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O engenheiro agrônomo Pedro Basso herdou do pai e do avô a paixão pelo cultivo de sementes de trigo na fria e alta região de Vacaria, no nordeste do Rio Grande do Sul. Ao longo dos anos, incorporou muita tecnologia ao negócio e hoje ocupa 55% dos 4 mil hectares da fazenda com o plantio direto de sementes certificadas, que são distribuídas para revendas do Estado – que, junto com o Paraná, responde por cerca de 90% da produção de trigo do país.

Trigo – Plantação na propriedade de Vilson Paulo Von Fruhauf, produtor no município de Não-Me-Toque (RS) Rio Grande do Sul. (Foto: Marcelo Curia)

 

 

Licenciada pelos obtentores da tecnologia como multiplicadora, a família Basso produz 3 mil toneladas de sementes de trigo por ano e festeja o avanço do plantio do grão na Região Sul neste ano, impulsionado pelos bons preços, pelas campanhas de incentivo à safra de inverno e pela possibilidade de o grão substituir o outrora abundante milho na ração animal. Basso, no entanto, é um dos muitos envolvidos com a cadeia que não veem um crescimento proporcional na produção de sementes certificadas, ou seja, aquelas que têm inscrição no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem) do Ministério da Agricultura.

“Alguns produtores salvam sementes para uso próprio, o que é legal, mas vendem parte disso para terceiros, alimentando a pirataria do setor.” Pedro explica que essa semente concorre ilegalmente com a produção certificada, que demanda altos investimentos e muito profissionalismo, e causa atrasos à cultura, porque não paga royalties para que o detentor da tecnologia possa investir em pesquisa e desenvolvimento de novas variedades. Basso acredita que 25% da semente ilegal de trigo plantada no país sai de campos não aprovados dos próprios sementeiros.

25% da semente ilegal de trigo plantada no país sai de campos não aprovados dos próprios sementeiros"

Pedro Basso, produtor de sementes certificadas de Vacaria (RS) 

“O custo da matéria-prima subiu, o custo da embalagem triplicou e o sementeiro tem o desafio de entregar a qualidade que o mercado exige.” Na base da troca, diz, o custo da semente caiu neste ano. Eram necessárias de 8 a 10 sacas de trigo para semear 1 hectare e, agora, bastam de 6 a 7 sacas.

Estimativas do setor indicam que a semente, vendida em sacas de 40 quilos, representa de 12% a 18% do custo de produção do trigo. Existem cinco tipos de sementes legais e geralmente todas são chamadas de certificadas, mas apenas três são produzidas com processo de certificação: básica (com maior rigor no processo de controle), C1 e C2. As sementes S1 e S2 são legais, mas não exigem certificação.

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Fabio Siebeneichler, gerente comercial da Sementes Van Ass, observa que o produtor de trigo tem uma tendência a fazer economia na semente e nos fertilizantes porque essa cultura tem muitos riscos climáticos. “O problema é que cada escolha que ele faz nesse sentido diminui o potencial produtivo de sua lavoura”, diz. A Van Ass é uma das maiores empresas do setor e está instalada há 52 anos no noroeste gaúcho. Planta 2 mil hectares de sementes de trigo certificadas e produziu na última safra 160 mil sacas de 40 quilos, ou 6,4 mil toneladas. Segundo Siebeneichler, as vendas caíram 7% neste ano, pois o agricultor usou mais sementes salvas e piratas.

O pesquisador Osvaldo Vasconcelos, que deixou a chefia da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Trigo após 15 anos, também avalia que a quantidade disponível de sementes certificadas parece “não casar” com o aumento da área plantada de trigo, pelo menos no Rio Grande do Sul.

A área de trigo na Região Sul cresceu 15,6% neste ano em relação a 2020, segundo o levantamento de safra da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). No Rio Grande do Sul, o avanço foi de 23%; no Paraná, de 6,7%; e em Santa Catarina, 62%. Já o levantamento do Ministério da Agricultura aponta que a área cultivada com sementes na região caiu de 210 mil para 194,5 mil hectares.

 

Na opinião de Fernando Michel Wagner, gerente comercial América Latina da Biotrigo, empresa que tem 85% do market share de sementes do cereal no país, está muito claro que o aumento de área não foi proporcional à produção de sementes. Ele avalia que o avanço da qualidade do grão nacional nos últimos dez anos e a rentabilidade recente da cultura chamaram a atenção também dos “piratas”.

“O mercado de sementes certificadas vem diminuindo. No Sul, a taxa de uso está abaixo de 75%. No Paraná, caiu de 80% para cerca de 65%. Isso é um grande problema, porque o royalty pago aos detentores é o que alimenta a pesquisa. Infelizmente, a informalidade cresceu com a semente salva”, diz o executivo.

Ele observa que a semente de “sacaria branca”, sem nota, sem garantia real de germinação, sem laudo de conformidade e sem o número de registro do produtor no Renasem, tem vários impactos na produção. O mantra do setor é que toda semente é um grão, mas nem todo grão é uma semente. "Não dá para saber se a cultivar é realmente a desejada, se não tem misturas, qual será o percentual de germinação e se não é um vetor de ervas daninhas. “É um risco muito grande por um desconto pequeno na semente, já que os outros gastos do triticultor são os mesmos", diz ele.

