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Fragilizado, mas com muitas oportunidades. É assim que o Brasil chega à Conferência do Clima (COP-26), em Glasgow, na Escócia, segundo especialistas. O evento internacional, que começa neste domingo (31/10), discutirá os avanços desde o Acordo de Paris, na COP-21, quando as nações assinaram compromissos nacionalmente determinados (NDCs) para reduzir o aquecimento global, e resultará em novos acordos mundiais.

O Plano Nacional das Mudanças Climáticas (PNMC) oficializou o compromisso voluntário do Brasil junto à COP-21, de 2015, de reduzir as emissões de gases de efeito estufa entre 36,1% e 38,9% das emissões projetadas até 2020. Na Cúpula do Clima, evento organizado pelo presidente dos EUA Joe Biden, logo após assumir o mandato, o governo brasileiro assumiu uma nova meta: neutralizar suas emissões até o ano de 2050.

Monitoramento de queimadas na região de Porto Velho (RO), na Amazônia, em julho de 2021 (Foto: Christian Braga / Greenpeace)

Principal motor da economia brasileira, o agronegócio é visto como peça fundamental para enfrentar as mudanças no clima. Para isso, porém, conta com desafios estruturais. Globo Rural listou os cinco principais, com a ajuda de especialistas: desmatamento, aplicação integral do Código Florestal, agricultura e pecuária de baixo carbono, transferência de tecnologia no campo e estruturação do tão esperado mercado de carbono.

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Os temas foram abordados por Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), Marina Piatto, diretora-executiva do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e Nelson Ananias, coordenador de Sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

1. Desmatamento

 

 

Apenas na Amazônia, foram suprimidos 10.851 km2 em 2020, segundo os dados do sistema Prodes/Inpe. No mesmo ano, as emissões de gases do efeito estufa do Brasil cresceram 9.5%, segundo levantamento divulgado na última sexta-feira (29/10) pelo Observatório do Clima.

Segundo Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o Brasil poderia ser protagonista na Conferência porque não existe uma maneira mais fácil e barata de reduzir as emissões do que reduzir o desmatamento de florestas tropicais. O desmatamento da Amazônia, diz, é responsável por 47% das emissões brasileiras, enquanto a agropecuária responde por outros 30%. Estiagem severa, chuvas irregulares, geadas, e outras intempéries climáticas são fenômenos que o Brasil vem assistindo e afetam principalmente o produtor rural, e isso é um reflexo direto do desmatamento. Ao cortar as árvores, o estoque de carbono que estava no solo se transforma de dióxido de carbono e contribui para o aquecimento do planeta. 

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Nas contas do professor Artaxo, o Brasil poderia zerar o desmatamento da Amazônia em quatro ou cinco anos se houvesse compromisso do governo. Ele destacou que o desmatamento, que vinha caindo até 2012, passou a aumentar em níveis alarmantes e que 95% desse desmatamento é ilegal, é crime e deveria ser combatido. “O país perde ambientalmente e financeiramente com esse desmatamento, em especial com os boicotes a sua carne bovina. Tem que ser implantada uma política de desmatamento zero até 2025, incluindo todo tipo, o legal e o ilegal.”

Nelson Ananias, coordenador da CNA, discorda. Segundo ele, só o desmatamento ilegal tem que ser zerado, pelo princípio da responsabilidade. “Uma política de desmatamento zero pode levar a Amazônia a um possível abandono.” De acordo com ele, apenas 30% do desmatamento vem da propriedade privada e o produtor rural que atua na legalidade, cumprindo o Código Florestal, tem que ter seu esforço de redução de emissões reconhecido e apresentado com transparência ao mundo durante a COP-26.

A agricultura brasileira não é de baixo carbono, mas tem potencial para ser

Marina Piatto, diretora-eecutiva do Imaflora

2. Código Florestal e CAR

Um dos pricipais instrumentos previstos no Código Florestal, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) precisa ter seu dados analisados e validados. É o CAR que servirá de base para se saber o quanto existe de áreas preservadas nas propriedades rurais e a necessidade de recuperação, o que deve ser feito pelo Programa da Recuperação Ambiental (PRA).

Nelson Ananias, da CNA, defende que o Brasil precisa mostrar na Conferência que o produtor rural brasileiro tem feito a sua parte para reduzir as emissões de gases, por meio da implementação do Código Florestal, do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Plano ABC de agricultura de baixo carbono. No entanto, reconhece que é preciso dar celeridade ao processo de análise e verificação do CAR, já que o instrumento é auto-declaratório.

