne suína.

Outra previsão que não se confirmou foi a de que a agenda da sustentabilidade seria relegada a segundo plano, pelo contrário, ela ganhou grande impulso durante a pandemia. Além de alguns marcos políticos de grande impacto, como o retorno dos EUA ao Acordo de Paris, o Pacto Ecológico Europeu que, assim como os três grandes da Ásia, China, Japão e Coreia, se comprometeram a zerar as emissões até 2050, o mercado financeiro definitivamente adotou a sustentabilidade.

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Puxada por gigantescos fundos de investimento, a agenda ESG, da sigla em inglês que se refere à responsabilidade ambiental, social e de boa governança é, enfim, uma realidade. Nos últimos anos, fundos de investimento que excluem de seus portfólios empresas que não atendam os critérios ESG têm desempenho superior aos outros grandes gestores de ações no mercado. No Brasil, os grandes frigoríficos exportadores já anunciaram vultosos investimentos para se tornarem “zero carbono” e em protocolos que evitam fornecedores diretos e indiretos que tenham alguma relação com atividades ilegais, como desmatamento de áreas protegidas.

O Brasil tem disponíveis várias técnicas para produção sustentável. Um exemplo são os sistemas que integram lavoura, pecuária e floresta (ILPF). Já temos cerca de 15 milhões de hectares e potencial de ir bem além sobre áreas de pastagens degradadas que, assim, poderão se tornar novamente produtivas. A produção pecuária, pelo risco de zoonoses, deve ser ainda mais exigida em protocolos de segurança e precisa estar pronta para agir em casos de riscos sanitários. Apenas com sistemas alimentares bem estruturados estaremos preparados para enfrentar novos desafios do calibre da pandemia de Covid-19. A pecuária brasileira pode, deve e tem todas as condições de figurar como uma das soluções.

*Sergio Raposo de Medeiros é pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste

**as ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do seu autor e não refletem, necessariamente, o posicionamento editorial da Revista Globo Rural
Source: Rural

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