Não dá para saber se a cultivar (da semente pirata) é realmente a desejada, se não tem misturas"

Fernando Michel Wagner, gerente comercial América Latina da Biotrigo

Wagner afirma que o número de multiplicadores de sementes vem caindo devido às fusões, à entrada das cooperativas no setor e às exigências de maior profissionalismo e capacidade técnica para cumprir as normas e entregar qualidade e segurança. Dados do Mapa indicam 574 produtores habilitados no Renasem, o que não significa que todos efetivamente tenham produção.

Jean Cirino, diretor administrativo da Associação dos Produtores e Comerciantes de Sementes e Mudas do Rio Grande do Sul (Apassul), que tem 86 inscritos, estima em 75% o uso de sementes certificadas no Estado. Ele considera semente pirata um grande risco para a sustentabilidade da produção. “No longo prazo, se a pesquisa não for estimulada com os royalties, quando vier um novo tipo de ferrugem, quem vai investir para desenvolver variedades resistentes?”

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Jhony Noller, diretor executivo da Associação Paranaense dos Produtores de Sementes e Mudas (Apasem), com 46 associados, também aponta um percentual de 75% de taxa de uso de sementes certificadas. A Apasem, que tem um canal de denúncias, promove atualmente a campanha "Pirataria de Sementes Também é Corrupção". No ano passado, foram registradas cerca de 40 denúncias, que envolvem também outras culturas, e foram aplicadas penalidades em 85%. “Neste ano, as denúncias caíram muito, pelo menos em nosso canal.”

No Rio Grande do Sul, segundo Rafael Lima, chefe da Divisão de Insumos e Serviços Agropecuários (DISA) da Secretaria Estadual da Agricultura, as apreensões de sementes de trigo supostamente piratas subiram neste ano. Os fiscais apreenderam 614,5 toneladas em cinco operações. Na maior delas, no final de abril deste ano, em Ibirubá, foram apreendidas 378 toneladas com genética protegida da Biotrigo, que fez a denúncia.

Pedro Basso, produtor de sementes certificadas de Vacaria (RS). (Foto: Divulgação )

 

O advogado Artur Grando, que presta assessoria jurídica para a empresa, diz que, desde 2019, a empresa passou a ter uma atuação mais proativa nas denúncias de pirataria de suas cultivares. “A gente já investigava muitos casos, mas faltava uma coordenação com o poder público. Passamos, então, a fazer uma investigação defensiva. Simulamos compras anonimamente, gravamos tudo em vídeo e disponibilizamos as provas da ilegalidade para a fiscalização estadual e federal.”

Ele diz que as ofertas de sementes piratas são encontradas em vários sites e marketplaces da internet e os vendedores chegam a combinar estratégias com o comprador para burlar a fiscalização. Só neste ano, foram apurados 30 casos, mas a empresa concentra sua pressão nos que têm maior volume.

O infrator fica como depositário do produto apreendido. Com o auto de infração, a Biotrigo processa o responsável pedindo pagamento dos royalties e do valor que deixou de vender relativo à quantidade apreendida, acrescido de multa e dano moral por frustração da pesquisa e uso indevido da marca. Um processo neste ano teve desfecho rápido e rendeu, em acordo sem contestação, um pagamento de R$ 600 mil à Biotrigo.

O Ministério da Agricultura também aplica multas nos casos de pirataria. No ano passado, segundo a assessoria da pasta, foram apreendidas 24.202 toneladas de sementes e mudas em geral em 736 ações de fiscalização e aplicadas multas que ultrapassaram R$ 13 milhões.

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As cooperativas da Região Sul adquirem os direitos de multiplicação de sementes de trigo de empresas como a Biotrigo, a OR e a Embrapa, certificam e terceirizam a produção para associados que têm perfil tecnológico mais elevado e possuem áreas com mais altitude e fertilidade. A Coamo, cooperativa de Campo Mourão (PR), segunda maior do país, com 30 mil associados e um faturamento recorde de R$ 20 bilhões em 2020, é a maior produtora.

Roberto Destro, gerente de produção de sementes da Coamo, diz que 21 cultivares são multiplicadas em 665 campos de 360 cooperados, em uma área que vai de 25 mil a 30 mil hectares, com produção de 24 mil a 26 mil toneladas por ano. “A área inscrita geralmente é quase o dobro, para compensar os riscos climáticos, e 99,3% da produção é fornecida para nossos cooperados.”

Cocamar – O laboratório da cooperativa, localizado em São Sebastião da Amoreira, no norte paranaense. (Foto: Divulgação )

 

Destro estima em 80% a 90% o uso de sementes certificadas na região de atuação da Coamo, que recebe e rastreia a produção de trigo dos cooperados de acordo com o tipo de sementes que adquiriram. O negócio de sementes de trigo responde por menos de 5% do faturamento da cooperativa, mas é estratégico pois garante a produção do moinho em Campo Mourão, que processa 500 toneladas por dia.

Cocamar – A Unidade de Beneficiamento de Sementes (UBS), localizado em São Sebastião da Amoreira, no norte paranaense. (Foto: Divulgação )

 

Na Cocamar, cooperativa de Maringá, a área plantada passou de 2.500 para 3 mil hectares neste ano, segundo Diogo Amaral, gerente da unidade de beneficiamento. As cultivares mais usadas são as da Biotrigo, com destaque para a Ponteiro, a Toruk e a Audaz. A produção cresceu de 80 mil para 105 mil sacas e é quase toda destinada aos cooperados – e os grãos recebidos também são rastreados.

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Source: Rural

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