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Nos preparativos para a COP26, lideranças empresariais brasileiras têm defendido que o país eleve sua meta nacional de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE). A ideia é sinalizar ao mundo compromisso firme do Brasil com a agenda climática. E, ao fazer isso, reduzir a desconfiança estrangeira e atrair novos investimentos para o país.

A intenção é nobre, mas há um risco não computado nesta equação, que ainda merece ser considerado com cautela. O Acordo de Paris inaugurou uma nova geopolítica do clima. Antes, apenas países ricos se comprometiam em cortar emissões. Agora, todos os países, desenvolvidos e em desenvolvimento, se responsabilizam, nos termos de suas metas nacionais.

 

Ao estabelecer sua meta, o país cria uma obrigação para si. Obrigação é dívida. Dívida é algo que se paga, não que se recebe. Enquanto a dívida é apenas moral, o problema é relativamente mais simples. A partir do momento em que se torna um compromisso formal perante o mundo, torna-se uma dívida externa.

Nos últimos anos, o mundo tem dado passos importantes para organizar a cobrança dessas dívidas. No plano interno, quem tenta se desvincular de sua obrigação já tem enfrentado problemas. O México, por exemplo, recentemente perdeu ação judicial, protocolada por organização da sociedade civil, que impediu governo de reduzir seu compromisso de corte de emissões. Em vários outros países, inclusive no Brasil, tramitam ações análogas nos tribunais.

No plano internacional, a exigência de cumprimento das metas nacionais também tende a se agravar em breve. Item chave nas negociações de Glasgow é a regulamentação do mercado internacional de carbono, previsto no artigo 6 do Acordo de Paris. Uma das funções deste instrumento é justamente facilitar o cumprimento das metas de cada país.

Há muitas dúvidas ainda sobre como exatamente este mercado será operacionalizado, quem controlará as obrigações, e como o fluxo de créditos e dívidas será registrado. Mas há uma convergência importante nas negociações em curso: uma vez constituído o mercado internacional de carbono, nova dinâmica de trocas deve se estabelecer entre os países. Agora, não mais entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, como no passado, mas entre credores e devedores.

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Quem superar sua meta nacional ingressará no mercado de carbono como credor e poderá vender seus créditos no mercado internacional para os países que não atingirem sua meta de redução de emissões. Se o mercado global de carbono entrasse em vigor hoje, o Brasil começaria no vermelho. Na coluna das dívidas brasileiras, constam, desde 2015, compromissos importantes com redução do desmatamento, intensificação do uso da terra e descarbonização da matriz energética.

Tudo isso é obrigação que já assumimos perante o planeta. Se o Brasil não cumprir sua parte prometida, pode ter de desembolsar parte de seus parcos recursos para compensar quem fez mais do que prometeu—ou, quem sabe, ver o seu nome inscrito no “Serasa da ONU”.Nada disso ajudará a elevar a confiança do mundo no país.

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O Brasil já possui metas relativamente elevadas, em comparação com países desenvolvidos com histórico de impacto ambiental muito mais grave que o nosso, e dada nossa contribuição atual de 3% das emissões globais. Elevar a meta—e, portanto, a dívida brasileira—pode apenas aprofundar a sensação de que o Brasil é um país que sempre promete, mas está cada vez mais distante de pagar o que deve.

Se o intuito é garantir a confiança estrangeira em nossa agenda ambiental, o melhor caminho não é prometer outra vez, e se obrigar a fazer mais. É começar a agir desde já para pagar, em prestações, o que já devemos.

*Daniel Vargas é professor da Escola de Economia de São Paulo (EESP), da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e coordenador de Pesquisas do FGV Agro

**as ideias e opinões expresas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seu autor e não repesentam, necessariamente, o posicionamento editorial da Revista Globo Rural
Source: Rural

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