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Neste sentido, Marina Piatto e Paulo Artaxo defendem que é preciso estruturar de forma mais robusta programas e políticas, como o Programa ABC+, Floresta+, Adote um Parque, que na COP serão apresentadas, mas resultados aquém do necessário.

Ananias, da CNA, ressalta que o próprio produtor rural deseja ter o CAR processado, pois isso coloca o Código Florestal em pleno funcionamento. Para isso, segundo ele, o país precisa de recursos para outras ações e não apenas de comando e controle para reduzir suas emissões.

3. Agricultura e pecuária de baixo carbono

Marina Piatto lembra que o Brasil ainda tem 100 milhões de hectares de pastagens degradadas e é urgente que ações como a integração lavoura-pecuária-floresta ganhem escala. “A agricultura brasileira não é de baixo carbono, mas tem potencial para ser”, diz ao mencionar que o Programa ABC, fonte de financiamento para a agricultura de baixo carbono, representa apenas 2% das verbas do Plano Safra.

A diretora do Imaflora ainda destacou que o Brasil tem direito a um pagamento adicional pelo nível alto de sequestro de carbono de sua agricultura, mas, ao contrário, pode passar vergonha na COP-26 pela postura do governo nos últimos anos de “desmantelamento” da proteção ao meio ambiente.

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Outra questão que deve ganhar espaço na conferência e no pós COP-26, na opinião de Paulo Artaxo, é a regulamentação das emissões de metano da pecuária, à medida que este é um gás que tem potencial de dano maior que o CO2. Segundo ele, o Brasil tem vulnerabilidade nesse tema, mas apostar em sistemas como Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF) pode ser uma saída.

Marina reforça a importância de uma metodologia para medir, reportar e verificar (MRV) as emissões e sequestros de gases, seja o CO2, seja o metano, assim facilitando a transparência e prestação de contas para investidores. “O chamado MRV é uma grande discussão do clima no mundo”, comenta.

4. Transferência de tecnologia

Seguir com o Programa de Regularização Ambiental, após análise do CAR, significa disposição de fazer a recuperação de áreas degradadas. Nelson Ananias, da CNA, afirma que o produtor rural está disposto a fazê-lo. No entanto, é preciso incentivo e acesso a tecnologias.

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Mais do que cobrar o produtor por ser sustentável, Paulo Artaxo, Nelson Ananias e Marina Piatto concordam que é necessário ampliar a transferência de tecnologia para o campo, fazendo-a chegar aos agricultores, principalmente pequenos, tradicionais e de agricultura familiar. No contexto da COP-26, a aplicação de recursos financeiros, incluindo aportes internacionais, pode ser uma oportunidade para ampliar a extensão rural.

“O produtor sério que quer se desenvolver precisa de subsídio, crédito, assistência técnica, pesquisas às variedades adaptadas para mudanças climáticas. É preciso fazer uma transferência massiva de tecnologia para sair do papel de vilão e mostrar nosso potencial para o mundo”, observa.

É preciso fazer uma transferência massiva de tecnologia para sair do papel de vilão e mostrar nosso potencial para o mundo

Marina Piatto, diretora-executiva do Imaflora

5. Mercado de carbono

O mercado de carbono será um dos princpais temas da COP-26. Para oprofessor Artaxo, o processo de transição necessário para uma economia de baixo carbono é de longo prazo e não vai se resolver nesta COP ou nas próximas conferências, mas é preciso metas ambiciosas já para iniciar essa transformação. Ele defende um avanço nas discussões sobre o mercado de carbono porque os países desenvolvidos têm uma conta a pagar.

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“É fácil para os Estados Unidos e Europa dizer para os países em desenvolvimento como o Brasil que eles precisam reduzir suas emissões, quando o alicerce de desenvolvimento de suas economias foi baseado nos combustíveis fósseis”, comenta.

O representante da CNA diz que esse reconhecimento ao produtor brasileiro tem que vir já. “É preciso se estabelecer um mercado de carbono que reconheça que o Brasil já recuperou 28 milhões de hectares de pastagens degradadas. É necessário comparar isso com outros países produtores e ver o quanto vale.”

Assista à live realizada pela Globo Rural sobre COP-26 e o agro:

 

 
Source: Rural

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